– Você tem que falar com ele. É seu filho.
– Mas ele não me escuta.
Visões diferentes de mundo levam pai e filho a se enfrentar na tela. Poderia ser Eles não usam black-tie (1981), de Leon Hirszman. Ou, em uma versão mais recente e do ponto de vista feminino, Como nossos pais (2017), de Laís Bodanzky. Mas o diálogo está no mais recente filme de Jorge Furtado, em cartaz em BH. Primeiro longa-metragem do cineasta gaúcho que não foi escrito por ele, Rasga coração adapta a última peça de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (1936-1974), levada aos palcos pela primeira vez em 1979. “É um filme de atores. Muitas vezes, no set, eu me sinto o roteirista que dirige. Desta vez me senti mais diretor”, conta Furtado ao Estado de Minas.
Jorge Furtado lembra de sua reação ao assistir à peça de Vianna Filho pela primeira vez. “Fiquei muito impressionado. Marcou a minha vida e ajudou a entender o Brasil”, lembra o diretor, de 59 anos. Enquanto emergem as lembranças do passado militante, quando era conhecido pelo codinome Manguari Pistolão, o funcionário público Custódio (Marco Ricca) tem embates com o adolescente Luca (Chay Suede) por causa de posicionamentos do filho na escola. “São duas histórias vividas por dois personagens ao mesmo tempo”, explica o cineasta. No filme, os conflitos do presente foram trazidos dos anos 1970 para o Brasil de 2013. “E estão cada vez mais atuais”, defende o diretor. “Em 2013, o governo que jovens como Luca conhecem é de esquerda. E eles reclamam de coisas justas”, complementa, lembrando as manifestações que tomaram conta das principais cidades do país naquele ano.
Se, no prefácio da peça, Vianinha sai em defesa do personagem mais velho (“o revolucionário, para mim, é o velho Manguari, porque revolucionário é a luta contra o cotidiano, feita de cotidiano”), o filme prefere não tomar partido. “Em determinados momentos, o pai tem razão. Em outros, o filho. Não há mocinho nem bandido na história”, acredita Furtado. Quando as discussões se tornam mais ferozes, Nena (Drica Moraes), a esposa de Manguari e mãe de Luca, tenta apaziguar a casa. Não tem muito êxito; pai e filho parecem viver em “galáxias diferentes”. “Qual família brasileira nos últimos anos não teve uma discussão, ou mesmo uma ruptura, por causa de uma questão política?”, indaga o diretor.
A trilha sonora descarta a previsível Como nossos pais, de Belchior (“seria reiterativo e também já havia sido utilizada em duas versões em Intolerância, filme do Carlos Gerbase”) e traz de volta pérolas brasileiras dos anos 1970, entre elas Movimento dos barcos (Jards Macalé/Capinam) e Corda-ré, canção inédita – e pungente – de Sérgio Sampaio (1947-1994). “Às vezes, acho que faço cinema só para poder escolher a trilha sonora e ouvir música bem alto”, brinca o diretor de filmes marcantes, como o antológico curta-metragem Ilha das Flores (1989), e os longas O homem que copiava (2003) e Meu tio matou um cara (2004). “O que espero agora é que Rasga coração pare de ficar atual”, afirma o cineasta. Dolorosamente atual.
RASGA CORAÇÃO
Direção: Jorge Furtado. Com Marco Ricca, Chay Suede e Drica Moraes
•Belas 2, 16h40, 19h10, 21h20
•Pátio 2, 13h10, 15h40, 18h10, 20h50
•Ponteio 2, 13h50, 16h20, 18h50, 21h20