Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Elaborar o luto é fundamental para seguir a 'nova' vida

(foto: Pixabay)


É preciso haver despedida. É o que afirma Carolina Oliva, psicóloga clínica especialista em luto materno e de famílias. E, em meio à pandemia de COVID-19, até o mesmo o último “adeus” foi negligenciado. “Nesse cenário, a oportunidade de algumas famílias de fazerem um velório ou um enterro, que são importantes para a elaboração do luto, deixou de existir. E quando não temos possibilidade de nos despedir, tudo se torna mais difícil de ser elaborado. A possibilidade de viver um luto patológico é muito maior, porque precisa existir o tempo da despedida, precisa existir esse momento de dizer as últimas palavras para aquela pessoa que se foi.”





Além disso, estratégias de recuperação acabam por ser impossibilitadas neste contexto, uma vez que o toque e o abraço se tornam riscos à saúde e à vida. “Todos nós, enquanto sociedade, temos rituais que fazem parte da cultura e que contribuem para a assimilação da perda em si, para a assimilação dos acontecimentos. Então, para além de as restrições dos velórios influenciarem na forma como se processa a emoção, a impossibilidade de socialização no momento, sem sombra de dúvidas, faz com que as pessoas enlutadas sofram mais, sem um abraço ou afago amigo”, afirma Kelly Pereira Robis.

DOAR AMOR 


Dividir sentimentos no período de luto é como receber um afago e um acalento em um momento de dor. Independentemente de a sensação ser a de que o mundo está desabando, ter alguém com quem compartilhar pode ser reconfortante. Segundo Kelly Robis, é justamente por isso que os grupos de ajuda podem cooperar, e muito, para que a pessoa enlutada encontre abrigo e escuta, a fim de se recuperar emocionalmente. Deparar-se com pessoas que passam ou já passaram pelo mesmo sentimento e pela mesma dor também reconforta, segundo a psicóloga.

É quase um grito de libertação. Um “eu não estou sozinho”. Isso porque, conforme explicado por Kelly, a pessoa que se encontra em situação de luto tende a se isolar por julgar-se ‘chata’ ou monotemática por falar muito da perda. “Assim, ela perde vínculos sociais. E os grupos de apoio podem ser uma forma de identificação com um novo ideal e com o querer ajudar o outro. Essa é uma forma de ser ouvido e ouvir, de falar sobre o seu sofrimento, mas também uma forma de ouvir sobre a experiência do outro e entender como ele superou aquela perda.”




 
 
"O luto é, em geral, um momento no qual podemos nos voltar para nós mesmos, recalibrar as nossas emoções e os nossos pensamentos para que se possam criar estratégias e formas de viver de outra forma, de reassumir a rotina e recriar a nossa vida”
 
Kelly Robis, psiquiatra
 
 
(foto: Rafael Miranda/Divulgação)
 
 
"A possibilidade de viver um luto patológico é muito maior, porque precisa existir o tempo da despedida, precisa existir esse momento de dizer as últimas palavras para aquela pessoa que se foi”
 
Carolina Oliva, psicóloga clínica

A assistente social Tânia Regina Villanoeva Fernandes, de 59 anos, concorda que essa união e compartilhamento entre famílias enlutadas é uma espécie de aconchego. Ela, que já havia experienciado essa rede de apoio ao participar de um grupo de ajuda denominado Apoio a Perdas Irreparáveis (API), atualmente busca ajudar outras pessoas que passam pelo que ela passou há alguns anos com a perda de um de seus filhos. “O Doando Amor nasceu, na verdade, ainda na missa de sétimo dia do meu Daniel.”

“Naquele momento, eu chamei até o altar da igreja todas as mães que haviam passado pela perda de um filho. O altar da igreja lotou. Pedi a elas que me ajudassem, pois sozinha eu não daria conta de enfrentar tamanha dor. Entre idas e vindas em busca de ajuda emocional, psicológica, religiosa e terapia, um dos meus filhos, em sofrimento absurdo, foi morar comigo e nós dois, juntos, começamos a nossa busca por mães que passavam pela mesma situação e as convidamos para o API. E em uma das conversas que tive com outras mães, resolvemos criar um grupo no WhatsApp”, conta.
 
Aos poucos, mães de todo o Brasil se juntaram naquele pequeno espaço de aconchego e mensagens. “Somos várias pessoas juntas com a dor de um amor perdido, mas doando amor é menos dolorido. Juntos, é um pouco menos difícil de continuar. No grupo, falamos a mesma língua, todos os sentimentos são iguais. O nosso cantinho é um lugar de aconchego. Nele, podemos falar sem cobranças das nossas dores. A dor que é física e faz doer os ossos. Dor essa que é latente e chega a ser cruel. E no grupo podemos falar tudo isso, sem sentir medo e obrigação de se sentir bem o tempo todo.”




 

JORNADA MATERNA


A psicóloga Carolina Oliva, sobrevivente do luto do João, em busca de levar mais conforto e informação para mães enlutadas criou, inicialmente, a página Jornada do Luto Materno no Facebook, Instagram e YouTube. Porém, atualmente, ela passou a se identificar como Carol Oliva (@carololiva__) para se aproximar de seus seguidores e para que eles a reconheçam como alguém que enfrenta todos os dias a perda.

“Criei um curso on-line, que se chama jornada de luto, porque o que vivemos faz parte de uma grande jornada, porque o luto não acaba e faz parte da nossa vida, da nossa jornada. Criei o curso com base no que estudei sobre luto, finitude e cuidados paliativos, baseado em evidências científicas e da medicina. Ele ocorre em módulos, como uma sequência de vídeos, para ajudar as mulheres a elaborar melhor a sua história e fazê-las entender o que estão vivendo. É como se eu pegasse na mão daquela mulher virtualmente e com as minhas palavras levasse um pouco de paz para ela e sua família”, conta.

Além disso, Carolina Oliva criou uma comunidade on-line. “A turma troca informações, conversa entre si e expõe sentimentos, emoções e desafios durante a jornada. Eu presenteio as participantes com um diário, o diário do luto materno, no qual elas podem escrever a jornada de luto para entender essa jornada, como a estão trilhando, desabafar e ter esses registros como uma recordação desse momento, porque, lá na frente, a pessoa poderá reler sem que isso a faça mal. Ela apenas verá a pessoa que se tornou quando aceitou a viver o luto”, diz.

*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram




audima