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Estado de Minas

Doenças em segundo plano

Mortalidade no Brasil por câncer de mama e outros tumores aumentou na pandemia.


19/12/2021 04:00

Igor Nonato*
 
 
O número de mortes por câncer no mundo subiu de 6,2 milhões em 2000 para 10 milhões em 2020. No Brasil, apenas no ano passado, foram diagnosticados 592.212 novos casos e registrados 259.949 óbitos em decorrência de neoplasias malignas. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que são esperados ao menos outros 625 mil diagnósticos de câncer até o final de 2021.

No Brasil, um dos tumores que têm aumento de mortalidade é o de mama. Essa realidade, com o advento da pandemia, piorou. De acordo com a presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia/Regional Minas, Annamaria Massahud, sempre houve no sistema de saúde do país muitos problemas na estratégia de prevenção e tratamento, a começar pela falta de programas de rastreamento organizado, baixa adesão da população ao que lhe é oferecido, seja por falta de informação confiável ou por excesso de informações distorcidas, e pela falta de acesso em tempo hábil aos tratamentos adequados.
 
 
 
Com o surgimento da COVID-19, o câncer se tornou peça ainda mais coadjuvante dentro do sistema de saúde. Desde fevereiro de 2020, quando o governo federal, através do Ministério da Saúde, decretou emergência em saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus, uma série de leis e portarias interferiram na realização de exames em pessoas assintomáticas e consultas médicas, tanto no sistema público quanto no sistema da saúde suplementar.

Annamaria Massahud lembra que, em março de 2020, o Instituto Nacional do Câncer emitiu uma portaria recomendando que os profissionais orientassem as pessoas a não procurarem os serviços de saúde sem sintomas e que as mulheres deveriam remarcar seus exames de mamografia. E mesmo com a garantia de que os tratamentos iriam continuar acontecendo, o que se observou, em todas as regiões brasileiras, foi redução de até 80% em alguns meses no número de exames e de consultas médicas na área, assim como uma expressiva redução de biópsias em geral (40%) no ano de 2020.

As medidas de saúde pública, iniciadas em abril do ano passado, com a realização de exames com distanciamento físico, uso de máscaras e cuidados de higiene, permitiram a realização de consulta médica presencial, ambulatorial, não urgente e o uso da telemedicina. Essa flexibilização deu espaço para uma volta segura dos pacientes aos exames de rotina e tratamentos.

O presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Agnaldo Lopes, vê este momento em que as pessoas têm mais coragem de sair de casa para cuidar da saúde como chance de tomada de consciência da prevenção do câncer, inclusive as mulheres.

“A prioridade foi em algum momento o isolamento social e uma diminuição dos recursos em relação à saúde. Grande parte desses recursos foi destinada ao cuidado e tratamento de pacientes com a COVID-19, mas acho que agora o alerta que a gente precisa é de campanhas para o chamamento de mulheres para suas consultas de rotina, para atualizarem os seus exames de papanicolau e o cartão de vacinação, incluindo vacina contra HPV”, reforça Agnaldo.

Para o médico, o câncer de colo do útero é o que considera mais importante para o alerta da prevenção. “É um câncer que já tem uma história natural muito bem definida. Praticamente 100% dos tumores de colo uterino são associados ao HPV, que é o papiloma vírus humano, e que hoje é considerado o segundo agente mais importante como causador de câncer humano. E a gente tem uma possibilidade de prevenção muito eficaz”, afirma o médico.

"Agora, o alerta que a gente precisa é de campanhas para o chamamento de mulheres para suas consultas de rotina, para atualizarem os seus exames de papanicolau e o cartão de vacinação, incluindo vacina contra HPV”

Agnaldo Lopes, presidente 
da Federação Brasileira das Associações 
de Ginecologia e Obstetrícia



Já o câncer de mama é o tumor que mais afeta mulheres e pode ter altas chances de cura se diagnosticado e tratado precoce e adequadamente. Foi o que aconteceu com Danila Daniel, de 33 anos. Diagnosticada em julho do ano passado, a bióloga logo procurou um mastologista depois de ter sentido algo errado no período de resguardo. “Estava amamentando e meu filho tinha começado a alimentação sólida. Era hora de as glândulas mamárias voltarem ao normal, e percebi que uma não tinha voltado ainda. Procurei um mastologista, fiz uma biópsia e descobri que se tratava de um tumor maligno.”

