Velhas estrelas
No meu universo, quatro estrelas resplandecem. Têm luz própria e brilham sem parar. Cada uma do seu jeito, com grandeza e singularidade. São velhas estrelas, que me guiam pela trajetória do meu envelhecer: Amélia Januzzi, Dona Olympia, Efigênia Rolim e Íris Apfel. As duas primeiras já se foram, viraram poeira galática. As outras duas estão entre nós, com 87 e 97 anos, respectivamente, promovendo a ‘Revolução dos Velhos’, porque o envelhecimento populacional vem aí, como um tsunami.
AMÉLIA, A MULHER DE VERDADE
Nunca pintou os cabelos brancos. Aliás, Amélia Lage Januzzi, minha mãe, vibrava quando surgia um novo fio prateado. Mas foi só depois dos 80 que os cabelos lisos e negros ganharam a cor e a textura das nuvens.
Amélia era sábia em suas decisões.
DONA OLYMPIA, A PRECURSORA
Dona Olympia (1889-1976) viveu até os 87 anos, em Ouro Preto, cidade histórica de Minas, hoje patrimônio mundial da humanidade. Sempre sentada na calçada da casa centenária, perto da Igreja do Pilar.
Como definem os historiadores: “Sinhá Olympia revestiu de ternura as pedras das ruas e, de alegria a poesia dos telhados. O barroco solene da contracultura humanizou-se no regaço dessa graciosa senhora. Ela continua viva, sempre, na memória de todos os que tiveram o privilégio de conhecê-la”. Eu tive esse privilégio sagrado de conhecer e me espelhar naquela personagem ancestral, pop, com alegorias que a transformavam numa velha revolucionária.
EFIGÊNIA ROLIM, A RAINHA DO PAPEL DE BALA
Tive a rara oportunidade de conhecer e entrevistar Efigênia Rolim, de 87 anos, mineira de Abre Campo, mas que mora na periferia de Curitiba há 40 anos. Conhecida como a Rainha do Papel de Bala, Efigênia é dessas pessoas que fazem a diferença no mundo. Dessas que vieram para criar o céu na Terra. Foi transformador encontrar Efigênia Rolim, em visita a BH, para lançar o livro A viagem de Efigênia Rolim nas asas do peixe-voador, escrito pela jornalista Dinah Pinheiro. Aos 87 anos, Efigênia canta, inventa e conta histórias, desenha e dá cambalhotas: uma, duas, três vezes, sem reclamar de dor e sem o ranger dos ossos. Pede licença para vestir um de seus figurinos. Volta com um chapéu feito de papel de balas, bombons, fitas, plásticos jogados na rua.
Efigênia faz moda com o lixo. É fashion porque a alma dela é transparente, reluz, reflete e desfila nas passarelas de um mundo melhor. Ela é um exemplo, principalmente para a legião de crianças e jovens que desfrutam da companhia dessa artista popular, que nunca esteve em nenhuma escola, que não frequentou universidade nem fez curso de artes plásticas. Ao contrário. Ela já foi boia-fria, moradora de rua e passou por muitas misérias humanas, que a deixaram mais perto do sagrado. Mas a porta do céu se abriu depois do encontro de Efigênia com um papel de bala, em 1991. Ela estava passando pela Rua XV de Novembro, perto do bondinho, em Curitiba, quando aconteceu. “Eu ia andando despreocupada pela rua quando vi algo brilhando muito. Logo pensei que seria uma esmeralda, uma pedra preciosa de muito valor. Quando toquei o objeto e percebi que se tratava de papel de bala, alguma coisa mudou dentro de mim.” Junto com o papel de bala veio um pé de sandália também encontrada na rua, que ela transformou numa floresta. A partir daí, começou a dar exemplos de salvação do planeta: uso de fibras, de garrafas PET, de bambu e de algodão orgânico. Antes de entender o que era sustentabilidade, ela percebeu que não havia para onde fugir por causa das mudanças climáticas, do aquecimento global, do desperdício – e encontrou no lixo a própria sobrevivência.
Se ela tem alguns parafusos a menos? “Sim”, ela responde prontamente. “Estão faltando dois parafusos na minha cabeça, mas é por esses buraquinhos que entram os raios de luz.” Depois de transformar o papel de bala na pedra preciosa da sua vida, Efigênia permaneceu durante 17 anos na Feira do Poeta, em Curitiba, onde conheceu a jornalista Dinah Ribas Pinheiro, que hoje é uma espécie de anjo da guarda dela. As duas são amigas do coração, irmãs cósmicas.
Efigênia contou como e por que começou a dar cambalhotas. Ela diz ter visto um filme com um chinês de 100 anos dançando balé. Então, pensou que ele não dançava mais com o corpo, mas com o espírito. Passou também a dar cambalhotas com o espírito. Entre uma cambalhota e outra, a Rainha do Papel de Bala conquista todos.
Efigênia é majestade e reina absoluta no meio do lixo reciclado. No poema Ensaio sobre a loucura, ela revela a sua lucidez: “Felicidade não é voar alto, mas ter onde pousar”. E ela tem, porque voa até para dentro da alma da repórter e chega a fazer cócegas com suas asas de anjo. Essa senhora de 87 anos não está salvando só o planeta, mas unge cada um de nós com o envelhecimento ativo.
ÍRIS APFEL, A MENSAGEIRA
Quando anda pelas ruas de Nova York, onde nasceu, há 97 anos, Íris Apfel esbanja estilo. Com roupas coloridas, looks ousados e marcados pela sobreposição, bijuterias extravagantes e elegância devastadora, ela simplesmente arrasa. Não raro, dá autógrafos e posa para fotos a pedido de transeuntes, embasbacados com tamanha personalidade.
Formada em história da arte pela Universidade de Nova York, seguiu carreira como designer de interiores. Casou-se em 1948 com Carl Apfel, já falecido, com quem fundou a Old World Weavers, empresa têxtil que os dois administraram até 1992, quando se aposentaram. Ela foi a responsável pela decoração da Casa Branca durante os mandatos de oito presidentes: Truman, Eisenhower, Nixon, Kennedy, Johnson, Carter, Reagan e Bill Clinton. Viveu e fez história. Desenvolveu uma linha de cosméticos para a canadense M.A.C., foi garota-propaganda da Coach, criou várias linhas de bijuterias (sua paixão!) e colaborou na coleção de vários estilistas famosos. Os óculos pretos, redondos e grandes completam o estilo marcante. As peças do seu guarda-roupa são adquiridas em brechós e em viagens por países exóticos.
Íris, na mitologia grega, era a mensageira dos deuses. A mensagem que ela nos traz é a de uma mulher que está revolucionando o jeito de envelhecer.
Déa Januzzi assina esta coluna quinzenalmente.