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Dona do destino

Ex-moradora de rua e usuária de droga dá a volta por cima e traça outra trajetória. Com força de vontade, ela reconstrói a própria vida com perseverança, trabalho, estudo, amor e família


postado em 27/01/2019 05:08

Maíra Gonçalves Oliveira (C) com a filha Yanca, o filho Riquelmy, a filha mais nova, Maysa, a mãe, Maristela, o marido, José Wonder, e o filho Matheus com a nora Suelen(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )
Maíra Gonçalves Oliveira (C) com a filha Yanca, o filho Riquelmy, a filha mais nova, Maysa, a mãe, Maristela, o marido, José Wonder, e o filho Matheus com a nora Suelen (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )

 

 

 

 







Era para ela ter desistido. Desde criança, conheceu o fundo do poço e foi ao inferno como tantos outros neste país injusto. Mas, mesmo sozinha e sem perspectiva, encontrou força sabe-se lá onde e conquistou o direito de viver dignamente. “Cresci em uma casa de um cômodo, família pobre que não tinha o que comer. Minha mãe, Maristela, fazia faxinas e lavava roupas. O pagamento, muitas das vezes, era um prato de comida dividido entre ela, eu e meu irmão. Dos 11 aos 28 anos, realmente vivi no fundo do poço. Com apenas 11 anos, experimentei cigarro e maconha. Aos 13, thinner, cola de sapateiro, loló e benzina. E, aos 15, cocaína, haxixe e o maldito crack. Entrei em um labirinto que parecia não ter fim. Foram 13 anos de muita dor e sofrimento. Mas, graças a Deus, venci.” O depoimento é de Maíra Gonçalves Oliveira de Souza, de 38 anos, hoje gerente de área no restaurante McDonald’s da Pampulha. Uma mulher destemida, sem medo de lutar e que é exemplo e inspiração para quem não aceitou um destino, a princípio, marcado, e encontrou a mola necessária para transformá-lo.

Barreiras

A origem humilde, as drogas, a violência, a falta de perspectiva de futuro não foram obstáculos para freá-la. Essas barreiras foram combustíveis para mudar uma trajetória decretada para o fracasso. O livre-arbítrio a levou a superar um cenário de pobreza para alcançar a vida que sonhou. Maíra conta que, aos 7 anos, ela e o irmão chegaram a ser levados pelo pai para morar na rua: “Vi meu pai ir embora, se destruir no alcoolismo e a minha família se desintegrar. Guardo cada lembrança dessa época, pois foi a última vez que vi o meu pai. Aliás, a única lembrança que tenho dele como um morador de rua.”

Do núcleo familiar, ela tem como porto seguro a mãe, Maristela: “Minha mãe é deficiente física, tem um problema na perna esquerda. Porém, uma mulher que sempre trabalhou por conta própria, com muita dignidade. Ela é minha referência de garra, dignidade e gosto pelo trabalho. Meu irmão, que foi assassinado, se chamava Rodnei. Ele sempre sonhou em ser jogador de futebol. Aprendi com ele que, para ser um sonhador e tentar realizar um grande sonho, devemos lutar”.

Como ela se reergueu? Maíra conta que sempre quis trabalhar para ajudar a mãe: “Nas ruas, senti de perto o desprezo e o preconceito das pessoas. Sentia-me invisível! Eles me ignoravam, como se eu não estivesse ali, não existisse. E isso foi o que mais me machucou, me doeu enquanto morava na rua. Mais até que o frio e a fome que sentia, do que a dor física quando apanhava (e eu apanhei muito!) e até do abuso e exploração sexual. Claro que havia algumas pessoas boas e solidárias, mas eram exceções. Queria muito ser uma pessoa normal. Preferia morrer que viver como uma escrava do crack... das drogas. Cheguei a pedir a Deus para morrer e acabar com aquele sofrimento. Mas Ele tinha outros planos para mim e me deu forças para vencer”. Sobrevivente, Maíra construiu sua família: “Minha família é tudo para mim, meu porto seguro. É ela quem me dá força para continuar, lutar e vencer. Meu marido, José Wonder, e meus filhos Yanca, Maysa Kiara, Riquelmy e Matheus”.

