Jornal Estado de Minas

CANNABIS MEDICINAL

Uso de Cannabis Medicinal no Brasil mais que dobrou em 2021

Dados da Anvisa, compilados pela Associação Brasileira da Industria de Canabioides (BRCANN), apontou uma alta de 110% nas vendas de produtos à base de cannabis medicinal de importação. Foram concedidas 40.191 novas autorizações para importação destes produtos no ano passado contra 19.150 em 2020, o que representa um crescimento de 21.041 mil em números absolutos.





 

Entre os fatores que contribuem para o avanço das importações, segundo a entidade, estão os investimentos das empresas do setor em educação médica continuada e as autorizações sanitárias que permitiram a chegada de novos produtos nas farmácias, o que aumenta a confiança de médicos e pacientes. "A chegada de produtos de cannabis nas farmácias tradicionais tem despertado maior interesse sobre os tratamentos e impulsionado as prescrições", pontua Tarso Araujo, diretor-executivo da BRCANN.

 

Além disso, tratamentos à base de cannabis medicinal para problemas como dor crônica, epilepsia, esclerose múltipla, autismo, transtornos de ansiedade e sintomas associados ao câncer já tiveram eficácia comprovada em diversos estudos científicos. Com isso, vem crescendo a cada ano o número de pessoas que buscam por medicamentos deste perfil.

 

Leia também: Cannabis Medicinal é eficaz no tratamento da insônia

 

Outro aspecto relevante para se compreender este crescimento é a evolução regulatória trazida pela RDC335/2020 que tornou mais digital e menos burocrático o processo de importação para médicos e pacientes, dispensando a exigência de renovação. "Atualmente as renovações devem ocorrer a cada dois anos", explica.





 

No Brasil, a Anvisa já liberou 15 produtos medicinais derivados de cannabis e que podem ser encontrados em farmácias de todo o país. Ao todo, entre 2015 e 2021, foram concedidas 75.203 autorizações. Apesar do forte ritmo de crescimento, em especial nos últimos 3 anos em que estes números vêm dobrando de tamanho, o acesso ao tratamento ainda é concentrado em alguns Estados quando olhamos para os números absolutos.

 

Segundo dados da Kaya Mind - empresa de inteligência de mercado para o setor, considerando todas as prescrições feitas desde fevereiro de 2019, Minas Gerais é o terceiro estado com o maior número de prescrições - 7%. Em primeiro lugar, aparece São Paulo (41% do número total), seguido por Rio de Janeiro (19%). Quando se considera os dez estados com mais autorizações, o total de pacientes com autorização chega a 90% do total.

 

Leia também: Com alta de casos, pílula antiCOVID é cada vez mais receitada nos EUA

 

As regiões Norte e Nordeste abrigam os Estados com menor concentração de pacientes, com número de autorizações por 100 mil habitantes bem abaixo da média nacional de 35. Alagoas é dono da menor média do país, com 5,1 pacientes por 100 mil habitantes, seguindo por Maranhão (7,3), Ceará (7,4), Pará (7,7) e Acre (7,8). "São territórios onde a informação sobre o potencial terapêutico dos canabinoides ainda é pouco difundida entre médicos. Isso revela o quanto o setor tem potencial para crescer regionalmente, também", diz Araujo.





 

Estados com maior número de autorizações para importação de produtos de cannabis por 100 mil habitantes.

 

Relação Estados e suas importações de cannabis medicinal (foto: Vital/Divulgação )
 

 

Estados com menor número de autorizações para importação de produtos de cannabis por 100 mil habitantes. 

 

Relação Estados e suas importações de cannabis medicinal (foto: Vital/Divulgação)

 

Médicos X Cannabis Medicinal 

 

Esses remédios só podem ser vendidos mediante prescrição médica e é aí que a questão esbarra em um entrave: ainda são pouquíssimos os médicos prescritores dessa terapêutica. De acordo com a Anvisa, o país possui 2.100 profissionais aptos a fazerem essa prescrição. O número, no entanto, equivale a menos de 0,5% da quantidade total de médicos no Brasil.

