Jornal Estado de Minas

BURNOUT PARENTAL?

Isolamento social, sobrecarga e as inseguranças atuais: pais em exaustão


Amor e esgotamento. Esses dois termos e sentimentos se misturam, e muito, no dia a dia de pais e mães em meio à criação dos filhos. E, em muitos casos, há a ocorrência de quadros de síndrome de burnout parental, caracterizada pela exaustão e sensação de incapacidade e culpa na educação e convivência com os filhos. Com a pandemia de COVID-19 e o maior tempo de convívio entre os familiares, esse quadro patológico mental ganha forma ainda mais intensa.





Mas, engana-se quem pensa que essa exaustão toda tem a ver somente com o atual momento mundial, em razão da crise sanitária causada pelo novo coronavírus, com isolamento social, home office e aulas remotas. Para além da pandemia, esse é um quadro recorrente há anos. Não à toa, uma pesquisa realizada por duas psicólogas da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, em 2018, aponta para a existência do burnout parental. Os resultados foram divulgados neste ano, em meio à pandemia, e “caíram como uma luva” no atual cenário.

“Esse estudo é considerado a maior pesquisa mundial já feita pelo tema. Até então, muita coisa já foi feita e escrita com relação ao burnout e nada em relação ao burnout parental, que tem a ver com o adoecimento dos pais por conta dos vários desafios dessa função. Foram ouvidas cerca de 17 mil pessoas, entre pais e mães de 42 países. O texto veio ao encontro do que muitos pais e responsáveis estão passando e vivendo devido ao isolamento”, explica a psiquiatra infantil Jaqueline Bifano.

Segundo ela, a condição está relacionada ao extremo cansaço e sobrecarga de funções dos pais e mães em relação à criação dos filhos. “É quando os fatores de estresse se tornam mais pesados que os fatores recursos. Esse desequilíbrio pode gerar problemas no sono, no apetite, na digestão, irritabilidade e até mesmo aumento de vícios e violência verbal, psicológica ou física”, lembra a médica.





Para a psicóloga Marcela Alvarenga, trata-se de uma variação do burnout clássico, mais conhecido e considerado um estado de estresse crônico associado ao âmbito profissional. Por isso, ela destaca a importância de os pais estarem atentos às pressões e exigências do dia a dia, em estar empenhados a ser sempre supercompetentes, ideia que por estar associada a uma condição de perfeição localizada fora dos limites das possibilidades reais gera sensação de frustração e incompetência. “É comum o relato de mães e pais de um esgotamento mental associado a queixas de doenças físicas que, muitas vezes, são de origem psicossomática.”

Isso porque, conforme Jaqueline Bifano, devido à sobrecarga de funções com a criação dos filhos e à ideia de não poder “errar” na educação dos mesmos, a pandemia acabou fazendo com que mães e pais começassem a desenvolver o burnout parental, pois as crianças ficaram privadas de ir à escola, conviver com colegas e outras pessoas, além de os pais passarem a ter contato mais intenso com seus filhos, dividindo atenções no home office, aulas virtuais, exercícios de escola passados pelos professores, entre outros. “Esse ‘aumento’ de responsabilidade durante todo o dia acabou virando mais estresse e se tornou gatilho para uma maior vulnerabilidade e desgaste emocional”, afirma.

É o caso de Marcos Dias, de 32 anos, aqui identificado com nome e idade fictícios. Ele conta que percebeu a exaustão ainda nos primeiros meses da pandemia, quando precisou, sozinho, ficar por conta das atividades de casa, do seu trabalho e da filha pequena, de apenas 4 anos. “Peguei COVID-19 no ano passado, e depois a minha esposa pegou. Então, precisei ficar com a nossa filha 100% do tempo. Foi bem complicado, bem desgastante”, lembra.





“E, por ela não ter aula, senti que o desgaste foi ainda maior, tanto em mim quanto nela, que também está bem desgastada. A relação ficou mais próxima, porém, bem estressante. A minha filha começou a roer unha, ficar mais agitada, o que acho que tem a ver também com computador, celular, falta de rotina, cada dia na casa de um – avô e avó. Eu tinha que ficar com ela, trabalhar em casa, e foi um desgaste muito grande”, relata.
 
(foto: Eva Tatiane/Divulgação )
"É comum o relato de mães e pais de um esgotamento mental associado a queixas de doenças físicas que, muitas vezes, são de origem psicossomática”

Marcela Alvarenga, psicóloga 


SINAIS 

E quando, de fato, o estresse se torna um quadro de burnout parental? Conforme Marcela Alvarenga, observar os indícios do quadro é importante para que um diagnóstico correto seja feito, a fim de tratar a condição e, também, incorporar hábitos benéficos para o bem-estar e melhor qualidade de vida. “Os pais vivenciam uma autocobrança e, por essa razão, se sentem perdidos e insatisfeitos na criação de seus filhos. É muito importante que os pais compreendam a sensação de insuficiência, ineficácia e desmotivação no convívio com os filhos, gerando baixa autoestima, irritabilidade, intolerância e sentimento de fracasso.”

Esses “sinais” interferem na relação, causando sérios danos à saúde mental tanto dos pais quanto dos filhos. “O estresse e a ansiedade do esgotamento diário afetam a convivência, inclusive em momentos que deveriam ser de lazer. Tornou-se frequente no quadro da pandemia o desabafo de pais de que os momentos de maior paz são quando as crianças não estão por perto. Alguns confessam, muitas vezes constrangidos, desinteresse em passeios nos shoppings e casas de amigos devido à carga de atenção e energia que terão que dispor aos seus pequenos”, comenta a psicóloga.





Conforme Jaqueline Bifano, o burnout parental traz várias e sérias consequências para a vida de pais e filhos. “Devido à condição de extremo estresse, os pais podem sofrer uma exaustão emocional, distanciamento (como se estivessem cuidando dos filhos no modo automático) e perda de realização parental. Tudo isso pode gerar uma negligência no cuidado com os filhos, além de agressões verbais, psicológicas ou físicas nas crianças, mesmo sem perceber o que está sendo feito. Vira um efeito dominó.”

“Todos na casa são afetados pela condição em algum momento. Por isso, a importância em entender os sinais e procurar ajuda especializada”, afirma a psiquiatra.

AJUDA 

A psiquiatra alerta para a importância de entender os sinais e procurar ajuda especializada. “É o especialista quem vai analisar quais os métodos e possíveis tratamentos para cada caso. Até porque, além de queixas somáticas, distúrbios de sono e comportamentos viciantes, o burnout pode trazer consigo transtornos de ansiedade ou depressão que precisam ser medicados e olhados de perto.”

Marcela Alvarenga avalia que, diante dessa disfunção, é preciso desconstruir internamente e na família a ideia de perfeição paternal. “É importante que a sociedade compreenda que é irreal a proposta de uma educação perfeita. É necessário reconhecer limites e, em especial, compreender e tratar necessidades emocionais daqueles que cuidam.”





Cuidem-se, papais e mamães!

É muito importante se cuidar nesse cenário de burnout parental e adotar hábitos que possam ajudar na criação dos filhos sem danos emocionais e físicos para si e/ou para os pequenos. Confira o que pode ajudar:

» Desconstrua internamente e na família a ideia de perfeição paternal
» Reconheça seus limites
» Compreenda que a paternidade/maternidade é uma função essencial. Porém, entenda que você também é um homem/mulher com outras demandas
» Busque ajuda médica, de amigos, babás e parentes se preciso for
» Registre suas realizações e pequenas conquistas no contexto educacional

Fonte: Marcela Alvarenga, psicóloga
 
*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram

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