Jornal Estado de Minas

Pesquisa norte-americana aponta que casca de café pode aliviar a obesidade




No processo de industrialização do café, os grãos são processados e torrados, com as cascas sendo removidas e jogadas no lixo. Pesquisadores descobriram que o extrato desse material descartado pode ser a fonte para o combate de dois problemas de saúde desencadeados pela obesidade: a inflamação e a resistência à insulina. A equipe chegou a essa conclusão ao realizar experimentos com camundongos. Há, segundo os cientistas, a possibilidade de o fenômeno ocorrer também em humanos.

“No meu laboratório, estudamos compostos bioativos de diferentes alimentos e observamos os benefícios para a prevenção de doenças crônicas”, afirma, em comunicado, Elvira Gonzalez de Mejia, professora de ciência de alimentos na Faculdade de Ciências Agrárias, do Consumidor e do Meio Ambiente da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo, divulgado na revista especializada Food and Chemical Toxicology.

Na pesquisa, Mejia e colegas focaram em dois tipos de células – macrófagos (células de resposta imune) e adipócitos (células adiposas) – e no efeito de compostos retirados do café sobre essas moléculas. Quando a inflamação relacionada à obesidade está presente, essas duas células trabalham juntas para aumentar o estresse oxidativo e interferir na captação de glicose, agravando a situação.

Para bloquear esse ciclo e prevenir doenças crônicas, os cientistas estabeleceram o objetivo de eliminar ou reduzir ao máximo as inflamações. Dessa forma, apostaram, seria possível facilitar a captação de glicose e ter células saudáveis produzindo insulina em quantidade adequada.

Ratos foram usados para testar a abordagem. Os animais receberam cinco extratos retirados da casca de grãos de café. Dois compostos fenólicos (antioxidantes) usados – o ácido protocatechuic e o ácido gálico – reduziram a inflamação induzida por gordura em células e melhoraram a absorção de glicose e a sensibilidade à insulina.
“Observamos que esses fenólicos foram capazes de bloquear o acúmulo de gordura em adipócitos, principalmente estimulando a lipólise (a quebra de gorduras)”, frisa Miguel Rebollo-Hernanz, um dos autores do estudo e também pesquisador da Universidade de Illinois.

Segundo os  pesquisadores, o tecido adiposo tem  poucas mitocôndrias e perde a capacidade de queimar lipídios, facilitando a ocorrência de inflamação e estresse oxidativo. Os dois fenólicos testados nas cobaias aumentaram o conteúdo de mitocôndrias nas células adiposas. “Os compostos foram capazes de inibir a inflamação no macrófago por meio desse mecanismo. Isso significa que podemos inibir muitos marcadores que produzem inflamação nos adipócitos”, frisa Elvira Gonzalez de Mejia. “Agora, sabemos que, com esses fenólicos, podemos reduzir a inflamação e, dessa forma, impedir o desenvolvimento de compostos que afetarão negativamente todo o corpo”.

MAIS INVESTIGAÇÃO 

Gabriela Resende, endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, acredita que a pesquisa mostra resultados animadores, mas são necessárias análises mais aprofundadas. “Esse estudo avaliou um modelo de inflamação gerado pela obesidade, que pode gerar uma série de cascatas moleculares envolvidas também na insulina. Por meio do teste desses extratos, eles encontraram maneiras de diminuir essa inflamação, algo muito positivo, mas temos que frisar que esse é um estudo ainda muito inicial, o mesmo ainda não foi visto em humanos.
Então, ainda não podemos usá-lo para fins terapêuticos”, justifica.

A especialista também destaca que pesquisas feitas com substâncias semelhantes têm gerado os mesmos efeitos. “Já temos investigações feitas com o coco e o resveratrol, substância presente na uva, mas que também ainda estão em níveis experimentais”, ilustra. “Acredito que esses trabalhos podem evoluir e, quem sabe, teremos medicamentos desenvolvidos com base nelas. A obesidade é um problema multifatorial e, por isso, muito difícil de ser compreendida. Ter mais dados e armas para prevenir e lidar com ela é algo muito necessário”.

MENOS DESCARTE 

Além do combate a doenças,  melhor manejo da casca do café pode ser extremamente benéfico ao meio ambiente. “Esse é um enorme problema ambiental, porque quando separam essa casca após o processamento, ela geralmente permanece no campo fermentando. Isso faz com que cresça mofo e outra série de problemas”, explica Elvira Gonzalez de Mejia. A estimativa da equipe é de que, no mundo, 1,16 milhão de toneladas de casca de café são descartadas anualmente, o que gera um grande risco de contaminação.

Para a cientista, os dados obtidos no estudo podem mudar a forma como os produtores enxergam esse descarte.
“Quando entenderem que esse material é um produto potencial, poderão mudar a forma como lidam com ele. Mas é claro que isso exigirá uma boa colaboração entre instituições acadêmicas, indústria e setor público”, frisa.


"Observamos que esses fenólicos foram capazes de bloquear o acúmulo de gordura em adipócitos, principalmente estimulando a lipólise"

Miguel Rebollo-Hernanz
pesquisador da Universidade de Illinois


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