Grandes, de pequeno porte, peludos... independentemente de características e raças, o cão é considerado por muitos como o “melhor amigo” do homem e essa qualidade de bom companheiro está longe de ser a única, para a ciência. Ele pode ser ótimo aliado da cura mental e da boa saúde física, capacidade que se tornou método educacional e terapêutico conhecido como pela expressão cinoterapia. “Ele utiliza o cão a partir de uma abordagem interdisciplinar”, comenta Andriele Franco Pereira, coordenadora do curso de psicologia da Faculdade Pitágoras.
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Com avanço da vacinação, tratamento do câncer de mama deve ser retomadoConheça 5 erros nos seus conceitos sobre o melasmaInternet pode ser aliada dos adolescentes no gosto pela leituraAs estranhas raças de cães que desapareceramUniverso pet: buscas sobre saúde animal crescem 900% só neste anoSaiba quais são as raças de cachorro 100% brasileirasO cão, então, mais que nunca, é visto como um companheiro que proporciona alegria a todos, passando a ser um mediador e/ou coterapeuta na intervenção com crianças, idosos e adultos. “O animal é terapêutico em situações em que possa se interpor entre a doença e o sujeito, levando-o ao desenvolvimento por meio do vínculo. Atualmente, surgiram novas formas de terapia assistida com animais, sendo dessa maneira o cão um mediador de terapia, contribuindo para os avanços da psicologia, uma vez que contribui para melhorar a interação com o mundo e as relações afetivas e familiares.”
Jaqueline Gisele Miolo, de 41 anos, aos 15 se submeteu à técnica, após se afastar de amigos, familiares e até mesmo, inicialmente, de seu animal de estimação. “Sempre fui ‘mãe de pet’, tinha gato e cachorro e do nada eu não queria mais contato com eles e nem com as pessoas. Eu vivia isolada e então meus pais decidiram me levar para fazer terapia, mas mesmo com a ajuda especializada não funcionou. A partir daí, a minha terapeuta me indicou a cinoterapia, o que me salvou”, conta.
A cinoterapia fez com que Gisele se aproximasse de pequenos animais. Ela começou a caminhar com eles e brincar no dia a dia. “Esse contato me fez começar a criar laços novamente, voltei a amar e não conseguia viver sem o meu cachorro. Acabei rompendo a distância que tinha das pessoas também. A cinoterapia me devolveu os laços sociais. Foi como uma corrente. O relacionamento que eu adquiri com os animais se tornou uma coisa tão grande que me fez abrir para as pessoas também”, relata.
A cinoterapia pode ser desenvolvida em grupo ou individualmente, uma vez que atua no processo de desenvolvimento da pessoa, sob os aspectos motor, psíquico, afetivo/cognitivo e físico. A relação com o cão é muito importante para os processos de reabilitação.
BENEFÍCIOS Se a amizade com o cão já traz muito aconchego e alegria, a sua companhia como método terapêutico pode proporcionar muitos benefícios, uma vez que a cinoterapia pode ser usada com diversos propósitos, ensina Diogo César Gomes da Silva, médico-veterinário e professor da Universidade Anhanguera Uniderp. “Quando estruturada na intervenção psicoterápica, o objetivo é a promoção de saúde, modificação de comportamento, redução do estresse, desenvolvimento de comportamentos favoráveis ou que auxiliem o indivíduo a lidar com dificuldades e sofrimentos”, afirma.
Nos casos em que a intervenção tem foco educacional, ele explica que o objetivo é abordar a ecologia, preservação do meio ambiente, posse responsável e cuidados com o animal. Essa definição vai depender de como a equipe e o trabalho de intervenção assistida por animal será direcionado.
SOCIALIZAÇÃO Motivaçao aumentada é outra boa “herança” do processo de cinoterapia. “O cão desenvolve nas crianças o senso de responsabilidade, cooperação, cuidado, regras e limites por meio do desenvolvimento de funções com o animal.Outro benefício é a motivação. Como o animal de estimação está associado ao lazer, por meio da ludicidade e dos momentos de descontração, o ego não se sente ameaçado, dessa maneira não há temores a coisas novas”, diz Andriele Pereira.
Segundo a especialista, o trabalho com cães ajuda também na percepção cinestésica, juntamente com o sistema límbico, responsável pelas emoções. Outro fator importante é a repercussão que ocorre no cerebelo, que amplia a memória e o equilíbrio físico e psíquico dos indivíduos. É justamente por isso que a técnica tem sido adotada em tratamentos mentais.
Esses benefícios são sentidos pela mãe da Ana Helena, de 12. De acordo com a mãe dela, a advogada Júlia Marques, de 38, a menina não interagia muito bem e nem demonstrava afeto. “Eu e meu marido fomos muito protetores. Na época, ela tinha 7 anos, e só mantinha contato conosco. Então, a levamos ao psicólogo e ele nos indicou a cinoterapia.Não gostava muito de cachorros, mas o Lupi, nosso cão, só nos trouxe amor e ensinou a minha filha a se relacionar com outras pessoas e a ser mais amável e carinhosa.”
Ana Helena, que antes da terapia, não conseguia dividir seus brinquedos e somente se relacionava em meio a adultos, se transformou. Hoje, compartilha brinquedos, conversa com outras crianças e tem vários amigos. “Acho que o maior destaque dos benefícios foi a interação. Ela tem facilidade em se relacionar com outras crianças e se tornou mais calma. A cinoterapia trouxe uma vida normal para a minha filha. Ela tinha muito problema de comportamento na escola e a melhoria foi visível”, conta a mãe.
POSSIBILIDADES Afinal, quem pode se aproveitar dessa terapia com o melhor amigo do homem? De acordo com o médico-veterinário Diogo da Silva, as possibilidades são bem abrangentes. “Pode-se utilizar os cães para praticamente qualquer tipo de atividade psicológica, educativa, psicomotora e socioafetiva, em diferentes idades. A cinoterapia pode ser aplicada a diferentes pacientes, em diferentes condições psicológicas e sociais.”
O raciocínio se estende ao tratamento contra medos e fobias, bem como traumas. “Atualmente, essa terapia tem demonstrado resultados significativos em casos específicos, como autismo, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, pacientes com disfunção neuromotora e outros transtornos globais do desenvolvimento”, afirma Andriele Pereira.
Porém, apesar de não existirem restrições em relação ao trabalho com cinoterapia, orienta-se que não haverá efetividade na utilização caso o paciente tenha medo do animal, já que assim a pessoa não conseguirá criar condições para estabelecer o vínculo com o animal, condição necessária para o tratamento com esse método. Outra restrição envolve a alergia ao pelo.
PERFIS Para ser um cão terapeuta, é necessário cumprir algumas exigências, independentemente do local onde o método é aplicado – a cinoterapia pode ser feita em casa, em hospitais e em outros locais específicos. O cão para prática de cinoterapia precisa de treinamento e a certificação. É importante ressaltar que o cão treinado para esse trabalho não demonstra agressividade, e sim afetividade, por isso deve passar por essa preparação. Os animais utilizados na cinoterapia deverão ter aptidão para o trabalho terapêutico, apresentando características como ser domesticado, de índole pacífica e temperamento equilibrado.
O veterinário Diogo da Silva reforça, ainda, que os padrões de comportamento buscado nos animais dependem do objetivo da intervenção e do público que será atendido. “Para uma visita a um hospital, procuramos animais com características específicas e avaliamos o porte, tamanho, estrutura do pelo para atender melhor a realidade. Se a intervenção é com pessoas com autismo, muda o perfil do cão. Admitimos outros portes e perfis de comportamento. Não existe um modelo ideal ou único de cão para a cinoterapia. Existe é avaliação e observação de cães que estejam aptos.”
Além dos cães, existem outras espécies de animais utilizadas na cinoterapia. O cão é o animal de maior expressão e sucesso pela facilidade social e comunicativa. Porém, cavalos e gatos também podem atuar como cote- rapeutas. Até mesmo animais silvestres, exóticos e aqueles que não têm interação direta com o homem, a exemplo de peixes em aquários, podem ser usados num tratamento bem-sucedido.
*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram