Jornal Estado de Minas

CIÊNCIA

Como pensam os brasileiros na lista de cientistas mais influentes do mundo


Depois de analisar os trabalhos e publicações de 6,9 milhões de cientistas de todo o mundo, de todas as áreas do conhecimento, e as citações de colegas deles que elas geraram, uma equipe da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, listou os 159.683 pesquisadores mais influentes do mundo, cerca de 2,3% do total. Desses, 600 (0,37%) são do Brasil.





Para alguns cientistas, isso é pouco diante do tamanho do país e de sua população. Para outros, é até muito, dadas as condições: falta de financiamento e do desprestígio da ciência por parte do governo e seus seguidores, principalmente nos últimos anos.

Para elaborar o ranking, a equipe de Stanford, liderada por John Ioannidis, computou as citações (quando um artigo de um cientista é citado no de outro) da base de dados Scopus, uma das mais completas e respeitadas do mundo. O resultado foi publicado recentemente na revista científica Plos Biology. Com base nelas, foram elaborados dois rankings, um levando em conta o impacto de um pesquisador ao longo de toda sua carreira e outro de um único ano, no caso, 2019.

Na primeira lista, os pesquisadores mais bem colocados que trabalham no Brasil nasceram em outros países, embora um deles seja brasileiro naturalizado. O primeiro colocado é o físico de solos e mestre em agronomia holandês Martinus Theodorus van Genuchten, na 460ª posição. Atualmente, ele está na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas fez praticamente toda sua carreira no exterior.





Em segundo, na 1661ª, está o grego de nascimento, mas brasileiro naturalizado, Constantino Tsallis, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Ele desenvolveu sua carreira e atua no Brasil desde 1975, um ano depois de ter concluído seu doutorado na França.

Os dois brasileiros natos e que atuam no país mais bem colocados, são o epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no 2969º lugar, e o químico Jairton Dupont, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na 3201ª posição.

Para Dupont, ter 600 brasileiros na lista é muito pouco levando-se em consideração o PIB do país e o grande número de jovens altamente motivados. De acordo com ele, isso se deve, em primeiro lugar, à pouca importância dada à ciência pela maioria dos governantes, que a enxergam como gasto e não como investimento no futuro.





Em segundo lugar, diz ele, vem a mentalidade empreendedora, que busca lucro imediato e prefere "comprar" tecnologias prontas, o que afasta o Brasil da ponta do conhecimento.

"Em terceiro lugar, está a 'cultura' do negacionismo, que tem sua expressão máxima no pensamento mágico que permeia boa parte de nossa sociedade", opina. "Estaremos nos tornando uma sociedade de 'bigots' (intolerantes), se não houver uma reação das forças civilizatórias, que encontram sua expressão máxima nas universidades públicas."

Mesmo assim, Dupont diz que o número de cientistas brasileiros no ranking pode não ser de todo ruim.

"Tendo em vista as condições de trabalho dos pesquisadores no Brasil, podemos até comemorar", explica. "Principalmente pela persistência dos 600 listados, que mesmo diante das imensas dificuldades conseguem realizar trabalhos que colocam o país no mapa do conhecimento e mostram que temos capacidade de fazer ainda muito mais diferença, para levar a uma sociedade mais justa e igualitária."


Brasileiro naturalizado, o físico Constantino Tsallis, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também está na lista dos cientistas mais influentes do mundo (foto: Arquivo Pessoal)

Victora pensa diferente. "É mais para lamentar do que para comemorar, porque o Brasil é um dos maiores países do mundo em termo de população", explica. "Isso é reflexo do que acontece com a ciência brasileira. Nós cientistas somos desprestigiados e estamos recebendo poucos recursos. Até 2014, 2015 o investimento em ciência no Brasil estava aumentando bastante. Cresceu muito nos 20 anos anteriores, mas a partir de então, decaiu."





Um reflexo do desprestígio da ciência, opina, "é a maneira como a pandemia tem sido gerida pelo poder central (em referência ao governo federal), sem levar em conta as recomendações científicas. Aplicar em ciência é investimento, não gasto. Investe-se para criar mais tecnologia, mais condições de saúde e trabalho para a população. Hoje, isso é visto como um gasto e tem havido inúmeros cortes em financiamentos e bolsas."

Tsallis diz que para avaliar se 600 brasileiros são poucos ou muitos relativamente seria necessário ter informações dos outros países envolvidos, assim como dados completos sobre as verbas públicas e privadas colocadas à disposição da ciência e da tecnologia. "Na ausência dessas informações, é difícil ter uma opinião firme", explica.

"Eu pessoalmente vejo com alegria que o Brasil tenha 600 cientistas bem colocados nesse tipo de avaliação, e não ficaria surpreso se num futuro não muito distante esse número venha a crescer, lenta, porém substancialmente."





Mas independentemente disso, ele explica que a importância do levantamento feito pela equipe da Universidade de Stanford é que ele permite verificar objetivamente o impacto global da ciência brasileira ao longo de muitas décadas. "Visto que o apoio, ao longo dos anos, de instituições públicas do Brasil aos seus cientistas é de fundamental importância, tais levantamentos podem — e devem — orientar as melhores maneiras de usar as verbas públicas", defende.

