Jornal Estado de Minas

REPORTAGEM DE CAPA

Avós e netos: relação que só faz bem



Construção da identidade. Valorização da própria história. Desenvolvimento da imaginação. Empatia e respeito com outras gerações. Formação de repertório, a construção de sua visão de mundo e hábito de leitura são apenas parte do legado que avós podem transmitir para os netos.



Uma relação que só faz bem. Inúmeros estudos científicos comprovam e reforçam que avós envolvidos ativamente na vida dos netos alcançam melhor bem-estar do que os que são mais passivos e têm risco reduzido de sofrer Alzheimer e outros distúrbios cognitivos. O remédio é um só e sem contraindicações: o amor.
 
Relação pautada no amor é entre Gema Galgani Batista Araújo, de 88 anos, e a neta Luiza Araújo de Sousa Lima, de 19. “Luiza é linda, maravilhosa, me dá atenção e carinho. Tenho uma grande família, são 10 filhos, 25 netos e 15 bisnetos, mas não sei como explicar, temos uma empatia, cumplicidade e afinidade que nos aproximam muito. Está sempre preocupada comigo, me liga sempre, o que me dá muita alegria, já que hoje vejo que a maioria é distante. Ela segue perto de mim mesmo longe, já que foi morar no Canadá.”

Gema conta que aprende com Luiza sobre a vida, diz que ela tem grandes perspectivas, gosta de estudar, e a admira pela conduta. “É uma jovem com os pés no chão, sem muita fantasia, segura do que quer e será uma mulher completa. Temos grande afinidade e só sei que meu melhor papel é o de avó, neto é filho com açúcar. Neto traz energia para a vida e me faz feliz. Só tenho a agradecer porque todos os meus netos são próximos, se preocupam comigo, sempre que possível estamos juntos, são presentes e os amo. Mas tenho de falar que com a Luiza é diferente, uma química muito forte”, diz.





Luiza, que estuda na UBC, uma universidade em Vancouver, Canadá, foi para o país em 2019 para um intercâmbio de seis meses, mas se apaixonou por lá e, agora, está cursando neurociência, longe da avó, família e amigos: “A relação com a minha vó sempre foi próxima, única e especial. Sempre senti que nós tínhamos/temos uma conexão diferente. É difícil explicar, mas é algo forte que só sei sentir. Apesar dos tradicionais almoços de domingo não serem um costume da família, eu a via toda semana. Além das visitas, eu, ela e minha mãe saímos muito para resolver coisas práticas do dia a dia, especialmente assuntos ligados à decoração de casa ou compra de roupas”, conta.

E complementa: “Minha vó, sempre companheira e com seu extremo bom gosto, nos ajudava dando dicas e opiniões. Também tínhamos uma viagem tradicional: ir para a fazenda. Apesar de ser um lugar simples e relativamente longe, a vovó adora nossas idas para lá. Na nossa breve estadia (normalmente quatro ou cinco dias), a gente joga baralho, jogos de tabuleiro, andamos a cavalo, brincamos com os bichinhos, conversamos sobre a vida e tiramos várias sonecas. Além disso, ela também adora cozinhar e até já podou o jardim inteirinho de lá”.

Agora, mesmo de longe, elas ainda mantêm o contato por meio de ligações de vídeo. “Com seus quase 90 anos, minha 'veinha' (nosso apelido carinhoso) é ligada à tecnologia. É lógico que toda vez que ela atende, ainda tenho que avisar: 'Vovó, não precisa colocar no ouvido, você consegue me ver. É muito gostoso manter essa relação mesmo que a distância, mas tela de telefone nenhuma substitui aquele abraço carinhoso, apertado e sincero ou aquele colinho reconfortante de vó”, diz.




ADMIRAÇÃO PROFUNDA 

Dizer quais os conselhos, aprendizados e momentos importantes que absorve de Gema é quase impossível para Luiza, que não sabe dizer por onde começar. Ela tem uma admiração tão profunda pela avó, que fica difícil citar apenas algumas das suas características mais marcantes. Muito do que aprendeu com ela foi apenas observando a maneira como ela encara a vida e se relaciona com as pessoas.

Apesar dos diversos desafios que estão presentes quando se tem família grande, e mesmo sem a companhia do avô (que faleceu há mais ou menos 20 anos), Luiza diz que a avó sempre levou a vida de forma leve e com um sorriso no rosto. Além disso, admira a capacidade de adaptação e flexibilidade. Segundo a neta, independentemente de onde vai, Gema aproveita ao máximo e encanta a todos com quem encontra. Esse é um traço marcante, ela é querida por todos.

“É impressionante como sempre há comentários sobre sua energia, animação, alegria e como ela é uma inspiração e exemplo. A vovó tem um coração enorme e sempre fez questão de ser atenciosa e carinhosa com todos aqueles que cruzaram seu caminho. Acho que não tem uma frase marcante ou conselho específico que minha vó me disse que carregarei comigo. Seus ensinamentos podem não terem sido verbais ou explícitos, mas eles com certeza foram extremamente profundos e tiveram um forte impacto em mim e na pessoa que me tornei. Com ela, aprendi talvez da forma mais eficiente e genuína, por meio do exemplo e admiração. Sei que apesar da distância e do tempo, ela sempre vai fazer parte de mim, um pedacinho dela sempre estará presente nas minhas atitudes e na maneira na qual eu encaro o mundo.”





Com a diferença de gerações, Luiza não vê nenhum ruído. Aprende muito com ela e com sua experiência. “É uma pessoa extremamente talentosa para trabalhos manuais. Confesso, que não tenho aptidão nenhuma, especialmente sendo parte de uma geração tão imediatista e impaciente. Esse tipo de arte requer muito foco, paciência e persistência, já que demanda bastante tempo e é detalhada. Ela desenvolveu, com maestria, todas essas habilidades.”


Temos grande afinidade e só sei que meu melhor papel é o de avó, neto é filho com açúcar. Neto traz energia para a vida e me faz feliz. Só tenho a agradecer porque todos os meus netos são próximos, se preocupam comigo, sempre que possível estamos juntos, são presentes e os amo”

Gema Galgani Batista Araújo, 
de 88 anos,  tem 10 filhos, 
25 netos e 15 bisnetos


Luiza ressalta que essas competências eram muito valorizadas na geração da avó, principalmente, já que a vida não era “a mil por hora”. “Já participei de algumas atividades dessas com ela, desde criar bonequinhos de argila, colorir desenhos ou ajudá-la na confecção de acessórios e fantasias. Nesses momentos, ela estava me ensinando muito mais do que meras habilidades técnicas. Minha vó estava me ensinando lições de vida: viver no presente e ter paciência. Esses valores se perderam no tempo e apenas recentemente percebemos o quão são essenciais para uma vida saudável e feliz.”

Quanto ao que Luiza ensina para Gema, a resposta é imediata: “Sou a assessora tecnológica pessoal. Há alguns anos, ela ganhou um tablet que se tornou seu fiel companheiro. E fui encarregada de ensiná-la a jogar seus jogos preferidos (paciência, jogo da velha, caça-palavras) e apresentar outros que fossem de seu interesse. Tenho muitas lembranças de nós duas passando tempo juntas e nos divertindo com esses joguinhos virtuais.”





Para Luiza, a força da relação com a avó também está no fato de ela se fazer presente em sua vida e, por isso, acompanhou suas vitórias e tropeços de perto. “Ela demonstra interesse no que está acontecendo comigo e está lá 100% das vezes, seja para me dar colo ou vibrar. Acho que a torcida de uma avó por um neto é diferente, é extremamente sincera e genuína e sentir isso é muito gostoso e motivante. Na hora que a gente cai, não tem nada melhor que um colinho de vó, um lugar seguro e sem julgamentos. Enfim, compartilhar dores, medos, tropeços, sonhos, vitórias. Compartilhar a vida com minha vó é simplesmente maravilhoso e sou extremamente grata por ter uma relação tão aberta e sincera com ela.”

Luiza destaca que Gema sempre foi sua maior protetora: “Quando criança, nas vezes que me sentia injustiçada pelos meus pais, costumava dizer que ia fugir para a casa da vovó. Lá, eu sabia que estaria no paraíso: comida boa, colinho de avó e sem regras. Acho que o amor de mãe e de avó são incondicionais e imensuráveis, mas cada uma ocupa um lugar extremamente importante e único na vida das crianças. Avó ‘e refúgio, avó é porto-seguro, avó é amor.”
 
Cármen Lúcia, de 61 anos, com os netos, Pedro de 8, Paulo, de 10, e Maria Luísa, de 3 (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
 

MEDO DA PERDA 

Cármen Lúcia de Matos Barcelo, de 61 anos, não só sabe como netos são um remédio diário e sem contraindicações. Ela se cuida com altas doses. Avó de Paulo, de 10 anos, Pedro, de 8, e Maria Luísa, de 3, ela assume seu papel de cuidado e criança emocional na integralidade. Os meninos moram no andar de cima da sua casa e os laços são ainda mais estreitos. “Acredito que a mulher aprende a ser mãe depois de ser avó. E não estragamos os netos, sabemos educá-los, mas por outro caminho. Não tenho explicação para falar desse amor, que é diferente do amor com o filho. Não sei se vão entender, mas 'o filho é meu' e os netos, não, mas ao mesmo tempo são também. São inúmeras camadas, que só sentimos. É quando vejo a mãe brava e, escondida atrás da árvore, dou a dica, faço sinal, para não responder, ficar quieto... Enfim, é bom demais.”

A grande emoção vivida por Cármen nos últimos tempos, ela revela, veio de Paulo: “Tive um enfarto, agora está tudo bem graças a Deus. Um dia, perguntei para ele o que de mais emocionante ele tinha vivido. Ele me disse: ‘foi o medo de você morrer'. Bem, somos muito próximos, convivemos todos os dias, o tempo todo. Brincamos, gostam da minha comida, sabem tudo o que tem na minha geladeira. Vamos ao parque, jogamos bola e cada dia fortalecemos nossos laços, é maravilhoso”.






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