Jornal Estado de Minas

COVID-19

Coronavírus: cloroquina e determinações federais. Entenda os riscos

 
Desde o surgimento do novo coronavírus, em dezembro de 2019, cerca de 226 estudos relacionados ao tratamento da doença à base de hidroxicloroquina ou cloroquina foram publicados. Um deles, divulgado em 7 de maio, no New England Journal of Medicine, foi realizado com 1.446 pacientes e, ao não apresentar resultados promissores, culminou na retirada dos medicamentos de vários protocolos de tratamento dos Estados Unidos. 





Outro estudo, este feito em Manaus e publicado na JAMA, foi interrompido devido à alta mortalidade associada a pacientes que receberam uma dose maior dos medicamentos. Índice esse em torno de 39%. Em pacientes que receberam uma quantidade menor dos fármacos, essa taxa teve queda, registrando 15% de óbitos. 

Tércio de Campos, cirurgião do trauma e persistente da Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT), afirma que, mesmo com resultados adversos, há lógica na continuidade de pesquisas e avaliações da hidroxicloroquina ou cloroquina no tratamento de casos de COVID-19

Isso porque, segundo ele, estudos in-vitro, observações epidemiológicas, experiências individuais e os mecanismos de ação do remédio apresentam coerência científica sobre o assunto. 





Campos explica que a cloroquina, criada em 1934, foi amplamente usada na prevenção e tratamento da malária, além de doenças autoimunes como a artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. “Já a hidroxicloroquina surgiu em 1955, com ação similar e relatos de menos efeitos colaterais.” 

O cirurgião destaca, ainda, que o principal mecanismo de ação desses medicamentos no organismo se dá na atividade imunomodulatória, por meio da atenuação de enzimas, possibilitando o controle de processos inflamatórios intensos. E, ressalta que a considerar este efeito, o uso do fármaco para combater a COVID-19 começou a ser estudado. 

“Os resultados positivos do uso desses remédios no tratamento de outras doenças, como a malária, além de experimentos em laboratório e relatos de impressões pessoais de profissionais da área da saúde fizeram com que houvesse uma expectativa em torno dessas drogas na contenção do novo coronavírus.” 

Efeitos colaterais 


Uma das discussões em torno do uso ou não da hidroxicloroquina ou cloroquina no tratamento de casos de COVID-19 se dá em torno dos efeitos colaterais do remédio. Muitos deles considerados graves. Por isso, Campos ressalta que é preciso cautela

“O efeito adverso mais sério é a arritmia. Esta droga provoca alterações na condução de estímulos normais no coração, fazendo com que pessoas que tenham arritmia prévia, cardiopatias e doenças do coração possam ter piora de suas condições, provocando arritmias mais graves ou até mesmo a morte.” 

O cirurgião destaca, também, que muitos desses pacientes são idosos, o que propicia o aumento do risco. Além disso, Campos ressalta que ao ministrar doses desses remédios e associá-los a outros medicamentos, como azitromicina, tamoxifen e outros fármacos utilizados no tratamento de diabetes, essa arritmia pode, inclusive, se tornar frequente





“Outros efeitos relatados são retinopatias, podendo causar problemas de visão, sintomas digestivos, entre outros. Uma avaliação médica cuidadosa é importante antes de prescrever essas drogas, do mesmo modo como foi feito ao se tratar a malária e outras doenças autoimunes com esses medicamentos.” 


Determinações políticas 


Para Campos, o maior transtorno diz respeito às medidas governamentais quanto ao uso da hidroxicloroquina ou cloroquina do tratamento da doença causada pelo novo coronavírus e não ao uso do remédio em si. Pois este pode ser um medicamento prescrito por algumas bases médicas ao avaliar certos casos, mas a imposição federal quanto a isso preocupa

Tércio De Campos é médico, cirurgião do trauma e presidente da Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT) (foto: Arquivo pessoal)
“O problema da medida federal é o modo político com que ela foi realizada. Não é razoável um governante estabelecer como deve ser o tratamento de determinada doença. O que um líder preocupado com a população deveria fazer é chamar as maiores autoridades de saúde do país para estabelecerem o melhor tratamento disponível no momento.” 

O cirurgião comenta que, constantemente, durante o exercício de Luiz Henrique Mandetta como ministro da Saúde, as sociedades médicas eram consultadas para que as melhores práticas e métodos fossem informados à população. No entanto, Campos afirma que o modo como este momento tem sido conduzido pelo atual governo aponta para o uso do remédio de modo político.  

“Isso é muito perigoso para a população. E, além disso, existe o problema relacionado aos pacientes poderem, de alguma maneira, exigir a prescrição dessas drogas, o que pode causar problemas no relacionamento médico-paciente e constrangimentos em decisões médicas. Cria-se, então, uma situação atípica em como a medicina deve ser exercida.” 

* Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram