Não é só um ataque de fofura. Quando uma criança está perto de um animal, não é apenas diversão ou um instante de prazer. Já é cientificamente atestado que, na hora em que o pequeno interage com algum bichinho, muita coisa ocorre. É, antes de tudo, um aprendizado. A garotada percebe como é ser alguém mais bem resolvido, que respeita para ser respeitado, que enxerga e reconhece a existência do outro, o espaço alheio. Também desenvolve emoções de afeto, lealdade, carinho, cumplicidade e amor. Pelo ponto de vista fisiológico, os guris estão até mesmo desenvolvendo anticorpos que serão proteção para doenças contagiosas. Conviver com animais é uma lição de saúde, mas também de qualidade de vida. Em outro aspecto, ajuda até no entendimento sobre viver e morrer.
O cachorro, o gato, o passarinho, o peixe, a tartaruga, o coelho, o hamster, ou qualquer outro mascote. É na experiência com eles que as crianças conseguem compreender o ciclo da existência: gestação, nascimento, os primeiros passos, a doença e a morte. Com o intervalo de sobrevivência menor que o dos seres humanos, os animais são fontes inesgotáveis de saber. "Dessa relação podem brotar sentimentos como a frustração, a alegria e também a autonomia", observa o pediatra Sérgio Crestana. "Ao lidar com os animais, a criança projeta os cuidados que os pais têm com ela. Ela vai trazer isso para seu 'teatro interno', para a organização do psiquismo. É o que elas fazem com as bonecas e com os brinquedos, só que o animal vai reagir, e esse contato traz novas experiências", explica o médico.
Na casa da designer de interiores Flavi Pereira tem cachorro, pássaro e peixe... e carinho, atenção e companheirismo – ela sempre gostou de animais de estimação. Flavi tem o filho Lucca, de 2 anos e, para ela, estar junto aos bichos é bom até mesmo para a criação do pequeno. A designer completa sete anos de casamento e o simpático yorkshire Jimmy foi um presente de seu marido à época. Ela brinca que o cão é seu primeiro herdeiro. "Ele é tranquilo, parceiro, amoroso, brincalhão, extremamente sociável. Fica irritado só quando pegam sua bolinha de brinquedo", conta.
Jimmy convive bem com outra estrela da casa, a lulu-da-pomerânia Channel, de 2. Flavi e o marido são donos ainda da calopsita Cacau, de 8, do canário belga Tonico, na família há mais de um ano, e do peixe Chico, de 2. Flavi conta que Lucca, Jimmy e Channel são grandes amigos. Afinal, convivem desde que o garoto era bebê. Quando o menino está no berço ou no cercadinho, o yorkshire fica ao lado. Lucca não costuma acordar cedo e o cão deita perto até ele acordar – na hora do cochilo à tarde, a mesma coisa. A rotina de Lucca é igual à dos cães. Correm, se divertem, passeiam juntos, vão a praças, parques, sítios e gostam também de viajar. "Lucca e eles são camaradas. Meu filho nunca fica sozinho, os cães estão sempre ali. É uma relação de irmãos", diz a designer.
A calopsita Cacau já era uma das habitantes da casa de Flavi antes de o filho vir ao mundo. Sempre circulou solta pelos cômodos. O menino, aos poucos, foi se acostumando e, hoje, se dão muito bem. “Ela é um pouco arisca com o Lucca, mas ele nunca teve medo. Acha engraçado”, conta. Com o pássaro Tonico, Lucca aprendeu a oferecer comida, saber o horário e o que ele come, e percebe que tem hábitos diferentes. Já o peixe betta Chico cresceu junto ao garoto e hoje é o único animal que fica em seu quarto. Foi um agrado do pai quando Lucca nasceu. “O Lucca gosta, acha curioso, observa ele nadando. Quando vê peixes na televisão, acha que é o dele”, diz Flavi. “Com todos os bichinhos, é uma proximidade que estimula o senso de responsabilidade, a noção de respeito às diferenças, o desenvolvimento cognitivo, partindo de todos os pontos positivos de um amor incondicional”, acrescenta.
RESPONSABILIDADE
Esse é um elo que propicia compreensão melhor do mundo. "Com os animais, a criança consegue exercer um papel diferente. Ela se torna cuidadora, responsável. Vai expressar talentos que muitas vezes na família não é possível porque, nesse caso, é ela quem precisa de cuidado", pontua Ceres Berger Faraco, veterinária e doutora em psicologia. Essa relação tem impactos imediatos na autoestima dos pequenos, que passam a se considerar importantes. "Se você pede para uma criança pequena trazer um potinho de água para o animal, ela vai fazer isso com seriedade, como se fosse uma joia rara", exemplifica a veterinária.
O diálogo íntimo que se molda entre uma criança e um animal de estimação pode mesmo fazer milagres. Além do senso de responsabilidade e a afetividade, entre os benefícios estão a redução da ansiedade, o fortalecimento da autoconfiança e o aprimoramento de habilidades sociais. "Isso implica reconhecimento do sentimento do outro. Os animais têm uma resposta clara para isso. Se sou hostil ou ameaçador, ele foge. Se sou delicado e carinhoso, ele se aproxima. O animal não disfarça, o que faz com que a criança tenha uma noção mais clara das consequências de seus atos. Desenvolve a empatia de entender o que o outro sente. Violência, agressão e egoísmo nascem dessa incapacidade de reconhecer que o que eu faço é ruim para a outra pessoa", acrescenta Ceres Faraco.