Eles surgiram como alternativa menos nociva ao cigarro comum e, desde que apareceram no mercado internacional, em 2005, levantam debates entre usuários, especialistas, indústria e formuladores de políticas públicas sobre os riscos à saúde e o potencial de reduzir danos aos tabagistas. Uma busca rápida no PubMed, maior banco de dados de artigos científicos, revela a existência de 2.254 trabalhos a respeito de cigarro eletrônico — somente no ano passado, foram 604 publicações. À medida que aumenta a adesão a esse produto, uma das maiores preocupações é o uso que os adolescentes podem fazer dele.
Por causa dessa e de outras dúvidas sobre o cigarro eletrônico, em 2016, o governo norte-americano encomendou uma análise de tudo que já foi publicado a respeito à Academia Nacional de Ciência, Engenharia e Medicina. O resultado, divulgado na terça-feira (23), conclui: as evidências de que o produto ajude adultos tabagistas a parar de fumar são limitadas, ao mesmo tempo em que há provas “substanciais” de que ele funciona como uma isca para os jovens, induzindo o caminho contrário. Eles começam com os vaporizadores e passam para o cigarro comum. O relatório foi produzido por um painel de cientistas que avaliaram mais de 800 estudos revisados pelos pares (que passaram pelo crivo dos colegas).
Para a psiquiatra Helena Moura, especialista em dependência química, a publicação vem em um momento oportuno, quando o cigarro eletrônico se torna a menina dos olhos da indústria do tabaco. No início do mês, por exemplo, a Philip Morris anunciou que pretende parar de vender cigarro na Inglaterra. Não vai, porém, deixar de investir nesse mercado, mas substituir o produto gradativamente pela versão eletrônica.
“A indústria parece ter deixado os adultos de lado e, agora, está focando mais os jovens.
No relatório divulgado, os especialistas destacam que 33,8% dos estudantes de ensino médio já usaram esse tipo de cigarro nos Estados Unidos. A incidência no 10º ano do ensino fundamental (correspondente ao 9º brasileiro) é de 29%. Os estudos avaliados pelos cientistas mostraram que a probabilidade de os jovens que já usaram o cigarro eletrônico evoluírem para o tabagismo convencional é de 23,2% (com resultados variando de 40,4% a 8,8%, dependendo da pesquisa). Já o risco de começar a fumar entre os que jamais utilizaram esse dispositivo é de 7,2% (variação de 3% a 10,6%)
No Brasil, o cigarro eletrônico não pode ser comercializado, pois a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a venda e a importação de dispositivos eletrônicos para fumar.
Questão complexa
Em nota, David Eaton, presidente da comissão que elaborou o relatório norte-americano, afirmou que a discussão sobre os cigarros eletrônicos não é simples. “Os e-cigarros não podem ser simplesmente categorizados como benéficos ou perigosos. Em algumas circunstâncias, como quando usados por adolescentes e jovens adultos, seus efeitos adversos claramente levantam preocupação. Em outros casos, como os de adultos fumantes que os usam para parar de fumar, eles oferecem uma oportunidade de reduzir as doenças relacionadas ao tabagismo.”
A declaração de Eaton, porém, não significa que o painel de especialistas dá aval ao cigarro eletrônico. Reduzir danos significa que “dos males, o menor”.
A psiquiatra Helena Moura afirma que, no caso de quem, de fato, quer parar de usar qualquer produto com tabaco, não há por que recorrer ao cigarro eletrônico. “Existem produtos, como adesivos e medicamentos, que são comprovadamente seguros para esse fim. Para que usar o cigarro eletrônico como tratamento? Além disso, há muitas evidências de que ele pode causar recaídas: o ex-fumante que usa cigarro eletrônico corre o risco de voltar a fumar”, observa.
"Os mais novos não vivenciaram o boom da campanha antitabagista e se tornaram alvo dos fabricantes. Esses cigarros eletrônicos têm vários sabores diferentes, e isso é uma estratégia para iniciar os jovens”
. Helena Moura, especialista em dependência química e preceptora da residência de psiquiatria do Hospital de Base
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