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"Por que tanta agressão?"

Fernanda Montenegro diz que o artista é crucificado por recorrer a recursos públicos, 'uma miséria de verba'. Para ela, o governo Bolsonaro, fruto da internet, 'veio por um botão'


postado em 22/11/2018 05:10

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

“É o primeiro governo do botão. Esse governo veio pela internet. Sou do tempo em que tinha que ter palanque na praça”

“Se valoriza mais alguma coisa? Se valoriza a saúde? Se valoriza o saneamento básico?  Se valoriza a moradia para o desamparado?Há uma carência geral”

“Crucificar o artista porque conseguiu usaruma ajuda dentro de um atendimento cultural? E isso não é só de agora, foi assim durante minha vida inteira. A cultura é sempre culpada“

“Todo mundono Brasil está se demonizando”



Fernanda Montenegro, de 89 anos, diz que as novas tecnologias trouxeram outras formas de relacionamento e, com elas, caminhos diferentes para a arte de forma geral. “Há uma nova era, há uma ciência e tecnologia dominando tudo”, repara. “Isso não quer dizer que o teatro de palco, de ser humano diante de outro ser humano, vá morrer. Mas, diante da crise geral do país, o que está acontecendo é que tem sempre monólogos, diálogos, triálogos. Alguma encenação com maior gente no elenco, mas a coisa está sobrevivendo nas catacumbas, entende?”

A história da atriz, que Caetano Veloso chama de “dama civilizadora”, e de sua geração está contada em Fernanda Montenegro: itinerário fotobiográfico (Sesc). Ela tem percorrido o país para lançar o livro – em BH, a noite de autógrafos reuniu 500 pessoas, no Sesc Palladium. Terça-feira, foi a vez de Brasília. São 75 anos de carreira. Nostalgia? “Existe a nostalgia do ser humano diante do ser humano. Hoje em dia, ninguém mais fala diretamente com ninguém. É só WhatsApp”, diz Fernanda.

A senhora usa WhatsApp?
Eu me nego. Não é porque ache ruim não. É o momento. É a hora que se está vivendo. O botão é fundamental. Sem o botão, não existe vida no mundo hoje. Agora, faço uma profissão que necessita o outro ser humano diante de si. Na diversificação desse jogo ‘ser humano diante de ser humano’, houve também o botão, porque chegou o cinema por intermédio de um botão, chegou a televisão através de um botão. Há uma outra manifestação de comunicação humana eletrônica numa violência e numa presença mágica.

Seu pai era artesão. Vem daí a ideia de teatro como artesanato?
Meu pai foi um modelador mecânico. Artesão. Dominava a leitura de um desenho industrial, sabia tirar aquele desenho na madeira e no tempo dele não tinha peça para a fundição. Então, venho de um artesão maravilhoso, de grande qualidade. Faço minha profissão como meu pai fazia sua modelagem, só que a dele era industrial, e a minha é teatral. As coisas foram acontecendo. É essa coisa estranha, você está num lugar e algo o favorece naquele lugar. Você podia estar em outro lugar, podia ter virado uma outra esquina.

Como isso ocorreu?

Eu vim cedo para o mundo (do teatro), primeiro fui para uma rádio oficial, do Ministério da Educação e da Cultura, que, na época do Getúlio Vargas, não eram áreas separadas. Uma área era idêntica à outra, e uma não existia sem a outra. O que acho deveria ser até hoje. E vim pela vida afora, encontrei amigos e irmãos com quem convivi 70 anos enquanto viveram, e Fernando Torres, com quem vivi durante 60 anos e que era tão devoto ao teatro como eu. Enquanto ele existiu, eu fui a pessoa do palco. Ele era a pessoa do teatro, compreendia tudo do teatro como ator, diretor, empresário, animador cultural. Mas está terminando essa modalidade de teatro. O país devia ter um Ministério da Cultura e secretarias, porque tudo é cultura.

Qual a dificuldade em valorizar a cultura no país?
Se valoriza mais alguma coisa? Se valoriza a saúde? Se valoriza o saneamento básico? Se valoriza a moradia para o desamparado? Há uma carência geral. Não é uma negação geral. Mas é sempre a propósito de se chegar a algum lugar ao qual nunca se chega. Crucificar o artista porque conseguiu usar uma ajuda dentro de um atendimento cultural? E isso não é só de agora, foi assim durante minha vida inteira. A cultura é sempre culpada. O dinheiro que vai para a cultura podia ter ido para a casa popular, para a agricultura, para a atendimento da saúde, para a educação. Agora, é uma miséria de verba. Só que é interessante: mesmo quando não há nenhum apoio, mesmo quando não há nada sendo oferecido, como no tempo do Collor, o saneamento não é feito, o atendimento de saúde não acontece.

O Brasil viveu um momento muito polarizado durante as eleições. Como ficou a relação entre os artistas que apoiaram um lado e os que apoiaram o outro?

Como em todo setor do atendimento do cidadão: tem os prós e os contras. Por que seria diferente? Sempre se vê o artista como algo esquisito, desassossegado. Nós somos muito poucos no Brasil. Não sei por que tanta agressão em torno de tão poucos que nós somos.

Agressão em que sentido? O artista está sendo demonizado por causa dos incentivos públicos?
Todo mundo no Brasil está se demonizando. Então, vamos esperar passar isso. Estou com 90 anos, porque completei 89, estou a caminho dos 90, e sei que sempre tem ciclos. Um pra baixo, um pra cima, e desce, e sobe. Vai descendo e vai subindo, geralmente pensa-se que se está lá em cima e, de repente, desce-se novamente. Agora, o ser humano, o ser daquele país, o que ele tem de levar com ele é acordar e cantar. Ir pra luta, ir pra vida.

A senhora passou por vários momentos políticos da história do país. O que diria para quem está apreensivo com os próximos quatro anos?
É o primeiro governo do botão. Esse governo veio pela internet. Sou do tempo em que tinha que ter palanque na praça. O espaço do teatro era também um espaço político. Nos velhos tempos, era um bom lugar de encontro para o discurso da política. A grande novidade desse novo governo é que ele veio por um botão. Veio por um meio eletrônico.

A senhora está apreensiva?

Mas todos os dias, diante de qualquer governo, fico apreensiva. O ser humano, diante da vida, nunca deixa de estar apreensivo. Não vou separar isso só para a política. Temos uma demagogia eterna nos nossos governos de que quando está no poder, todo os problemas estão resolvidos. E sempre que o governo sai, aí vê-se que não estava tudo resolvido. Que tem coisas penduradas, coisas manipuladas. Na minha idade, esse eterno vaivém é uma coisa que não tem surpresa. Eu me pergunto: que governo não tem um lado maravilhoso e um lado horrendo?. Talvez seja minha cabeça, que lida constantemente com dramaturgia. Em dramaturgia, você chega e analisa o bandido, o herói, os coniventes, os não coniventes, os coadjuvantes, o coadjuvante que passa a ser mais importante do que o protagonista. Tenho uma deformação que é a minha profissão. Vejo tudo do ponto de vista da dramaturgia.


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