Danila foi uma das pessoas que precisaram ter cuidados redobrados de segurança por ter iniciado o tratamento durante a pandemia e por estar com um bebê em casa. Sair de casa, por exemplo, era inevitável. “Tomei todos os cuidados de proteção, não fiquei só em casa, eu me afastei do meu trabalho, mas as outras atividades diárias, como, por exemplo, ir ao supermercado e ir à farmácia, as fiz normalmente, mas tomando todos os cuidados, usando a máscara, mantendo o distanciamento, mas sempre um pouco tensa, porque sabia que seria complicado uma infecção no momento que eu estava vivendo.” Danila começou o tratamento assim que descobriu o nódulo, felizmente na fase primária. O tumor era de 1 centímetro. “Fiz cirurgia, fisioterapia, radioterapia e nunca tive problema de adiamento de consultas.”

RASTREAMENTO 

No país, cerca de 70% da população, ou mais de 150 milhões de brasileiros, depende do Sistema Único de Saúde (SUS) e, além disso, grande parte dos gastos das famílias brasileiras ocorre com serviços de saúde privados. As estratégias para detecção na fase inicial do câncer de mama, que proporcionam maiores chances de cura com uso mais racional dos recursos econômicos, passam pelo diagnóstico precoce ou pelo rastreamento mamográfico nas mulheres sem sinais ou sintomas.

Na contramão dessa conduta, a queda no número de mamografias, considerando o ano de 2020, passou dos 40%, ou seja, cerca de 800 mil exames a menos, segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia. Além disso, de acordo com Annamaria Massahud, os hospitais e planos de saúde suplementar limitaram os atendimentos cirúrgicos eletivos nos momentos mais intensos da pandemia e com maior número de pessoas internadas em CTIs, o que retardou, em alguns casos, cirurgias por meses.

“Alguns pacientes com diagnóstico de câncer iniciaram seu tratamento por medicamento e depois realizaram a cirurgia. Dessa forma, o que se percebeu foi a redução da oferta de serviços, inclusive na saúde suplementar, no início da pandemia e nos períodos de pico, associada à menor procura das usuárias pelos serviços de imagem e pelas consultas médicas, mesmo quando sintomáticas”, diz a médica.

A população feminina de 50 a 69 anos, que compõe a faixa etária recomendada pelo Ministério da Saúde para rastreamento a cada dois anos do câncer de mama, é de cerca de 2,4 milhões em Minas Gerais. Considerando que cerca de 25% desse contingente tem cobertura de saúde suplementar no estado, seria de se esperar, a cada ano, a realização de 984 mil mamografias pelo sistema público. Porém, segundo dados da Coordenação de Atenção Especializada Ambulatorial, em 2019, foram realizadas cerca de 385 mil exames de rastreamento e 214 mil em 2020, um terço do esperado.

*Estagiário sob supervisão da editora Teresa Caram




Redução de biópsias

O relatório Radar do Câncer, divulgado pelo Instituto Oncoguia com informações do DataSUS, aponta que o volume de biópsias realizadas no país teve uma queda em números absolutos de 737.804 para 449.275 quando comparados os meses de março a dezembro de 2020 com o mesmo período em 2019. Isso significa redução de 39% na realização desse procedimento, que, apesar de classificado como eletivo, é essencial para a definição de condutas no combate ao câncer.
Projeções do Globocan 2020 indicam que nos próximos anos há uma tendência de elevação dos índices de detecção do câncer, chegando ao patamar de quase 50% a mais em 2040 em comparação ao cenário atual, quando o mundo deve então registrar algo em torno de 28,4 milhões de novos casos de câncer. Ou seja, a cada cinco pessoas, uma terá câncer em alguma fase da vida. Nos países mais pobres, a incidência da doença deve ter crescimento superior a 80%.


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