Para o projeto sair do papel e chegar à telona foram oito anos marcados por brigas, desistência do ator principal, demissão do diretor – Bryan Singer, acusado de abuso, o que ele nega –, entre outras polêmicas de bastidores. Depois das sessões reservadas à imprensa britânica, as primeiras críticas sinalizavam que Bohemian rhapsody, a cinebiografia do Queen produzida pelo guitarrista da banda Brian May, seria um fracasso. No site Metacritic, que calcula a média das avaliações da imprensa estrangeira, a nota é de apenas 49 em 100. No entanto, a magia musical de Freddie Mercury e seus companheiros funcionou junto ao público e o longa, em cartaz há menos de um mês, se tornou um dos maiores sucessos do ano até aqui, mostrando que os atributos positivos superaram os negativos.
Em seu segundo fim de semana de exibição em Belo Horizonte (confira salas e horários na página 4), o filme que traz Rami Malek como Freddie Mercury teve sessões lotadas. Nas bilheterias, a arrecadação mundial já é de US$ 285 milhões – a maior da história para uma biografia musical, superando em US$ 100 milhões Johnny and June (2005), sobre a lenda do country Johnny Cash, vencedor do Globo de Ouro de melhor comédia ou musical. Os números também são recordes para um filme com um protagonista LGBT, deixando para trás O jogo da imitação (2014) e Entrevista com o vampiro (1994). A representação da sexualidade de Freddie Mercury foi um dos pontos mais sensíveis nas avaliações da crítica, desde o lançamento do primeiro trailer, em que apenas seu relacionamento heterossexual com Mary Austin (Lucy Boynton) aparecia.
Algumas publicações acusavam o filme de eufemizar excessivamente as relações amorosas de Freddie com outros homens. Essa teria sido, inclusive, uma das razões apontadas por Sacha Baron Cohen para desistir do papel.
A atuação de Rami Malek parece ser a única unanimidade entre os críticos. Porém, mesmo os que apontaram inúmeros defeitos no filme e o classificaram como fraco ou inconvincente, recomendaram ao espectador que vá vê-lo, criando a categoria “filme ruim que vale a pena”. O Estado de Minas relacionou cinco razões para gostar e cinco para não gostar de Bohemian rhapsody. Confira a seguir.
Razões para detestar
Bryan Singer
Muito conhecido por dirigir a franquia X-Men no cinema, Bryan Singer é mais um da extensa lista de homens acusados de má conduta sexual em Hollywood. No caso dele, a denúncia é grave.
Cronologia deturpada
Para os fãs que esperam um retrato fiel da história do artista favorito, adaptações no roteiro factual podem ser bastante irritantes. Um dos momentos mais emocionantes do filme é o show no Rock In Rio, que, “na vida real”, ocorreu em 1985. No entanto, na história mostrada no cinema isso se passa em algum momento dos anos 1970, quando o Queen decolava rumo ao estrelato global e Freddie ainda estava se relacionando com Mary Austin. Vale lembrar que o show antológico no Rio de Janeiro, quando a multidão cantou Love of my life a capella, foi no mesmo ano da apresentação no Live Aid.
Representatividade questionada
Antes do lançamento, houve até quem publicasse que “o filme vai mostrar Freddie Mercury hétero”, como fez o Guia Gay São Paulo. A maneira como a sexualidade de Freddie foi retratada desagradou a muitos críticos. Sheila O’Malley, do site norte-americano Roger Ebert, descreveu a abordagem como “fóbica”, ao comentar a cena em que o protagonista diz para a namorada que desconfia ser bissexual, e ela retruca: “Não, Freddie, você é gay”.
“Chapa branca”
O guitarrista Brian May é um dos produtores de Bohemian rhapsody. Com o baterista Roger Taylor, ele ainda está na ativa com o projeto Queen and Adam Lambert – este último assume os vocais no lugar de Mercury. O novo formato foi iniciado em 2011, pouco depois do surgimento do projeto da cinebiografia. Na separação e reunião fora de época mostradas no roteiro, fica clara a ideia de que o Queen não era só Freddie Mercury e a dependência entre as partes era mútua. Por isso, no entendimento de alguns críticos, o filme força algumas narrativas para promover o que ainda existe da banda. A desistência de Sacha Baron Cohen ocorreu justamente por desentendimentos com Brian May, que acusou o ator de “não levar Freddie Mercury a sério”. Cohen, por sua vez declarou discordar de um roteiro que não aborda nem aspectos importantes da vida nem a morte de Freddie.
Clichês de biografias musicais
Bohemian rhapsody faturou mais que o filme sobre Johnny Cash, interpretado por Joaquim Phoenix, e que a cinebiografia de Ray Charles, estrelada por Jamie Foxx.
Razões para amar
O grand finale
A cena final reproduz na íntegra a apresentação do Queen no festival Live Aid, em 1985, no Estádio de Wembley, em Londres. Com semelhança impressionante no figurino e nos movimentos executados por Malek, ela é responsável por muita gente sair do cinema emocionada e com a sensação de ter viajado no tempo até aquele ano.
Atuação de Rami Malek
Mesmo quem detestou o longa está exaltando o trabalho de Malek na difícil interpretação de Freddie Mercury. O crítico Steve Rose, do jornal britânico The Guardian, deu apenas duas de cinco estrelas possíveis ao longa, descrito por ele como “a excelente performance de Rami Malek de lado, parece menos uma odisseia musical pioneira do que uma ótima banda de covers”.
Trilha sonora
Um filme sobre o Queen pode decepcionar em muitos detalhes, mas o sucesso da trilha sonora é quase certo. No caso de Bohemian rhapsody, as músicas mais importantes da discografia do grupo entram em bom ritmo, com destaque para o processo criativo que originou algumas delas. Com 22 faixas, sendo uma delas Doing all right, gravada pela banda Smile, que Brian May e o baterista Roger Taylor tinham antes de Freddie se juntar para formar o Queen, o álbum está disponível no Spotify e se apresenta como uma consistente coletânea do grupo.
Figurinos
À rede norte-americana AMC, Rami Malek disse que passou 50 horas provando figurinos para o filme. O resultado são caracterizações muito benfeitas, inspiradas em registros reais de Freddie Mercury. O responsável pelo trabalho foi Julian Day.
Protagonismo LGBT e mensagem de tolerância
Embora tenha sido motivo de polêmicas e críticas, Bohemian rhapsody não deixa de ser um filme cujo protagonista é um personagem assumidamente LGBT, o que é raro em Hollywood, e que traz uma mensagem final positiva de tolerância e aceitação das diferenças. Na narrativa, depois de uma série de conflitos com o pai, Freddie termina sendo acolhido pela família toda – a mãe se mostra invariavelmente – ao tornar público seu relacionamento com Jim Hutton.
A CRÍTICA AMOU ODIAR
“De tempos em tempos, aparece um filme para desafiar as exigências de gosto, sofisticação formal e até mesmo de honestidade artística e fazer sucesso simplesmente no nível do puro e inexplicável prazer. Bohemian rhpasody é esse unicórnio cinematográfico: o filme ruim que funciona, mesmo quando não deveria”
• Ann Hornaday,
The Washington Post
“É inexplicavelmente perverso que o filme mostre o diagnóstico de Mercury como HIV positivo como a motivação da banda para participar do Live Aid... um show que ocorreu dois anos antes de o cantor ser diagnosticado. É um insulto ver as lentes com as quais este filme tenta capturar o melodrama da música do Queen. E é humilhante ver as lentes com as quais ele fracassa”
• David Ehrlich,
IndieWire.