Jornal Estado de Minas

Mergulhadores amedrontam peixes

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


A presença humana no fundo dos mares pode influenciar o comportamento de peixes, segundo pesquisa brasileira. Cientistas descobriram que os animais marinhos, principalmente os de maior porte, sentem um grande temor de mergulhadores. Os dados do trabalho foram publicados na revista especializada Fish and Fisheries e podem ajudar em estratégias de preservação dos bichos – por exemplo, a delimitação de espaços que ajudem a reduzir danos causados pelo contato.

Os pesquisadores destacam, no artigo, que o mergulho recreacional surgiu há menos de 80 anos e já impacta os peixes, principal foco de interesse dos humanos. “A questão do medo, que faz o animal fugir dos mergulhadores, como répteis, mamíferos, já é conhecida, mas esse tipo de análise ainda não havia sido feita com os peixes, e acreditávamos que seria interessante estudar esse fator por meio do mergulho”, conta Eduardo Bessa, professor da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB) e um dos autores do estudo.

Para um animal silvestre, fugir de um predador pode ser a diferença entre a vida e a morte, mas se as fugas forem constantes, ele perderá um tempo que poderia ser melhor aproveitado fazendo, por exemplo, outras atividades essenciais para a sobrevivência, como se alimentar ou procurar um parceiro para reprodução. Assim, fugir demais de predadores – e os mergulhadores são tratados como um – pode se tornar um problema.

Eduardo Bessa explica que um indicador de quão arredio é um animal é a distância inicial de fuga, que significa o espaço máximo que um predador deve se aproximar da presa para que ela comece a fugir. Essa medida é bastante utilizada com predadores naturais, mas medi-la considerando um mergulhador é algo mais recente em pesquisas. “Reunimos uma série de trabalhos com diversas espécies e em várias áreas relacionados ao turismo, incluindo regiões em que a pesca é permitida. Isso é importante para termos uma análise mais detalhada”, ressalta Bessa.

O pesquisador ressalta a importância para esse tipo de estudo, que revisa trabalhos anteriores.
“Às vezes, estudos sobre um mesmo tema chegam a resultados conflitantes. É como aquela história de o ovo fazer bem ou mal à saúde. Com o acúmulo de evidências, a posição da ciência muda. A meta-análise analisa os resultados de outros estudos e nos permite tirar conclusões num panorama mais geral, portanto, com muito mais confiança.”

TAMANHO INFLUENCIA A equipe considerou seis fatores como possíveis candidatos a influenciar a distância com que um peixe foge de um mergulhador: tamanho do animal, se ele vive em cardume, expectativa de vida, hábitat, seu nível na cadeia alimentar e se o encontro com o humano ocorre em uma área de conservação de peixes ou fora dela. Entre todos esses fatores, apenas um se mostrou como forte influenciador da fuga dos animais. “Esse foi um dos dados mais bacanas vistos por nós. Constatamos que  quanto maior é o peixe, maior é a distância de fuga”, diz Bessa.

Segundo o pesquisador, o resultado é interessante quando se analisa que peixes e humanos se desenvolvem de forma bastante distinta.
“Se considerarmos que os animais não têm crescimento limitado como nós, humanos, isso quer dizer que um peixe maior viveu por mais tempo. Isso mostra que eles estão mais experientes e espertos”, explica.

O resultado também ajuda a enfraquecer uma suspeita antiga de que a reação à presença de um predador poderia mudar caso o peixe estivesse “acompanhado”. “Acreditávamos que as aglomerações dos peixes poderiam interferir na resposta dos animais durante a fuga. Pensávamos que ela ocorreria mais cedo, mas não vimos distinções consideráveis quando comparamos esse tempo com o dos peixes solitários”, relata o pesquisador da UnB.

PREVENÇÃO De acordo com os autores, o estudo traz dados importantes, que poderão ser usados em medidas de conservação dos animais. Para os investigadores, limitar o número de mergulhadores, definir áreas marinhas protegidas da ação de caçadores submarinos e até livres de mergulhadores podem ser a única forma de proteger algumas espécies de peixes. “Temos que entender que quanto maior o número de mergulhadores, mais eles aparecem como uma ameaça para os animais. Isso realmente influencia a reação desses bichos”, frisa Bessa.

O cientista também ressalta que os dados poderão ajudar a definir quais áreas devem ser reservadas ao ecoturismo. “É uma atividade importante, mas precisamos ter em mente que é preciso ter um bom uso dessas áreas públicas, como é o Parque Nacional de Brasília, com estações biológicas para que os animais tenham o espaço deles e se sintam seguros”, ilustra.
.