Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Você já ouviu falar em transplante de fezes? Entenda como funciona


Transplante de fezes, termo que parece estranho, mas que consiste em um procedimento crucial para melhorar a qualidade de vida de muitas pessoas que tiveram, em razão do uso excessivo de antibióticos, a microbiota intestinal destruída. É o caso, por exemplo, de pacientes autistas e depressivos.



“A premissa do transplante de fezes é retirar todas aquelas bactérias prejudiciais, que foram afetadas pelo uso de remédios, e fazer uma nova colonização com a microbiota boa.” 

É o que explica o farmacêutico, bioquímico e pós-doutor em microbiologia Alessandro Silveira. Mas por que essas bactérias destruídas precisam ser repostas? Antes de mais nada, porque, conforme o especialista, as bactérias boas presentes no organismo são cruciais para o bom funcionamento do sistema imunológico.

Além disso, a microbiota, especificamente, é responsável por formar uma barreira no órgão, que impede a ação de microrganismos nocivos capazes de gerar inflamações e doenças.  

Dessa forma, a alimentação saudável, com restrição de alimentos industrializados e ultraprocessados ou ricos em açúcar, é um dos fatores-chave para alimentar as bactérias boas do organismo, que contribuem para a promoção de saúde.

Entretanto, alimentar-se de maneira adequada e mudar hábitos de vida – ter bom sono, praticar exercícios físicos, evitar quadros de estresse, entre outros – exige alterações, muitas vezes, “radicais” e leva algum tempo para que a colonização por bactérias adequadas seja feita.  

Nesses casos, o transplante de fezes é o mais indicado. “Quando você faz o transplante de microbiota intestinal, essa mudança é instantânea e, com a melhora da microbiota, a pessoa pode adquirir hábitos mais saudáveis, principalmente hábitos alimentares. Isso porque os hábitos alimentares estão associados com perfis de microrganismos que temos no intestino, o que é uma via de mão dupla, ou seja, quando você tem uma alimentação rica em alimentos industrializados, cheios de carboidratos e açúcares, você faz com que a microbiota intestinal esteja preparada para receber esse tipo de alimento.” 

“Mas quando você para de utilizar esses alimentos, você sente o desejo de comer. E por que acontece isso? Porque a microbiota e os microrganismos estão lá no intestino, eles estão já esperando esse tipo de nutriente. Então, fica muito mais difícil da pessoa mudar hábitos alimentares. Já quando muda a microbiota intestinal, consegue fazer com que a pessoa tenha mais facilidade e possa ser mais engajada nessa mudança de hábitos”, explica Alessandro Silveira. 




 
(foto: Jimenes Comunicação/Divulgação)
 

Esse procedimento é autorizado pelo Ministério da Saúde para tratar infecções por bactéria Clostridioides difficile, que causa a retocolite ulcerativa e que está associada com o uso de antibióticos de amplo espectro por longa duração.

“Quando o paciente tem infecções e não é responsiva ao uso de antibióticos, o transplante de fezes está autorizado. Agora, em outros países, o transplante de fezes tem sido largamente utilizado e estudado para indicações como o autismo, depressão, diabetes, obesidade, doenças crônicas, doenças alérgicas, entre outras. E com bons resultados, mas sempre como tratamento adjuvante.” 

“Ele não deve ser o tratamento único e nem o tratamento principal”, reforça o especialista, que destaca, ainda, que os benefícios são muitos para a qualidade de vida do paciente, já que, conforme ele, todo método capaz de melhorar o funcionamento da microbiota é benéfico. 
 

O TRANSPLANTE 


Antes de tudo, para realizar o procedimento, é necessário encontrar um doador. Ele precisa ter um perfil bacteriano específico. Não à toa, o mais comum é escolher familiares, pois são pessoas cujo histórico de vida é conhecido, ficando mais fácil atestar saúde. Mesmo assim, é preciso provas de uma microbiota saudável.



Alguns questionamentos feitos no momento da escolha do doador são: se nasceu de cesárea ou normal, qual a dieta alimentar, o histórico de doenças e resultados de exames de hepatite, HIV, rotavírus, giardia e outras parasitoses.  

O procedimento, apesar de simples, só pode ser realizado por indicação e sob supervisão médica direta. “É uma maneira rápida, efetiva e natural de trocar a microbiota intestinal. Então, se pega uma pessoa que tem desequilíbrio da microbiota intestinal, tem um intestino que não está funcionando muito bem, e retira toda a microbiota, depois coloca-se as fezes de duas pessoas saudáveis, que são misturadas e diluídas para que possa haver recolonização intestinal por bactérias com perfis mais adequados. Os resultados são imediatos”, explica o especialista. 

