Todos nós temos células com potencial cancerígeno, mas por que somente algumas pessoas se tornam reféns dessa enfermidade? A demanda por tratamentos novos, mais eficazes e menos invasivos da doença tem motivado vários grupos de pesquisadores espalhados pelo mundo. No Brasil, o Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), financiado pelo Instituto Serrapilheira, tenta compreender a função do sistema nervoso periférico, presente em todos os tecidos, durante o desenvolvimento de tumores. “Já sabemos que o sistema nervoso controla diversas funções no nosso organismo, como, por exemplo, os batimentos do coração. Mas será que o sistema nervoso também regula as células tumorais, se vão crescer ou não dentro de nós? E é isso que estamos atualmente descobrindo”, comenta Alexander Birbrair, professor do Departamento de Patologia da UFMG.
O projeto vem identificando os mecanismos pelos quais o crescimento do tumor é regulado pelo sistema nervoso periférico. E, baseado nesses mecanismos, criando maneiras de manipular o sistema periférico para inibir o desenvolvimento tumoral. “Assim, esperamos que, controlando o sistema nervoso periférico, possamos tanto eliminar as células tumorais quanto impedir a sua volta. Acreditamos que essa abordagem poderá levar ao dia em que vamos poder dizer a todos vocês: ‘Todos nós temos células com potencial de formar câncer, no entanto, nenhum de nós se tornará refém dessa doença’”, espera o professor.
Segundo Bisbrair, da mesma forma que o comportamento das pessoas depende do ambiente em que vivem, o comportamento das células de câncer dependem do microambiente em que estão localizadas. “Assim, estudamos o microambiente tecidual em que os tumores se desenvolvem.
Inicialmente, o projeto descobriu que um marcador de células de Schwann – células associadas aos nervos que os protegem – estavam presentes dentro dos tumores. “Essas células, durante o crescimento do tumor, desgrudam dos nervos e vão se associar aos vasos sanguíneos tumorais, tentando impedir o crescimento tumoral.” Outra descoberta foi a presença de vários tipos de nervos dentro dos tumores. “Descobrimos que esses nervos não estão ali passivos, mas têm funções proativas dentro dos tumores, afetando o seu desenvolvimento. Descobrimos tanto nervos simpáticos, parassimpáticos quanto nervos sensoriais infiltrados dentro dos tumores”, explica o pesquisador.
O novo conceito sobre as inervações está em sintonia com uma descoberta, relativamente recente, de que o tumor é muito mais complexo do que parecia, já que cerca de 50% de seus componentes são células cancerígenas. No mesmo ambiente, há também células do sistema imune, como linfócitos, vasos sanguíneos e inervações, o que oferece vasto campo de possíveis alvos para outras formas de tratamento, diferentemente da tradicional estratégia de eliminar somente as células de câncer, sem pensar ou levar em consideração o microambiente tecidual em que as células malignas se encontram.
O microambiente tumoral pode ser muito mais complexo do que antes se pensava, de acordo com a pesquisa. “Agora, estamos avaliando qual a importância das inervações dentro dos tumores.
RELEVÂNCIA
As principais formas de tratamento atuais são quimioterapia e radioterapia, que matam as células cancerígenas. Porém, a estratégia afeta também outras partes do corpo, acarreta diversos efeitos colaterais e causa até mesmo a morte de pacientes. “Se entendermos nos mínimos detalhes a biologia do tumor, vamos ser capazes de criar terapias mais eficientes, reduzindo efeitos colaterais. Por isso, é urgente conhecer os constituintes do microambiente tumoral em que as células de câncer residem. Entender como esses constituintes são afetados possibilitará não só eliminar as células tumorais, mas também impedir a sua volta”, analisa Bisbrair
Sabe-se que o sistema nervoso periférico é essencial para diversas funções fisiológicas no nosso organismo. “Estamos estudando como as inervações e as células associadas a essas interagem e afetam as células tumorais. Assim, esperamos descobrir alvos terapêuticos certeiros para eliminar os tumores, e também consertar o estrago que eles já fizeram no tecido.”
Descobertas principais:
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. Quando se manipula geneticamente (controlamos) esses nervos de dentro do tumor, conseguimos afetar o crescimento tumoral.
.As células associadas aos nervos se desgrudam deles durante o crescimento do tumor e vão se ligar aos vasos sanguíneos que estão dentro do tumor. Essas células ajudam a bloquear o crescimento dos tumores. Por isso, agora estamos injetando essas células dentro dos tumores, para bloquear o desenvolvimento tumoral.
Pontos principais
.Os nervos e as células nervosas estão presentes dentro do câncer de próstata.
.Esses nervos afetam os vasos sanguíneos e também as células doentes (malignas) de dentro do tumor.
.Os próximos passos são descobrir moléculas dentro desses nervos e das células nervosas intratumorais para usá-las como alvos terapêuticos. Isso possibilitará que, por meio de uma droga, consigamos bloquear o crescimento do tumor sem os danos da quimioterapia convencional que temos atualmente, pois não é tão especifica.
enquanto isso...
V..Doença avança
VSegundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a estimativa para o biênio 2018-2019 é de que ocorram 600 mil novos casos de câncer no Brasil para cada ano. Os cânceres de próstata e de mama são os mais frequentes no país.
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