Jornal Estado de Minas

CÉREBRO

Hipertensão intracraniana: a pressão dentro do crânio


Ao pensar nos cuidados com a saúde, o mais comum é a maioria estar atenta à pressão alta ou hipertensão arterial. Quando se fala em hipertensão intracraniana, poucos sabem dizer o que é, quando ocorre, as causas, os sintomas, os riscos e perigos, o diagnóstico e quando procurar ajuda, como será o tratamento. Mas a Santa Casa de Belo Horizonte tem um Ambulatório de Doenças Cerebrovasculares e Hipertensão Intracraniana com uma equipe expert que o jornal Estado e Minas foi ouvir para saber tudo a respeito, para que todos possam ficar atentos e se cuidar.




 
Guilherme da Cunha Messias dos Santos, neurologista e neuro-oftalmologista, preceptor do Ambulatório de Neuro-Oftalmologia da Clínica de Olhos da Santa Casa de Belo Horizonte, explica que a hipertensão intracraniana, como o próprio nome diz, é o aumento da pressão dentro do crânio. Esse aumento pode ser decorrente de diversos processos patológicos, como crescimento de tumores no cérebro e/ou meninges, trombose venosa cerebral, hemorragias e isquemias extensas, traumatismos, infecções, medicamentos, síndrome da apneia do sono, além da hipertensão intracraniana associada à obesidade.


 
Guilherme Cunha destaca que o sintoma mais comum da hipertensão intracraniana é a cefaleia. Ela geralmente ocorre quando o paciente faz algum esforço como pegar peso, tossir, espirrar, evacuar ou mesmo quando fica em decúbito (deitado) por algum tempo. “A cefaleia costuma ser matutina, holocranina, associada a zumbido pulsátil, borramento visual ou mesmo queixa de visão tubular, formigamentos na face, entre outros sinais de alerta. Há quadros descritos de hipertensão intracraniana fulminante (de rápida evolução); embora rara, pode ter complicações catastróficas para o paciente.”
 
Guilherme da Cunha Messias dos Santos, neurologista e neuro-oftalmologista, explica que hipertensão intracraniana é o aumento da pressão dentro do crânio e esse aumento pode ser decorrente de diversos processos patológicos (foto: Laio Amaral/Divulgação)


Conforme Guilherme Cunha, há um valor normal de pressão intracraniana, que é de 20 centímetros de água, e não é medido em milímetros de mercúrio, como na pressão arterial. “O procedimento de medida é feito de forma invasiva, por médico habilitado, por meio de uma punção lombar. Esse procedimento é relativamente simples e rápido, e pode ser feito, na maioria das vezes, ambulatorialmente, com anestesia local. A pressão intracraniana pode ser ainda aferida por meio de dispositivos inseridos no cérebro ou ventrículos (cavidades cerebrais por onde circula o líquor) em pacientes mais graves ou que demandam cuidados intensivos.”




 
O neurologista e neuro-oftalmologista também conta que a prevalência da hipertensão intracraniana idiopática (aquela sem causa ainda definida) é maior entre mulheres jovens e, frequentemente, está associada ao sobrepeso/obesidade ou mesmo quando ocorre rápido ganho de peso (nesse caso, também chamada de hipertensão intracraniana associada à obesidade). “Quando nos deparamos com homens com hipertensão intracraniana, um leque maior de diagnósticos diferenciais deve ser considerado. Do ponto de vista epidemiológico, é bem menos frequente essa condição nessa população.”


 
E é possível prevenir? Conforme Guilherme Cunha, na hipertensão intracraniana associada à obesidade, a prevenção passa pelo controle ponderal e mudança do estilo de vida. “Frequentemente, nos deparamos com pacientes com estilo de vida irregular, alimentação hipercalórica, rica em farinha branca, sódio, açúcar refinado, guloseimas, sedentarismo e distúrbio do sono.”

GENÉTICA


Já Albert Louis Rocha Bicalho, coordenador do Ambulatório de Doenças Cerebrovasculares e Hipertensão Intracraniana da Santa Casa de Belo Horizonte, preceptor do Ambulatório de Neuro-Oftalmologia da Clínica de Olhos da Santa Casa e coordenador da Neurologia do Pronto-Socorro de Neurologia do Hospital São Lucas, diz que alguns investigadores sugeriram que a hipertensão intracraniana pode ter um componente familiar de 5%. Uma pesquisa da Universidade de Iowa nos Estados Unidos (Center for Vision Research Idiopathic Intracranial Hypertension Treatment Trial/ IIHTT) demonstrou alterações genéticas e mutações não muito importantes a ponto de avaliar um gene específico causador da doença.




 
Albert Bicalho alerta que há relatos de maior prevalência de acometimento em irmãos gêmeos. “Esse grau de ocorrência familiar é muito maior do que o esperado na população e sugere um componente genético da doença. Mais provavelmente, qualquer viés em direção ao desenvolvimento do quadro é mediado por vários genes diferentes.”
 
Ele alerta que, uma vez constatada a doença, ela deve ser monitorada por diversas áreas visando à preservação dos nervos cranianos que afetam a sensibilidade e motricidade da face, visão e audição, por exemplo. “O acompanhamento multidisciplinar é importante para fornecer parâmetros referentes ao quadro e avaliar se está havendo piora. Hoje, é possível a monitorização não invasiva da pressão intracraniana, por meio de dispositivos de alta tecnologia que nos permitem medir esse dado vital. Entretanto, classicamente, essa medida é feita de forma invasiva.”

A médica Oftalmologista Alessandra Leite Pasqualini diz que as consequências mais graves da hipertensão intracraniana crônica são a cegueira e a surdez (foto: Laio Amaral/Divulgação)

 
A médica oftalmologista Alessandra Leite Pasqualini, especialista em neuro-oftalmologia, preceptora do Ambulatório de Neuro-Oftalmologia da Clínica de Olhos da Santa Casa de Belo Horizonte, chama a atenção para as consequências, das leves às mais graves, diante do quadro da hipertensão intracraniana: “As consequências mais graves da hipertensão intracraniana crônica são a cegueira e a surdez. Porém, há pesquisas indicando uma maior tendência desses pacientes evoluírem com trombose e lesões cerebrais associadas decorrentes do quadro.”




 
Conforme Alessandra Pasqualini, infelizmente, é grande o número de pacientes que chegam aos ambulatórios da Santa Casa já no estágio de cegueira, surdez e paralisia de nervos cranianos de forma irreversível, tornando-os dependentes e incapazes funcionalmente. Por isso, a importância do diagnóstico precoce e tratamento.

RELAÇÃO COM A HIPERTENSÃO ARTERIAL


Albert Bicalho explica que há várias formas de tratamento que têm sido sugeridas para tratar pessoas com hipertensão intracraniana idiopática ou associada à obesidade, como perda de peso, atividades físicas, fármacos (ex: diuréticos) e cirurgias, como de descompressão de uma membrana que recobre o nervo ótico, cirurgias cranianas ou da coluna por meio da colocação de cateteres que retiram o líquido que recobre o sistema nervoso, direcionando para abdômen ou até o coração, cirurgia bariátrica, medicamentos que ajudam a controlar o apetite, além de tratamento de distúrbios hormonais que possam estar associados.
 
Outro alerta confirmado pelo médico Albert Bicalho é que há um paralelo importante entre a hipertensão arterial e intracraniana. Segundo ele, ela é dinâmica, assim como a hipertensão arterial, e depende diretamente do bombeamento do coração. Sua elevação súbita pode ser igual às crises de hipertensão arterial e pode perdurar por um determinado período de tempo, aumentando a pressão intracraniana. Assim, como no coração, a monitorização é necessária, por exemplo, nos casos onde há edema cerebral, AVCs grandes e tumores por meio de implante de dispositivos dentro do crânio.
 
Albert Bicalho explica que a hipertensão intracraniana oscila e depende dos vasos e da taxa de perfusão cerebral, batimentos e da capacidade de chegada dos nutrientes pelas artérias e drenagem do sangue pelas veias. “Logo, mudanças e movimentos alteram a pressão, assim como atividades físicas, mas não necessariamente é uma doença. Assim como ocorre hipertensão arterial. Por exemplo, quando se está de pé, a pressão intracraniana é menor do que a pressão venosa central devido à gravidade que retira o líquor do encéfalo, facilitando o retorno do sangue ao coração. Assim, o volume intracraniano normal é praticamente constante por muito tempo. Quando há um súbito aumento do volume intracraniano, isso pode levar a uma rápida elevação da pressão intracraniana.”




 

TRATAMENTOS ESTÉTICOS


Albert Bicalho aponta entre as causas alterações hormonais como hipotireoidismo, excesso ou falta de algumas vitaminas, uso de alguns medicamentos específicos utilizados em tratamentos estéticos, quimioterápicos e de infecções. “Quando não achamos uma causa específica, a investigação inclui exames cardiovasculares, endocrinológicos e até imunológico para a causa. É imprescindível afastar a formação de coágulos no sistema venoso cerebral para diagnóstico diferencial, por exemplo.”
 
A hipertensão intracraniana é pouco falada, mas está presente na vida de muitos brasileiros. Albert Bicalho, inclusive, acredita que a doença possa ser subdiagnosticada. Sua prevalência, segundo os últimos dados compilados das diretrizes internacionais de 2021 e 2022, é de 0,5 e 2 pacientes para cada 100.000 habitantes. Em países onde a obesidade é maior, a sua incidência alcança até 6 casos por 100.000 habitantes. No entanto, se o Índice de Massa Corpórea (IMC) for maior que 30 em mulheres jovens e obesas, as pesquisas estimam uma prevalência de mais de 20 casos por 100.000.
 
Albert Bicalho destaca que há um ano foi criado o Ambulatório de Hipertensão Intracraniana Idiopática para atendimento especializado e interdisciplinar, coordenado pela equipe de neurologia e suporte dos ambulatórios de neuro-oftalmologia, neuro-otorrinolaringologia e neurocirurgia. “Estamos levantando dados de todos os pacientes e iniciando pesquisas para introdução de novas tecnologias, como avaliação do nervo óptico com equipamentos portáteis e 'medida' da pressão intracraniana sem necessidade de punção lombar invasiva ou cirurgia para diagnóstico e acompanhamento.”




 
De posse de dados, será possível no futuro diminuir o tempo de suspeita do diagnóstico e maior acesso à população: “Graças também às universidades públicas e startups brasileiras que criaram equipamentos móveis capazes de ajudar o médico a avaliar o grau de edema do nervo óptico, medida da pressão intracraniana não invasiva e comparação evolutiva. Esses equipamentos associados à expertise dos múltiplos ambulatórios subespecialidades da Santa Casa ajudam a prevenir as sequelas pela capacidade de quantificar as pioras sutis dos sintomas, facilitando a decisão de tratamento, seja ele clínico ou cirúrgico.”