Jornal Estado de Minas

MEIO AMBIENTE

Calor extremo, como nos EUA e na Europa, serão cada vez mais comuns


O verão no Hemisfério Norte ainda não chegou à metade, e países como Estados Unidos, Canadá, Índia e China, além do continente europeu, em especial a Grécia, já sofreram quebra dos recordes de temperatura, acompanhadas de incêndios devastadores. As ondas de calor por trás do fenômeno se tornarão muito mais frequentes e são causadas pelo ritmo acelerado das mudanças climáticas, segundo um estudo publicado na revista Nature Communications.





As taxas atuais de aumento da temperatura são registradas a uma velocidade 10 vezes maior, comparadas aos eventos de aquecimento do planeta pré-industrialização. Provavelmente, o ritmo será mantido pelos próximos 20 anos, não importando a rapidez com que a humanidade reduza as emissões de carbono que impulsionam o aquecimento global, alerta o estudo, liderado por Erich Fischer.

O cientista climático do Instituto Tecnológico de Zurique (ETH) é um dos autores dos relatórios sobre clima elaborados por painéis de especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) e que servem como base para as discussões nas conferências sobre mudanças climáticas, as COPs.

Analisando os registros climáticos históricos, os pesquisadores do ETH observaram que as temperaturas começaram a subir a uma taxa mais elevada que nas décadas anteriores. “Foi a partir daí que começamos a ver um número repentino de ondas de calor, assim como quebras de recorde de temperatura a velocidades muito altas”, conta Fischer. “Como agora estamos em um período de aquecimento muito rápido, precisamos nos preparar para mais eventos de calor extremo que quebrem os recordes por grandes margens”, destaca.




Comparação mostra destruição na cidade de Greenville, na Califórnia, ocorrida no sábado 7/8 (foto: Fotos: JOSH EDELSON/AFP)

Segundo o cientista, até agora, a pesquisa sobre como o aquecimento global afetará as ondas de calor tem se concentrado principalmente no quanto as temperaturas aumentaram em comparação a algum período de referência, como o século 19, quando a industrialização deu um salto, e não na rapidez em que isso ocorre.

“É claro que a avaliação quantitativa é extremamente importante, e a ciência mostrou, sem dúvida, que um mundo mais quente produzirá mais e mais ondas de calor”, reconhece. “Mas não levar em conta a rapidez com que as temperaturas sobem impede capturar uma parte importante desse quadro”, avalia.

Intensidade sete vezes maior até 2050

De acordo com Fischer, em um cenário de altas emissões, eventos extremos devem ser sete vezes mais comuns até 2050, e até 21 vezes entre 2051 e 2080. Mesmo se o aquecimento global induzido pelo homem fosse estabilizado por uma mitigação agressiva, a frequência e a intensidade das ondas de calor continuariam maiores que as registradas até agora, embora a quebra de recordes de temperatura seria “notavelmente reduzida”, afirma o estudo.




Comparação mostra destruição na cidade de Greenville, na Califórnia, ocorrida no sábado 7/8 (foto: Fotos: JOSH EDELSON/AFP)

Uma preocupação dos cientistas climáticos é que os esforços para redução das emissões estão em um ritmo mais lento que o necessário para se cumprir as metas do Acordo de Paris. Assinado em 2015, o documento determina que o aumento da temperatura não deve ultrapassar 1,5°C e, se possível, 2°C, os níveis pré-industriais até o fim do século.

Porém, um rascunho do documento que vem sendo preparado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) para embasar as próximas COPs estima que o mundo chegará a 2100 3°C mais quente do que o registrado no início do século 18.

A importância do Acordo de Paris

Segundo Fischer, a redução das emissões de gases de efeito estufa, caso ocorra, terá impactos importantes mais à frente. “A probabilidade de extremos de calor que quebrem recordes depende do caminho das emissões que nos leva a um determinado nível de aquecimento”, diz. Se houver estabilização da temperatura em 1,5°C, como quer o Acordo de Paris, embora eventos como esse continuem como reflexo da velocidade em que vem ocorrendo o aquecimento, o cientista destaca que novos registros dramáticos se tornariam progressivamente menos frequentes.





“Esse é um daqueles artigos que não poderiam ser mais oportunos devido ao recente evento de calor extremo que quebrou recorde nos Estados Unidos e no Canadá. É quase como se os autores previssem o que estava por vir”, avalia Karsten Haustein, pesquisador do Centro de Serviços Climáticos da Alemanha.
Devastação provocada por incêndios na vila de Gouves, na Grécia (foto: ANGELOS TZORTZINIS/AFP)

“Considere, por exemplo, uma onda de calor extrema que ocorre apenas uma vez a cada século. Teria sido um episódio climático quente e perigoso em qualquer clima. Mas se isso ocorrer em um mundo que aqueceu de 2°C a 3°C durante os últimos 100 anos, isso levará repentinamente a uma onda de calor sem precedentes, que tem o potencial de quebrar recordes antigos em 5°C ou mais”, observa.

Rowan Sutton, pesquisador do Centro Nacional de Ciências Atmosféricas da Universidade de Reading, no Reino Unido, lembra que acontecimentos recentes, como as inundações na Europa, “destacaram os efeitos devastadores das condições meteorológicas extremas amplificadas pelas mudanças climáticas”. O novo estudo, diz ele, lança “um valioso holofote sobre o alto potencial para extremos de calor que quebram recordes”.



“Esse alto potencial é uma consequência da extraordinária taxa de mudança climática: embora possa não parecer rápido para nós, a Terra está se aquecendo a uma taxa sem precedentes na história da civilização humana”, alerta.

