Jornal Estado de Minas

Desejo na terceira idade existe e precisa ser encarado de forma natural

 
Sexo. Palavra que causa sensações diversas em muita gente. Alguns encaram o assunto com naturalidade, outros como poesia, mas também há aqueles que ficam envergonhados ou agem com desdém só de ouvi-la. Se um ato causa tantas divergências, imagine quando a palavra se mistura com faixas etárias. Sexo na terceira idade? Isso existe? É pecado só de pensar? Quase ninguém fala sobre o assunto, mas é importante começar a falar mais abertamente sobre os cuidados e os benefícios de se manter na ativa depois da maturidade. “O desejo existe enquanto há vida e pode ser (re)descoberto e vivenciado em qualquer idade”, frisa a geriatra Cláudia Caciquinho. Viver a sexualidade em seu aspecto amplo melhora a autoestima, o bem-estar, a qualidade de vida e a saúde.




 
A médica acredita que o estereótipo do idoso isolado, pouco ativo, não atraente fisicamente, assexuado ou incapaz de sentir algum estímulo sexual ainda está no imaginário social e, muitas vezes, o próprio idoso acredita nisso. “Essa ideia, a ausência de informação e a noção de que sexo seja restrito à genitália e à procriação dificultam a aceitação da sexualidade no envelhecer. Assim, ele se sente desconfortável para lidar com o assunto”, explica
 
A geriatra Cláudia Caciquinho alerta para o risco de doenças venéreas nessa faixa etária, com o aumento da atividade social do idoso, que não se habituou a usar preservativo (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
 
 
A sexualidade, como conta a geriatra, é construída ao longo da vida, desde a infância, e engloba a história, sociedade, cultura e aspectos individuais de cada um. “Portanto, para viver bem a sexualidade é preciso que a pessoa esteja com a saúde adequadamente cuidada, que esteja bem na sua totalidade e que tenha afeto pelo outro e por si própria. Ter afeto é ser afetado por. É preciso que seja algo emocionalmente bom”, diz.
 
Na comédia original da Netflix Grace e Frankie, a velhice ganha um tom cômico e autêntico. As atrizes veteranas Jane Fonda (Gracie), de 81 anos, e Lily Tomlin (Frankie), de 80, têm suas vidas viradas de cabeça para baixo ao se divorciar após seus maridos revelarem que vivem um relacionamento homoafetivo há mais de 20 anos. A notícia cai como uma bomba para as duas, que se veem obrigadas a redescobrir a vida. Nas aventuras, as personagens transam, reforçam relações de amizade, enchem a cara, fumam maconha, têm frio na barriga em encontros com novos paqueras e viram empresárias do mercado erótico, ao fornecer vibradores para mulheres maduras. Tudo para desvencilhar a ideia de que a terceira idade é uma época de tédio.

SEM TABUS Na nova novela A dona do pedaço, da Rede Globo, há também um triângulo amoroso entre os personagens das atrizes Suely Franco, de 79, Nívea Maria, de 72, e do ator Ary Fontoura, de 86. Uma comédia romântica, que valoriza as tensões e sentimentos, independentemente da idade. Mas não é só na ficção que as pessoas estão abertas a enxergar a vida sem tabus. A professora aposentada Maria das Graças Ferrari de Carvalho, de 71, é uma dessas mulheres de fibra, que veem na maturidade uma oportunidade de aproveitar cada vez mais. Sexo? É visto com naturalidade por ela. “Faz parte da vida da gente. Quando não falamos sobre isso e nos tornamos polidos demais, a gente acaba virando refém dos nossos próprios sentimentos. Mas precisamos estar bem com a gente para depois levar essas sensações para o outro”, ensina.




 
 
 
A aposentada é casada há quase 50 anos com o policial civil aposentado Fernando Ferrari, de 75. Ela conta que estar há tanto tempo com o marido se deve ao fato de manter o diálogo sempre em dia. A mudança no corpo, a passagem pela menopausa, a falta de libido fazem parte da vida de um casal mais velho, mas esses processos ajudam na construção da união afetiva. “A gente conversa e aprende a lidar de uma maneira menos dramática. Uma perda de ereção ou dificuldade para a mulher é normal e pode ocorrer. A gente tem que ter consciência de que amor é muito mais que sexo. É claro que é bom, mas a relação tem que ter qualidade e não quantidade. Não dá pra fazer sexo todos os dias da semana, já passou essa época”, pontua. Para ela, é preciso valorizar nossos corpos e desenvolver a autoestima. “A gente envelhece, temos que nos manter ativos e lidar com os prazeres de forma natural e com consciência”, conclui.