 

"A classe médica necessita se aprofundar mais no potencial da cannabis medicinal, porque, sem conhecimento, não há segurança para prescrever. Por diversas vezes, estive diante de pacientes refratários ao nosso arsenal terapêutico habitual e, cada vez mais, eles e seus familiares me questionavam sobre a possibilidade do tratamento com cannabis e o fato de eu não dominar o assunto me inquietava", conta a neurocirurgiã Patrícia Montagner, que fundou a WeCann Academy, única instituição da América Latina que realiza cursos voltados à Medicina Endocanabinoide, exclusivamente para médicos.





 

Leia também: Cannabis pode impedir que humanos tenham Covid, diz estudo

 

De acordo com a Kaya Mind, considerando as informações disponíveis até 2019, os especialistas em tratamento com cannabis são distribuídos por áreas de atuação. As prescrições realizadas por médicos da Neurologia somaram 1.814, já que diversas condições médicas neurológicas são tratadas por meio dos fitocanabinoides da cannabis e envolvem estudos mais conhecidos em relação à planta, como a esclerose múltipla, a dor neuropática, o mal de Parkinson e a demência de Alzheimer.

 

Na sequência, no mesmo ano, apareceram 941 receitas da Psiquiatria, área que envolve tratamentos voltados à depressão, ansiedade, insônia, entre outros. Prescrições para pacientes de Neuropediatria apareceram em terceiro lugar (367), sendo mais comuns para os casos de epilepsia infantil.

 

A desinformação e o estigma 

 

A fundadora da WeCann lembra que a temática da cannabis medicinal é pouco ou nada abordada nas etapas de formação médica. "Não há acesso a esse conhecimento na Faculdade de Medicina, nem na residência médica e, ainda, são poucas as opções de livros e cursos qualificados que ensinam o passo a passo dessa terapêutica e como prescrever na prática, com segurança e bons resultados", fala.





 

"É nossa responsabilidade nos apropriarmos desse conhecimento e oferecer aos pacientes um tratamento com produtos à base de cannabis seguro, eficaz e assertivo", completa a especialista, que tem em seu rol de atendimento mais de mil pacientes tratados com medicamentos à base da planta.

 

Outro ponto que trava o avanço da questão nesses Estados é o estigma que se estabelece quando o assunto é cannabis. "Há muita confusão entre uso medicinal e o uso recreativo, tornando-se esse o principal empecilho para a popularização dos benefícios da Medicina Endocanabinoide no Brasil", salienta. "Por isso, é de extrema importância combater a ignorância em relação ao tema e, nesse sentido, a comunidade médica é a liderança natural e correta no esforço de esclarecimento da sociedade. Mas, para tomar à frente, precisa se preparar melhor", conclui Patrícia.

 

Leia também: Cannabis medicinal: uma aliada contra doenças respiratórias 

Farmácias

 

Embora 15 produtos já tenham recebido autorização sanitária da Anvisa para comercialização nas farmácias, a grande maioria só deve chegar no segundo semestre de 2022 ou apenas no primeiro semestre de 2023. A baixa oferta tem influenciado os pacientes a buscarem opções de produtos via importação diante da ampla variedade de formulações e preços.





 

Dados de mercado auditados pela IQVIA, instituto que audita o varejo farmacêutico, mostram, por exemplo, que o Mevatyl - primeiro medicamento de cannabis autorizado no país, ainda em 2017 - registrou comercialização de 161 unidades entre janeiro e agosto de 2021.

 

Segundo a BRCANN, as vendas nas farmácias é o caminho natural para o futuro do setor, mas ainda são incipientes. "Devemos ter nos próximos anos uma reversão no peso das importações para o setor. Aos poucos, os pacientes que importam produtos de cannabis medicinal terão mais opções para migrar para o varejo."

 

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.