Segundo Victora, a lista é muito útil, porque o impacto de um cientista sobre o conhecimento em nível mundial é medido pelo número de outros pesquisadores que citam o seu trabalho. "Então, usar o índice de citações de trabalho é um marcador muito importante de quanto a ciência produzida num determinado local, por uma determinada pessoa, impacta o nível do conhecimento no mundo todo", explica.

Ele atribui sua presença no ranking ao trabalho do grupo de epidemiologia que coordena na UFPel, que "é bem conhecido no Brasil" e no mundo. "Principalmente pelos estudos de coortes de nascimentos, que são aquelas pesquisas que acompanham crianças desde que nascem até sua fase adulta", explica. "Nossa coorte mais antiga está com 40 anos."





De acordo com ele, são pesquisas muito demoradas, custosas, mas que fornecem indicações sobre como o que acontece durante a gestação e no começo da vida influencia toda a saúde, inteligência, desempenho e produtividade dos indivíduos na idade adulta. "São pouquíssimos estudos deste tipo no mundo e nós temos a felicidade de ter iniciado o trabalho em 1982, que continua até hoje, por isso o reconhecimento", conta.

Tsallis, por sua vez, credita sua classificação a seu trabalho propondo a generalização de um dos pilares da física teórica contemporânea, a mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs, que resultou no artigo científico exclusivamente brasileiro mais citado em todas as áreas desde 1945. Trata-se algo bastante complexo para leigos, que Tsallis tenta explicar:

"A mecânica estatística é a teoria física onde se acrescenta a de probabilidades às mecânicas (newtoniana, einsteiniana, quântica) e ao eletromagnetismo, de James Clerk Maxwell", diz.

Ela foi formulada há 150 anos e funciona para explicar as propriedades de fluidos simples (ar, água) e sistemas magnéticos simples (um pedaço de ferro magnetizado). "Ela prediz corretamente como funciona uma panela de pressão, uma geladeira, um transistor, os supercondutores, e mil coisas mais", diz Tsallis. "Os elementos de tais sistemas influenciam os outros do mesmo sistema que estão perto no espaço ou no tempo."





O problema é que a mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs falha seriamente em explicar muitos fenômenos em sistemas vivos, nas bolsas de valores, em astrofísica (devido à interação gravitacional), nas colisões de altas energias que acontecem nos aceleradores de partículas (por causa do que acontece no sistema quarks-gluons), em descrever turbulências em meios granulosos (farinha, por exemplo), em ecologia quantitativa, e na evolução de aglomerações urbanas e das línguas, por exemplo.

"Nesses casos, ela falha, porque nestes sistemas complexos aparecem internamente correlações a grandes distâncias no espaço ou no tempo", explica Tsallis.

Ele conta que esse artigo seu, que é exclusivamente brasileiro, gerou aproximadamente 15 mil outros diretamente relacionados, publicados por mais de 8.000 cientistas de 102 países do mundo. "É possível também que tenha sido levado em conta o fato de eu ter ministrado mais de mil palestras convidadas ao redor do mundo", acredita.

Também deve ter pesado para sua posição na lista o fato de ter dedicado boa parte da vida a explorar as grandes questões no âmbito do conhecimento científico da humanidade e de suas possíveis aplicações. "Ser considerado como o mais influente cientista brasileiro é certamente, além de uma honra, um grande estímulo para mim e para outros, muito especialmente para os jovens", diz. "Este último ponto possui, na minha opinião, importância capital, pois os jovens têm que ser encorajados e testar sua ousadia nas questões cientificas e tecnológicas que os entusiasmam."





Dificuldade

O sucesso e o reconhecimento internacional de alguns pesquisadores não devem mascarar as dificuldades de se fazer ciência no país, afirmam os pesquisadores entrevistados. "Hoje está muito difícil, talvez no mesmo nível dos anos 1990", lamenta Dupont, opinando que "os anos de ouro foram nos governos Lula, que investiu em pesquisa e nas universidades e proporcionou ambiente adequado para a realização de projetos de risco".

Se não fosse este investimento, diz ele, a ciência brasileira estaria em situação muito mais delicada no enfrentamento a pandemia de covid-19, por exemplo. "É um trabalho incansável para superar a época das trevas que estamos atravessando, principalmente com a ingerência religiosa fundamentalista em todos os níveis", diz. "Temos muito a superar: racismo, misoginia, homofobia e negacionismo."

Para Tsallis, fazer pesquisa no Brasil, é "fascinante e desafiador, porém muito laborioso".

"Fascinante, pois o fato de o Brasil ser um país jovem do ponto de vista histórico abre espaço para atividades inovadoras, criativas e livres de tradições institucionais que podem ser por vezes muito pesadas", explica. "Muito laborioso, porque aquilo que você obtém facilmente quando trabalha no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nas universidades Princeton, Harvard, Oxford, Cambridge ou na Escola Normal Superior de Paris só se consegue, trabalhando no Brasil, com consideráveis esforços de todo tipo", diz ele.

"É inevitável ponderar que negacionismos inconsistentes sobre os ativos da ciência brasileira e mundial, duramente conquistados ao longo de décadas e séculos, prejudicam a saúde da população e atrasam sua evolução educacional. Felizmente, entretanto, a robustez da ciência brasileira é mais forte do que isso."


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