LIBIDO


A geriatra Cláudia Caciquinho afirma que, quanto à ereção, sua qualidade é reduzida a partir dos 45 anos, de forma mais intensa nos homens que não cuidaram adequadamente de doenças comuns, como diabetes e pressão alta, ou não deram atenção adequada a fatores de risco, como tabagismo, sobrepeso, estresse e falta de atividade física. Essas questões afetam tanto o homem quanto a mulher. Porém, é vista com mais barreiras pelos homens, por causa da construção social institucionalizada da virilidade advinda dele. Por isso, muitos acabam contando com a ajuda do 'azulzinho'. “Os medicamentos que auxiliam a ereção são eficazes, mas se o paciente tiver doença cardiovascular importante, seu uso pode desencadear eventos cardíacos e até matar.
 
 
 
O seguro é consultar o médico antes de usá-los”, adverte. A mulher também é afetada por essas questões sociais, assim como por suas crenças e por suas vivências socioculturais. “Nela, esses fatores permeiam a libido e a excitação, que ocorrem em círculos, e não em uma sequência linear, como no homem”, pondera. Outra situação é sobre a menopausa, já que exerce um impacto muito grande sobre a sexualidade da mulher, como conta Cláudia Caciquinho. “A ausência do estrógeno gera ressecamento vaginal e ela pode, consequentemente, sentir dor na relação sexual”, exemplifica. Os lubrificantes vaginais são úteis para evitar essa dor e resgatar o prazer. “A reposição hormonal também resolve esse ressecamento, mas traz riscos e, por isso, precisa ser usada sob orientação médica”, aconselha. 






ALERTA


De acordo com Cláudia Caciquinho, não existem cuidados específicos para o idoso. Apenas os mesmos que valem para qualquer idade, principalmente o uso dos preservativos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, cerca de 4% a 5% da população acima de 65 anos apresentam alguma doença transmitida sexualmente. “O idoso de hoje iniciou a vida sexual quando não se falava tanto da necessidade do preservativo: não se habituou a usá-lo. Agora, quando as diversas medicações possibilitaram um aumento da atividade social do idoso, tem aumentado a ocorrência de doenças venéreas, como sífilis e HIV, nessa faixa etária. Precisamos alertar para esse risco”, aponta.

* Estagiário sob a supervisão 
da subeditora Elizabeth Colares


 

Palavra de especialista 



Rita reis ferreira, psiquiatra do Programa Terceira Idade, do Instituto de Psiquiatria (Ipq)do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP)
 

Carinho é imprescindível

 
“A sexualidade foi um tabu durante muitos anos. Acostumamo-nos a não falar sobre isso e a negar que ela faz parte da nossa vida saudável em qualquer fase. Assim, nossos pais e avós foram considerados por nós assexuados. Também as manifestações de carinho, não só o ato sexual, são, muitas vezes, parte da sexualidade. O ato sexual genital não substitui o beijo, o abraço, mas o carinho pode compensar quando o sexo genital não for possível. A sexualidade não desaparece com o passar do tempo. As pessoas se conhecem mais, conhecem melhor o parceiro e tudo pode ficar mais fácil. É importante, para tal, que as pessoas aceitem envelhecer, aceitem as mudanças físicas e estéticas da velhice, sem comprometer a autoestima e propiciando maior plenitude às vivências. O carinho é imprescindível na vida. Entre companheiros, o toque, o beijo, o abraço, além de manifestar sensualidade, supre o parceiro de afeto e compreensão, sendo tão importantes quanto o ato sexual em si. Os idosos de hoje procuram viver com qualidade. Isso implica exercício pleno das capacidades física e intelectual. A sexualidade é uma parte da vida e sempre pode ser exercida conforme a capacidade de cada um. Os homens que hoje têm mais de 65 anos ainda foram vítimas da educação machista, em que as manifestações de afeto não eram bem-vistas e nem sequer estimuladas, têm mais dificuldades de manifestar suas emoções. Já às mulheres isso sempre foi permitido, enquanto as manifestações da sexualidade eram reprimidas. Enfim, isso vem mudando e as pessoas poderão envelhecer com menos preconceitos
 
(foto: Ágora/Reprodução)
 
Livro: Velhice – Uma nova paisagem
Autora: Maria Célia de Abreu
Editora Ágora, 153 páginas, R$ 32,49
A psicóloga propõe, neste livro, transformar visões e ideias preconcebidas a respeito do idoso. Partindo de estudos teóricos sobre a psicologia do envelhecimento e de vivências colhidas em grupos de estudos, ela propõe que a vida passe a ser encarada como uma estrada, que percorre diversas paisagens diferentes – nem melhores nem piores que as outras. Com exercícios de conscientização e exemplos práticos, a autora discorre sobre inúmeros assuntos pertinentes à velhice, como corpo, sexualidade, memória, perdas, luto e depressão.
 
 




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