Jornal Estado de Minas

genética

Deficiência de fosfato no organismo

Ao pensar em corpo humano, é comum imaginarmos o esqueleto repleto de ossos. E eles não são apenas parte de uma estrutura. Eles são tecidos vivos essenciais para o indivíduo, uma vez que atuam na movimentação, sustentação e proteção dos órgãos vitais.



Justamente por isso, doenças que afetam os ossos, como é o caso do raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X (XLH), podem ter um impacto considerável na saúde e qualidade de vida do paciente.

E um termo simples tem muito a ver com a patologia: deficiência de fosfato. Nomenclatura simples, mas com funcionamento complexo e influência direta da genética ou, em outros termos, hereditariedade. “Nasci em Santos, em 1996, um ano depois descobrimos a doença”, relata Jennyfer Marques Parinos, de 25 anos, hoje atleta da Seleção Brasileira Paralímpica de tênis de mesa.

Mas, do que se trata a doença? De acordo com a endocrinologista pediátrica Renata Lago, o raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X é uma doença hereditária por meio do cromossomo X que causa aumento do hormônio fosfatúrico (FGF-23).



Desse modo, há uma perda anormal de fósforo pelos rins, gerando queda nos níveis sanguíneos de fósforo e impedindo a mineralização adequada dos ossos, provocando hipomineralização óssea.

Assim, o corpo sofre com consequências diretas na manutenção da integridade e função de sustentação do esqueleto. “O sintoma mais precoce é o arqueamento dos fêmures. Isso gera dores ósseas, dificuldade de deambulação, dor e baixa estatura incapacitante.

Podem acontecer fraturas, pseudofraturas e calcificações extraósseas que complicam o quadro clínico, com diminuição significativa da qualidade de vida. Há também uma chance aumentada de doenças dentárias, o que pode contribuir para a baixa qualidade de vida”, diz.





Jennyfer Marques Parinos lembra que o primeiro sinal da doença foi logo nos primeiros anos de vida, assim que aprendeu a andar. “Minhas pernas arquearam e no começo do tratamento com a reposição de cálcio e fósforo eu sentia desconfortos na barriga e o gosto era muito ruim. Como sempre fui tímida, sentia um pouco de vergonha na infância, mas nada que me limitava de me relacionar com os amigos. Até hoje tenho as pernas arqueadas”, afirma.

Porém, na época, antes de saber o que a afligia, a “peregrinação” de médico em médico durou certo tempo. “Quando comecei a tentar andar, com um ano e meio, minha mãe dizia que eu colocava a mão nos joelhos e sentia dor, e mancava.

Então, ela começou a me levar nos ortopedistas pra ver se descobriam o que eu tinha. No total, foram 19 ortopedistas e nenhum descobria. Até que um dia uma amiga da minha mãe a aconselhou a me levar na Santa Casa de São Paulo. Fomos no dia seguinte.”





Lá, descobriram que ela tinha raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X. Segundo Renata Lago, esse é um problema relacionado às próprias características da doença, o que é comum também em outras enfermidades ósseas metabólicas. “As hipofosfatemias podem ser confundidas com outras doenças. Quando o paciente apresenta só afastamento dos joelhos, também conhecido como geno varo, é preciso tomar cuidado com o diagnóstico”, alerta.


PASSO IMPORTANTE 

A especialista explica que a suspeita diagnóstica é feita pela detecção do arqueamento dos fêmures. Os primeiros exames são de dosagem de fósforo no sangue, que se apresenta com níveis baixos, e na urina – níveis altos –, juntamente com radiografias, nas quais são vistas alterações sugestivas. O diagnóstico precoce é fundamental para iniciar o tratamento mais cedo, o que pode evitar o arqueamento femural e demais consequências.

A partir da constatação da doença, o tratamento pode ser aplicado. “A terapia convencional é feita com reposição de fósforo por via oral e análogos da vitamina D para potencializar a absorção intestinal do fósforo administrado por via oral.



Atualmente, foi incorporado ao SUS também um tratamento mais eficaz, com uma substância que bloqueia a ação do hormônio fosfatúrico, o burosumabe. O tratamento deve ser multidisciplinar, com endocrinologista, fisioterapeuta, fisiatra, dentista, entre outros”, aponta a endocrinologista pediátrica.

O raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X tem prevalência aproximada entre um e nove casos para cada um milhão de pessoas.

(foto: LLYC/Divulgação)

VIDA ‘NORMAL’

Com o tratamento precoce, as limitações são poucas. É vida quase normal, a não ser pelos medicamentos e cuidados para com a terapia. “Até os meus 16 anos, fiz o tratamento convencional, tomava 15 comprimidos ao dia para repor o fósforo e o cálcio. Hoje, no entanto, faço o tratamento apenas com o Crysvita (burosumabe). E os resultados são ótimos, não sinto mais dores, não sinto tanta fadiga quanto antes e me sinto muito melhor”, afirma Jennyfer Parinos.

Além disso, ela destaca que, mesmo com a sua diferença, ela se aceita e se ama. A mãe tem papel importante nisso. “Minha mãe sempre pegou no meu pé para tomar os remédios, desde que comecei o tratamento, até o final. Também aos 11 anos fiz uma cirurgia pra tentar uma correção, mas foi sem sucesso. Tive que tomar também hormônio de crescimento por um tempo, o que me ajudou muito. E apesar de ter ainda as pernas arqueadas, me amo e me aceito do jeitinho que sou e tenho muito orgulho de tudo o que conquistei até aqui.”





Hoje, a jovem destaca que não sente limitação e/ou interferência de sua condição nas competições e nem mesmo no pós-treino. “Nunca me afetou no desempenho, pois compito com meninas com deficiências funcionais parecidas com a minha. Afetava apenas no pós-treino, quando sentia muitas dores, mas depois do Crysvita não sinto mais isso.”

Nesse cenário, Renata Lago destaca, mais uma vez, a importância do tratamento precoce, assim como Jennyfer teve acesso. E ressalta a necessidade do entendimento médico acerca do tema. “Por ser uma doença rara, é importante que os profissionais de saúde que estão nas unidades básicas sejam treinados para suspeitar precocemente e fazer o encaminhamento para centros de referência, a fim de proporcionar tratamento precoce e evitar sequelas.”

Quais as chances?

O raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X é uma doença progressiva, que pode trazer graves consequências para os pacientes e comprometer a qualidade de vida. E, assim como acontece com 80% das doenças raras, o XLH tem origem genética, sendo geralmente herdado. Nesse caso, devido à sua relação com o cromossomo X, quais as chances de um filho nascer com a doença? Tudo depende. Veja só:

» Se o pai for afetado pelo XLH, ele transmitirá a doença para todas as filhas, haja vista que ele só tem um cromossomo X, o qual é passado para as meninas. Por outro lado, nenhum dos filhos será acometido, já que os homens recebem o cromossomo Y, o qual não tem relação com a doença.

» A mãe afetada pelo XLH tem 50% de chance de ter um filho ou uma filha com a doença. Isso porque como ela tem dois cromossomos X, ela pode passar o cromossomo afetado, ao mesmo tempo em que pode, também, passar o cromossomo sem a doença.

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram







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