Aliás, Maíra não só criou e formou a própria família, como assumiu a responsabilidade e adotou seus sobrinhos. “Após a morte do meu irmão, eles pediram para morar comigo. Confesso que foi um susto. Não sabia que gostavam tanto de mim. Tive que passar por um processo de adoção que teve duração de nove meses. Um deles, o Rikelmy, na época, tinha completado 10 anos e hoje está com 14. E o Matheus tinha 12 para 13, hoje faltando alguns dias para completar 18. Nossa relação não é de tia e sobrinhos, mas, sim, de mãe e filhos. Amo-os como se fossem meus.”

Tudo o que conquistou até hoje Maíra enxerga como fruto do seu trabalho, além da força de vontade. “O meu trabalho é a minha vida, sou apaixonada pelo que faço. Trabalhar na Arcos Dourados/McDonald’s, uma empresa que valoriza as pessoas e nos dá oportunidade de construir uma carreira, é minha grande motivação. Já tive duas promoções e espero alcançar o próximo cargo, que é gerente de plantão, com garra, e me preparar para as próximas oportunidades que virão.”

CIDADÃ

O renascimento de Maíra ela deve, única e exclusivamente, a ela. “A sociedade sempre discrimina os dependentes químicos, esquecendo que são pessoas doentes e que precisam de socorro. Não tive ajuda de nenhum centro comunitário ou casa de recuperação, busquei forças em Deus e tive também o apoio da minha mãe para vencer o crack, morando dentro da favela e vendo as pessoas consumirem a droga.”

Outro grande passo de Maíra foi o estudo. Ela se formou em marketing e conta que a educação foi um divisor de águas. “Ela ajudou a me tornar uma cidadã, com maior compreensão sobre meus direitos e deveres. Ela me fez compreender e saber interpretar e contextualizar as informações, contribuindo para melhorar o meu desempenho no ambiente de trabalho. É pela educação que fazemos toda a diferença em meio à sociedade em que vivemos. A graduação na faculdade, com certeza, trouxe grande valor à minha trajetória profissional e pessoal.”

As metas para 2019 estão postas. Entre os planos para 2019 está o de se tornar gerente de plantão, próximo cargo na hierarquia do restaurante. “Quero comprar meu apartamento e cuidar da minha família, que vai crescer este ano. Estou grávida de quatro meses. Vai ser menino, Gabriel, em homenagem ao anjo Gabriel. Em 2018, comprei carro, aprendi a dirigir e tirei carteira. Sou determinada, disciplinada e sempre consigo o que planejo para mim. Com fé, esforço e humildade.”

SORRISO

Ao fazer um balanço da vida, Maíra enfatiza que se sente orgulhosa de ter vivido tudo o que viveu e ter sobrevivido: “Sei que é história para se contar em livro. Sou vitoriosa por tudo que passei e consegui superar, sempre agradecendo a Deus pela oportunidade de viver lúcida, sem abstinências... Livre.” Sem dar conselhos, mas consciente da importância de compartilhar sua trajetória, Maíra afirma que diz às pessoas que se encontram escravizadas pelas drogas que a decisão de consumir ou não é de cada uma. E ressalta que é mentira quando as pessoas dizem que não há mais jeito, “porque tudo é possível ao que crê. Essa força vem de dentro de cada um. O céu e o inferno estão dentro de você. E a salvação não está fora, mas dentro de cada um de nós”.

Não foi fácil. E mesmo com todo o sofrimento por que passou, Maíra está sempre com sorriso: “Sou muito feliz. A felicidade é olhar para o céu, para as coisas simples da vida e valorizá-las por menores e mais básicas que possam parecer. Como ter um prato de comida para saciar a sua fome, ter um teto para te acolher, um cobertor para aquecer, o apoio e o carinho da família para te preencher. E saber que tudo acontece ao seu tempo”.




"A felicidade é olhar para o céu, para as coisas simples da vida e valorizá-las por menores e mais básicas que possam parecer”



. Maíra Gonçalves
Oliveira de Souza,

gerente de restaurante


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