Ainda, conforme Alessandro Silveira, “não existe nenhum tipo de intervenção que seja 100% efetiva e que seja 100% isenta de riscos”, porém, há meios de garantir a melhor seguridade do procedimento. “Quando se fala em transplante de fezes, existe um gargalo, que é a segurança biológica. Qual a possibilidade de receber fezes de uma pessoa e nelas conter agente etiológico, microrganismo como bactéria, vírus e protozoário que pode causar danos para a saúde? Sempre vai existir.” 

“O que defendemos é que sejam feitos rigorosos testes para garantir a segurança biológica. E aí podemos traçar um paralelo, que é a transfusão sanguínea, que, hoje, é uma intervenção segura, porém, apesar de segura, ela não é 100%. O que temos é uma segurança muito alta. É só ter um protocolo de quais são os testes que precisam ser realizados para garantir a segurança biológica. Claro que também existe a questão da aplicação, da colonoscopia, que é um procedimento simples e corriqueiro, mas é invasivo, ou seja, existem riscos pequenos. Então, os riscos obviamente existem, mas eles são previsíveis e facilmente contornados.” 

E como se espera que uma pessoa fique após o procedimento? O esperado, conforme Alessandro Silveira, é que o paciente melhore a causa base da doença. “Quando se melhora a função intestinal, se tem todas as consequências positivas decorrentes dessa melhor saúde intestinal. Por isso, o paciente deve melhorar muito. E se a gente pegar, por exemplo, no caso do autismo, a gente não fala em cura, mas em melhora da qualidade de vida, e isso já é maravilhoso.” 

“Portanto, se consegue melhorar toda a manifestação de sintomas e faz com que a pessoa tenha uma vida melhor. Falando de forma geral, muitas vezes, você faz com que essa pessoa não precise mais tomar medicamentos de forma crônica, o que é um resultado maravilhoso. Uma observação importante é que tem que ser analisado caso a caso. Mas, sem dúvida nenhuma, o objetivo é melhorar o quadro daquele paciente para uma doença específica, a qual ele foi indicado para o transplante de fezes”, comenta o farmacêutico.

EM VOGA  


O transplante de fezes é um dos assuntos abordados pelo farmacêutico, bioquímico e pós-doutor em microbiologia em seu livro “O lado bom das bactérias – O poder invisível que fortalece sua defesa natural para ter uma vida mais feliz e longeva”, recém-lançado pela Editora Gente. “No livro de minha autoria, como o próprio nome diz, tento desmistificar a visão que a maioria das pessoas têm das bactérias, pois, de maneira geral, quando se fala em bactérias, as pessoas pensam em doença.” 

“Porém, as bactérias são importantes para nossa saúde, pois são elas que vão ajudar na nossa saúde. É o que abordo em meu livro. A partir de várias histórias pessoais, até como a minha vida foi transformada com o diagnóstico de autismo do meu filho, comecei a estudar e entender que aquelas bactérias que até então estudava como agentes causadores de doenças, na verdade, poderiam ser a chave para ajudar meu filho a ter uma vida melhor. No livro, falo sobre a importância das bactérias para prevenir doenças, como câncer e obesidade, da importância do parto normal e sobre o transplante de fezes.” 

(foto: O lado bom das bactérias/Divulgação)
Segundo ele, o objetivo principal do livro é conscientizar as pessoas sobre o papel delas em sua saúde. “Lembrando, ainda, que o papel do médico e outros profissionais de saúde são essenciais, mas temos responsabilidades de autocuidado, como o que comemos, a qualidade do sono, a forma que lidamos com os problemas, o quanto de água tomamos por dia, entre outros. Tudo isso eu menciono no livro com o objetivo de tentar ajudar as pessoas a melhorar a saúde e qualidade de vida.” 

Alessandro Silveira destaca, por fim, que seu livro tem parceria com a ONG Autismos, que capacita profissionais da educação que atuam com pessoas autistas. Segundo ele, toda a receita do livro, no que tange direitos autorais, será direcionada de maneira definitiva para a ONG Autismos. “Trata-se de uma ação social, na qual cada pessoa que compra o livro está ajudando essa organização que faz um trabalho maravilhoso.” 
 
O livro está disponível para venda na Amazon.  

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram 




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