Jornal Estado de Minas

Mamães sem culpa

Mulheres se desdobram no papel de mãe em tempos de isolamento

“Com o isolamento social, houve a necessidade de conciliar o trabalho com os cuidados da casa e atividades com as crianças. Antes da pandemia, a mulher conseguia se dedicar ao trabalho e dar mais atenção aos filhos, pois podia contar com a ajuda de escolas, creches ou até mesmo ONGs, o que, agora, não é mais possível, visto que as atividades estão suspensas”, é o que diz a psiquiatra Jaqueline Bifano ao comentar sobre a nova realidade de milhares de lares durante a pandemia causada pelo novo coronavírus.





Justamente em função desta nova “vida”, a especialista destaca que a tentativa em conciliar atividades distintas, considerando a necessidade de tal, pode provocar uma acentuação do cansaço, da ansiedade e, também, do sentimento de angústia profunda. Isso porque, segundo a psiquiatra, as mães tendem, além de se esgotarem pela realização de todas as tarefas, a se culparem caso não consigam se dedicar e cumprir 100% dos afazeres, sejam eles domésticos e/ou maternos.
 
Mãe de dois filhos, Márcia Machado recorre à ajuda de terapia para sentir-se bem (foto: Arquivo Pessoal)
“Sinto que estou trabalhando muito mais do que antes, pois a minha rotina, como mulher, mãe e dona de casa, ficou bem mais complicada com as crianças em casa o tempo todo. Além disso, meu filho não está tendo aula, nem mesmo on-line, já que estuda em escola pública. E isso torna a situação ainda mais delicada”, conta a empresária, Marcia Machado, de 40 anos, mãe de dois filhos – Felipe Machado Viana Costa, de 6, e Maria Fernanda Torres Alves, de 21.

Essa sobrecarga, conforme elucidado por Jaqueline, pode desencadear grandes níveis de estresse, o que, consequentemente, pode levar ao aparecimento e/ou agravamento de sintomas psiquiátricos, bem como de transtornos mais graves. Dessa forma, a especialista destaca que quadros de ansiedade, perda de sono, alteração no apetite, irritabilidade, perda de energia, dificuldades para se concentrar, impulsividade e prejuízo nas tomadas de decisões podem ser recorrentes.





“É possível, ainda, que esse estresse mental exacerbado culmine em patologias correlatas ao psicológico humano, como transtornos de ansiedade e depressão, distúrbios alimentares e do sono e déficit de atenção”, explica.

É o que sucedeu a Marcia. Segundo relatos da empresária, apesar de o marido sempre colaborar em alguns momentos, ela assumiu mais responsabilidade do que de costume, o que propiciou um agravamento de seu quadro clínico, já existente, de estresse e ansiedade. “Sinto falta de ter vida social e de um momento somente para mim, como mulher. Sinto-me exausta o tempo todo”, diz.

DESAFIOS 


O isolamento social trouxe desafios também para a maternidade da operadora de loja Daniela Ferreira de Souza Campos, de 25. Mãe solo de Heitor Campos Resende, de 2, ela conta que tem se desdobrado a fim de atender a todas as necessidades do filho, sejam elas pedagógicas e/ou emocionais, o que, segundo relatos da operadora de loja, tem sido um exercício de paciência e empatia.





“Antes da pandemia, eu contava com o auxílio da creche, onde o Heitor ficava em tempo integral. Com o fechamento, me vi responsável por uma demanda pedagógica e recreativa do meu filho. Senti-me sobrecarregada. Além disso, o tempo que ele passava com o pai diminuiu durante o isolamento social, pois as visitas passaram a ser quinzenais, e isso não supre toda a demanda. Então, mesmo querendo que essa minha sobrecarga fosse menor, eu tento fazer o que está ao meu alcance e na minha realidade.”

Nesse cenário, Daniela destaca um fator que lhe faz falta, também como fator facilitador em um momento de sobrecarga e estresse: sair e passear com o filho. “Costumávamos ir ao shopping e fazer atividades de lazer diferentes. Porém, não podemos mais fazer isso, o que faz falta, pois agora preciso suprir essa necessidade de recreação, que toda criança tem, em casa”, pontua.

BEM-ESTAR 

Para amenizar os quadros de estresse, Jaqueline destaca ser importante, principalmente no que tange à maternidade solo, não deixar de lado o bem-estar e sempre fazer o que está ao alcance da mãe, sem muitas cobranças. Outro fator indispensável, segundo a psiquiatra, é o apoio profissional, seja ele de um psicólogo e/ou psiquiatra, mesmo que de forma on-line. 





E é o que Marcia tem feito. “A quarentena nos abalou profundamente. Além da sobrecarga de atividades, estamos mais cansados e intolerantes. Está tudo muito mais difícil desde o início do isolamento social. Por isso, tenho feito terapia, a fim de que consiga dar conta do recado. Tenho recorrido, também, à prática de massagens, com o intuito, assim, de aliviar um pouco toda essa tensão”, conta a empresária.

Daniela também recorreu à terapia, e isso antes mesmo do início da pandemia. “Faço terapia desde a minha gestação, que foi solo, e continuo até hoje. No contexto atual, esse exercício tem sido essencial, como foi durante anos. Isso porque, por meio desse processo, busco manter o equilíbrio das minhas emoções e sentimentos, e entender, também, os meus limites, o que é muito importante, pois a todo instante eles são colocados à prova, principalmente durante este período de maior sobrecarga.”

Outro método usado pela operadora de loja e mãe do Heitor foi o de não se pressionar tanto pela realização das atividades domésticas, diminuindo, assim, uma das muitas pressões exercidas sobre sua rotina. “Tenho tentado não me cobrar tanto quanto à questão doméstica e de manter a casa sempre limpa, porque acredito que as tarefas do lar são, sim, importantes, mas elas podem esperar, porque a atenção maior neste momento tem e precisa ser direcionada para o meu filho”, comenta Daniela.





Ainda de acordo com Jaqueline, outra recomendação é o compartilhamento de experiências com outras mães, para que, assim, a mulher entenda que não está sozinha e que outras pessoas passam pela mesma situação, podendo, inclusive, conhecer maneiras mais eficazes de lidar com a sobrecarga das tarefas.

“Procurar relaxar é essencial, e uma boa maneira de fazer isso é exercitar durante o dia e/ou praticar meditação, procurando manter corpo e mente em ordem. Além disso, é interessante fazer pausas no decorrer do dia, estabelecer horários e criar uma rotina para que a criança entenda quando é hora de trabalho. A mãe também pode delimitar um espaço de trabalho só dela, mesmo que seja apenas uma mesa em determinado cômodo da casa”, recomenda a psiquiatra.

Cuide-se!

Torne a sua rotina mais agradável e sem estresse:

» Tente relaxar se exercitando durante o dia. Meditação é uma boa opção
» Crie uma rotina e estabeleça horários
» Faça pausas durante o dia
» Estabeleça locais de trabalho
» Troque experiências com outras mães
» Procure ajuda especializada

Fonte: Jaqueline Bifano, psiquiatra 
 
*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram




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