Jornal Estado de Minas

Entrevista

Relação entre irmãos: evolução pessoal

 
As relações entre irmãos caracterizam-se por grandes diferenças individuais na qualidade da relação de cada criança com cada irmão e irmã. Há tanto em jogo, tantas searas e caminhos que, dependo do viés, podem se tornar questões de poder, controle, rivalidade e disputa nos mais diversos campos, dos práticos aos emocionais. A particularidade desta relação é um desafio para os pais no cotidiano, devido à natureza potencialmente emocional. A psicóloga clínica Fernanda Berni fala a respeito do universo desses encontros e da beleza quando nasce uma parceria para a vida.





Por que tem irmãos que se relacionam bem e outros que da infância à vida adulta só divergem? 
Realmente, há irmãos que se relacionam bem e há irmãos que passam a vida inteira em desavença. Há irmãos que são amigos e outros que mal se falam. Há histórias emocionantes de cooperação e parceria, como há tragédias e grandes traições, não só entre irmãos de sangue, mas também entre os adotivos. A origem dessas desavenças pode estar localizada na infância, como ocorre muito, mas pode aparecer em algum momento da vida adulta. Por tradição, e aqui podemos pensar até na história narrada no livro de Gênesis, a relação entre os irmãos tende a ser difícil mesmo. É normal e compreensível que haja certa disputa entre eles. E isso, se não for bem trabalhado, pode evoluir para relações muito complicadas. Um “ciuminho” do irmão mais velho quando nasce o segundo filho é normal. Mas é um sentimento que precisa ser acolhido pelos pais, compreendido e respeitado. E boas conversas, atenção e carinho desde o começo vão fazer com que a situação não se agrave.

A culpa pela rivalidade, ciúme, disputa, será sempre das mães? Mais um peso nas costas das mulheres? E pais que criam filhos sozinhos, podem incorrer no mesmo erro?
Muitas vezes temos o hábito de querer encontrar o “culpado” na situação. Tratando-se de irmãos em conflito, a figura da mãe costuma aparecer como a responsável pela discórdia – ou é ela mesmo que se sente culpada. Mas vamos repensar. Existem mães e “mães”. E mães também são gente. Elas acertam e erram, como qualquer pessoa. Elas tiveram suas mães, que também acertaram e erraram com elas. E assim as famílias vão se formando. Existem também os pais, presentes ou não, pais “solo” ou pais tradicionais. Há todo um sistema familiar que funciona em conjunto. E é importante considerar que a criança pode ter sido criada ou muito influenciada por um parente ou pessoa próxima, que não seja a própria mãe. Também considero importante tentarmos pensar em responsabilidade em vez da culpa, que parece alguma coisa muito rígida, rigorosa demais.

Há irmãos que não vão encontrar afinidade com irmãos de sangue e, sim, com amigos que passam ser irmãos de alma. Como explicar? 
Há sim irmãos que não vão encontrar afinidade com seus irmãos de sangue e sim com amigos, ao longo da vida. Parece que há uma grande expectativa nesse vínculo, não é mesmo? É como se, por serem irmãos, eles tivessem a obrigação de serem próximos. Mas não é um laço sanguíneo ou a criação em comum que irão definir quem se entende melhor com quem. As pessoas são diferentes. Cada um tem seu gosto, suas preferências, seu estilo de vida. Além disso, ser irmão não deixa de ser, também, uma relação interpessoal como outra qualquer. Se tantas vezes a relação pode ser difícil, ter fases complicadas, entre amigos, colegas de trabalho etc., quanto mais entre irmãos que um dia disputaram a atenção e o cuidado dos pais.





No entanto, há lidas relações, de irmãos que também são os melhores amigos.
Acho importante lembrar que, apesar de toda dificuldade “histórica” prevista, apesar da delicadeza desse vínculo, é possível sim ser irmão e ser amigo. É possível, é real. Se por um lado há dificuldades, traumas, brigas (e posso dizer que uma das histórias mais graves de traição com as quais eu tive contato se deu entre irmãos, não necessariamente de sangue), por outro lado há casos lindos de amizade, generosidade, perdão e evolução pessoal.

Como intervir em caso de disputa entre irmãos?

» Promover espaços de convívio e atividades conjuntas que irão reforçar a união entre irmãos e o sentido de pertença à família (jogos de tabuleiro em família, formando equipe com os irmãos).

» Valorizar as diferenças entre irmãos, para que as crianças se sintam bem com as suas características.

» Nunca fazer comparações entre irmãos, pois intensifica as rivalidades e tem consequências negativas na autoestima.





» Quando surgir um conflito, verifique se as crianças conseguem resolvê-lo sem a intervenção do adulto.

» Se interferir no conflito, tente resolver o problema com os seus filhos, e não pelos seus filhos.

» Se optar por intervir como mediador, promover a partilha de pontos de vista e emoções, mantendo-se imparcial e não assumindo o papel de detetive que procura descobrir o “culpado”.

» Ensinar-lhes quatro etapas para resolver conflitos: clarificar o problema, escutar ativamente o outro, procurar diferentes soluções e escolher a que for benéfica para ambas as partes.





» Incentivar os filhos a procurarem estratégias não agressivas de resolução de conflitos. É muito importante que também os pais resolvam os seus conflitos com os filhos sem agressividade, pois é muito provável que os filhos os imitem.

» Dar-lhes espaço: os irmãos partilharem tempo juntos é tão importante quanto poder viver a sua individualidade, estando sozinhos, sozinhos com os pais ou com os amigos.

» Dirigir a sua atenção para as crianças em muitos outros momentos para além das situações de rivalidade. Privilegie dar-lhes atenção nos momentos em que há interações positivas, elogiando a sua capacidade de partilharem brincadeiras e trabalhar em equipe.

Fonte: Sérgio Filipe Pereira – psicólogo em Lisboa e diretor clínico do Instituto de Apoio e Desenvolvimento (ITAD)


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