Qual a importância em ter uma boa relação com a comida? O psiquiatra Adriano Simões Coelho afirma que é fundamental porque ela é ancestral, uma relação da qual não podemos fugir e que a cada dia está mais cercada de mitos e medos. “Durante séculos, a humanidade começava o dia pensando o que conseguiria para comer e se teria comida disponível. Hoje, boa parte da população mundial acorda pensando no que deve evitar comer ou o que supõe que não deveria comer. Em determinada fase, principalmente em famílias que tinham disponibilidade de alimentos e viviam ao redor de um núcleo familiar, reuniam-se ao redor da mesa para compartilhar suas vidas, o cotidiano e outras questões. Os alimentos faziam parte daquele processo de comunhão, o tempo que as pessoas usavam para se nutrir era também o tempo em que a família se reunia.”
Isso ocorreu em grande parte do século 20 e mais significativamente a partir dos anos 50, principalmente, nas famílias mais abastadas dos grandes centros, com o uso de produtos mais frescos, encontrados nas feiras e menos industrializados. No entanto, explica Adriano Simões Coelho, nessa mesma época verifica-se uma grande evolução na tecnologia alimentar e aumento progressivo na disponibilidade de alimentos, cada vez mais processados e ultraprocessados. Ocorre também uma demonização do uso da gordura animal e o aumento da disponibilidade de alimentos ricos em açúcares e carboidratos em geral. Nos anos posteriores, percebe-se uma explosão de obesidade pelo mundo, tornando-se um problema de saúde pública mais sério do que a subnutrição e a desnutrição, essas mais relegadas a países e regiões com grandes níveis de pobreza e crises políticas e econômicas graves.
Sem falar, destaca o psiquiatra, da aceleração da urbanização surgindo uma vida mais caótica e mudanças nos processos de trabalho.
O alerta de Adriano Simões Coelho é para quando essa relação se torna preocupante e até mesmo uma doença. Isso ocorre “quando passamos a não comer com naturalidade, quando o alimento deixa de ser fonte de prazer e torna-se uma ameaça, no momento em que a pessoa passa a comer não porque está com fome, mas quando a comida serve para aliviar a raiva, frustrações ou trazer conforto para angústia e tristeza. Tudo isso são sinais de alerta”.
EMOCIONAL x MERECIMENTO
Adriano Simões Coelho afirma que a comida afeta o emocional das pessoas de diversas formas, para o bem e para o mal: “Podemos comer e nos sentir culpados, a comida pode nos remeter a momentos felizes e de conforto, pode ser só uma fonte momentânea de prazer, pode fazer parte de um momento cultural ou de uma grande experiência inesquecível. A verdade é que da comida não escapamos, sem ela não existimos e, por isso, temos que ter com ela a relação mais saudável e prazerosa possível”.
Na análise do psiquiatra, vale questionar por que o comfort food ganhou relevância nos dias de hoje: “Talvez o mais triste é ele ter tanta importância. O que demonstra certo distanciamento das origens e que, de certa forma, algo que poderia ser natural retorna muitas vezes para preencher vazios. E daí já se criam categorias que remetem ora a tempos bem vividos, que parecem falar de algo que já não se vive mais, ou que é preciso uma certa mudança de rota, de hábitos e até da promoção de facilidades, em busca de um suposto prazer e conforto, um merecimento”.
Na concepção de Adriano Simões Coelho, quando se fala em comfort food, relaciona-se com comida nostálgica, em que há um desejo de manter identidade e vínculos com aquele alimento de sua origem. As comidas de indulgência remetem a algo que conforta e que significa um certo “pé na jaca”, no qual o prazer é o objetivo principal. As comidas de conveniência facilitam a vida pelo seu preparo e obtenção fáceis, e as comidas que causam conforto físico, que a sua composição traz sensações prazerosas e de bem-estar. No final, todos esses parâmetros se misturam e fica difícil fazer uma identificação clara entre eles.
Conforme Adriano Simões, de tanta regra, o prazer de comer tem ficado em segundo plano para milhares de pessoas: “E algumas apresentações desses padrões alimentares remetem a uma certa contemporaneidade do transtorno obsessivo-compulsivo, em que a saúde excessiva e a beleza passam a ser doença. A preocupação patológica com o corpo e com a imagem, a obsessão com alimentos saudáveis, só que em sua maioria sem embasamento algum e muitas vezes orientado por profissionais pouco habilitados ou que atuam de maneira pouco ética. Atitudes que, quando se tornam uma preocupação excessiva, são sinais sugestivos de transtornos psíquicos”.
LUGAR DE AFETO
Para Adriano Simões, entre vários outros problemas, um país e um mundo em que o culto à imagem tomou dimensões patológicas fica cada vez mais difícil perceber equilíbrio e parâmetros saudáveis nos hábitos alimentares e nas preocupações estéticas de parte da população que tem esses valores como parte intrínseca de suas vidas. “Na maioria dos casos, percebem-se exageros, crenças infundadas e equívocos na procura por padrões, em sua maioria, inatingíveis. Em muitos casos com danos significativos para saúde física e mental.”
O alerta de Adriano Simões é que as pessoas precisam usar mais o cérebro para se alimentar melhor. Investir na chamada comida de raiz, aquela que é encontrada na feira: frutas, verduras, vegetais, proteína animal, arroz, feijão, ovos, lácteos etc. “Evitem alimentos muito processados. E não é conveniente posições rígidas, evitar algo pouco saudável, mas que se deseja, não significa não poder comer. Na verdade, a restrição costuma ser o primeiro passo para o desequilíbrio.
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