Usando o Sol para monitorar as geleiras

Com o mundo se aproximando de um aumento de temperatura de 3ºC em relação aos níveis pré-industriais, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), novas tecnologias que monitoram os efeitos do aquecimento global são cada vez mais necessárias. Agora, pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, desenvolveram uma alternativa mais barata, de baixo consumo de energia e de maior amplitude para acompanhar um dos mais graves problemas associados às alterações no clima: o derretimento de geleiras.
Antena captura sinais solares para medir a profundidade das camadas em que está fixada (foto: Sean Peters/Divulgação)

Em um estudo publicado na revista Geophysical Research Letters, glaciologistas e engenheiros elétricos demonstraram como sinais de rádio emitidos naturalmente pelo Sol podem ser transformados em um sistema de radar passivo para medir a profundidade das camadas de gelo. O método, testado com sucesso na Groenlândia, pode, segundo os cientistas, apresentar uma visão prolongada e em grande escala do derretimento dos mantos de gelo e das geleiras, que está entre as causas dominantes do aumento do nível do mar, ameaçando comunidades costeiras em todo o mundo.





Hoje, o principal meio de coleta de informações sobre a superfície polar, o radar de no gelo aerotransportado, envolve o voo de aviões contendo um sistema de alta potência que transmite o próprio sinal de radar através do manto gelado. Além de consumir muitos recursos, a tecnologia tem uma importante limitação: ela só fornece informações sobre as condições da geleira no momento do voo.

Por outro lado, a tecnologia dos pesquisadores de Stanford usa um receptor alimentado por bateria, com uma antena fixada no gelo, para detectar as ondas de rádio solares à medida que elas viajam para a Terra. Isso ocorre através do manto de gelo e para a subsuperfície.

“Em outras palavras, em vez de transmitir o próprio sinal, o sistema usa ondas de rádio naturais que já estão vindo do Sol, um transmissor de energia nuclear no céu”, explica Sean Peter, pesquisador do Laboratório Lincoln, do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT). “Se esse tipo de sistema fosse totalmente miniaturizado e implantado em extensas redes de sensores, ele ofereceria uma visão sem precedentes da evolução subterrânea das condições polares em rápida mudança da Terra.”



Energia aleatória

Peter, que começou essa pesquisa ainda como aluno de graduação da Universidade de Stanford, explica que o Sol é uma fonte gigante de energia eletromagnética caótica e aleatória, emitida por enormes bolas de gás que chegam à Terra em um amplo espectro de frequências de rádio. Nessa aleatoriedade, afirma, estão os ingredientes da ferramenta desenvolvida pelos cientistas para monitorar não só o gelo, mas as mudanças polares na Terra e em todo o Sistema Solar.

Os pesquisadores usaram o caos das ondas emitidas em frequências aleatórias a seu favor: eles gravaram um fragmento da radioatividade do Sol, que é, como explicam, como uma canção interminável que nunca se repete, e, então, ouviram aquela assinatura única no eco criado quando as ondas de rádio solar ricocheteavam no fundo de uma camada de gelo. Medir o atraso entre a gravação original e o eco permite calcular a distância entre o receptor da superfície e a base da placa de gelo e, portanto, sua espessura.

No teste realizado na geleira Store, no oeste da Groenlândia, os pesquisadores calcularam um tempo de retardo de eco de cerca de 11 microssegundos, que aponta para uma espessura de gelo de cerca de 900m – número que corresponde às medições do mesmo local registradas tanto no solo quanto no radar aéreo.



“Uma coisa é fazer um monte de cálculos de matemática e física e se convencer de que algo deve ser possível. Outra é realmente ver um eco real do fundo de uma camada de gelo usando o Sol”, diz Dustin Schroeder, professor-assistente de geofísica na Escola de Ciências da Terra, Energia e Ambientais de Stanford.

Outras implicações climáticas

A ideia de usar ondas de rádio passivas para coletar medições geofísicas da espessura do gelo foi inicialmente proposta pelo coautor do estudo Andrew Romero-Wolf, pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), como forma de investigar as luas geladas de Júpiter.

A certa altura, Romero-Wolf percebeu que, em vez de uma fraqueza, as emissões erráticas de rádio do planeta poderiam, na verdade, ser uma força se pudessem ser transformadas em uma fonte para sondar a subsuperfície das luas. “Começamos a discutir isso no contexto da lua de Júpiter, Europa, mas, então, percebemos que deveria funcionar também para observar as camadas de gelo da Terra se substituíssemos Júpiter pelo Sol”, disse Schroeder, em nota.





A partir daí, a equipe de pesquisa assumiu a tarefa de isolar as emissões de rádio do Sol para verificar se elas poderiam ser usadas para medir a espessura do gelo. O método consistia em trazer um subconjunto da banda de frequência de rádio de 200 a 400 megahertz acima do ruído de outros corpos celestes, processando grandes quantidades de dados e eliminando fontes de eletromagnetismo, como estações de TV, rádio FM e equipamentos eletrônicos.

Embora o sistema só funcione quando o Sol está acima do horizonte, a prova de conceito testada abre a possibilidade de adaptação a outras fontes de rádio naturais e feitas pelo homem no futuro. Os coautores pretendem, ainda, aplicar essa técnica a missões espaciais, aproveitando a energia ambiente emitida por outras fontes astronômicas, como o gigante gasoso Júpiter. “Ampliar as fronteiras da tecnologia de detecção para a pesquisa planetária nos permitiu expandir as fronteiras da tecnologia de detecção para mudanças climáticas”, diz Schroeder. 

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