Estado de Minas 90ANOS

A reinvenção do ensino: desafio para educadores, especialistas e alunos

Traçar parâmetros de educação em um mundo em que muitas profissões ainda estão surgindo é um desafio


postado em 18/10/2018 06:00 / atualizado em 18/10/2018 15:35

José María álvarez Pallete, CEO da Telefónica, em conferência internacional sobre o setor: 'Nenhuma outra geração viveu tamanho acúmulo de tecnologia'(foto: Enlighted/Divulgação)
José María álvarez Pallete, CEO da Telefónica, em conferência internacional sobre o setor: 'Nenhuma outra geração viveu tamanho acúmulo de tecnologia' (foto: Enlighted/Divulgação)


Madri – A capacidade de aprender em um mundo onde as novas regras ainda não foram definidas. A nova agenda está posta e, na escola, é mais que urgente a reorganização de parâmetros e de prioridades, para sair de um ambiente ultrapassado que ainda concorre com a era contemporânea. A sala de aula compete com inúmeros recursos e, nesse meio, o professor ganha diversos novos papéis. Nas últimas décadas, o jeito de ensinar e de aprender mudou. Está mais dinâmico e imediato. Mas algo é certo: se no presente já é responsável por um novo modelo de relacionamento, nos próximos anos, terá papel definitivo na construção de uma nova organização de sociedade.

“Nenhuma outra geração viveu um acúmulo de tecnologia e mudanças como estamos vivendo agora. São mudanças exponenciais, e não estamos programados para pensar exponencialmente. Dentro da forma com a qual nos relacionamos e atuamos, é importante estarmos conscientes deste momento e do que ele significa”, afirmou o presidente e CEO da Telefónica, José María Álvarez Pallete, durante o evento “Enlighted: reinventando a educação num mundo digital”, na Espanha, no início do mês. A conferência reuniu especialistas de todo o mundo em educação, tecnologia e inovação para um grande debate sobre os desafios do setor na era digital. O evento ocorreu simultaneamente ao South Summit 2018 e mostrou muito da evolução do setor e da necessidade de novas formas de aprender e ensinar.

Para Pallete, as mudanças estão aí e tratam de algo apenas econômico. É muito mais profundo, disse, comparando o telefone fixo, que levou décadas para ser relevante, e as tecnologias digitais, que têm um impacto maior e são muito mais fáceis de chegar a cada dia a mais pessoas. Segundo ele, não é mais possível fazer a separação entre uma vida digital e analógica.

“Quem pensa que os smartphones fizeram uma revolução precisa entender que temos uma revolução muito mais acelerada que ocorrerá nos próximos anos: a inteligência artificial, que prefiro chamar de inteligência cognitiva”, disse. Só depois de debates que deverão ter o homem como peça central se saberá se é bom ou não o modelo que deve afetar a vida social e já mostra seus impactos em reconhecimentos faciais e de voz, com precisão impressionante. Desde já, fica o alerta: é preciso combinar tecnologia com objetivos sociais.

Nesse contexto, professores digitais, prontos para formar o novo modelo de sociedade considerando aspectos de ética e valores, são fundamentais. Criado o debate mundial, estima-se pouco tempo para gerar as novas condições. “Tudo vai mudar e isso vai ser bom se pegarmos o ponto de que precisamos: novas oportunidades de educação e uma forma de sustentação justa. Estamos falando de formação contínua de cada um de nós, porque nenhum de nós está prontamente preparado. São novas capacidades e responsabilidades, uma nova forma de ter talento. Temos de ser capazes de pôr isso no coração de toda a civilização”, afirmou o presidente da companhia. 

APRENDIZADO 
SEM TRÉGUA A ordem agora não é aprender só em escolas, universidades ou por meio de formação continuada, mas aprender permanentemente, em um contexto em que o conhecimento não dá trégua. “Cada um de nós tem o compromisso pessoal com o conhecimento, com a real informação e de compartilhá-los de forma valiosa. O mundo da inteligência cognitiva vai ser muito melhor se competirmos de forma aberta”, disse José María Álvarez Pallete.

E o que ocorre em sala de aula tem impacto direto no mundo do trabalho, com a criação de novas tecnologias e novas ocupações. Especialistas em sustentabilidade, controladores de drones e muitas outras são algumas das profissões que se anunciam, mas que não sabemos sequer quando serão criadas. Dados do Fórum de Economia Mundial mostram que 54% dos trabalhadores da atualidade terão de aumentar suas habilidades e 65% dos jovens vão trabalhar em áreas que ainda vão ser criadas dentro de cinco a 10 anos.

Para Barbara Oakley, professora da Universidade de Oakland, em Michigan (EUA), as pessoas estão famintas por aprendizado e o desafio da atualidade, no tocante à tecnologia, inclui não apenas os mestres, mas também pais e os próprios estudantes. A presidente da HP Iberia, Helena Herrero, vai além: o aprendizado fará parte sempre das novas gerações, e uma vida de aprendizado contínuo se aplica a empresas e indivíduos. “Todos precisam entender as respostas corretas, não as perguntas corretas. Adaptar-se significa continuar aprendendo”, afirmou.

Por isso, segundo ela, é tão importante mudar de mentalidade e aproveitar o potencial das pessoas, aumentando as capacidades cognitivas. O especialista Nicky van Dam, diretor global de aprendizagem da McKinsey, uma consultoria empresarial norte-americana, considera o tema futuro do trabalho algo muito intrigante. “Os próximos 20 anos são tempos de muitos desafios. Muitas pessoas, incluindo os educadores, não necessariamente se dão conta, mas terão de se reinventar”, avisou.

PROFESSOR: É HORA DE MUDAR O CHIP De detentor absoluto do saber para provocador do conhecimento. Em uma era em que o fenômeno digital não é mais um meio apenas, mas um modo de vida, o protagonismo em sala de aula sai do mestre para o aluno. A tecnologia aparece não como um fim, mas como potencializadora de conhecimento, na visão do diretor-presidente da Fundação Telefônica Vivo do Brasil, Américo Mattar. 


Agora, o aluno muitas vezes chega com as informações prontas. Aos educador cabe o papel de curador das descobertas feitas por meio da tecnologia. “A escola deixa de ser a que ensina para ser a do aluno que aprende. Acabou o papel passivo do aluno de copiar do quadro. Agora, ele participa do processo e não é mais mero espectador.”

No Brasil, a fundação trabalha com inovação educativa na forma de ensinar e aprender. Atua na formação continuada de professores, por meio de novas práticas pedagógicas alinhadas com a tecnologia. Sob essa lógica, todo lugar é lugar de aprender. Assim, além do papel do professor, é preciso pensar em espaços físicos transformados e transformadores, integração da escola à comunidade em que está inserida, mudança de gestão escolar para lidar com o novo modelo e tecnologia não como mera ferramenta, mas como instrumento potencializador do aprendizado.

“O papel do professor continua fundamental e atual, mas, precisa ser reinventado. Nunca encontrei nessas andanças pelo país um professor que não queria ver seu aluno feliz. Porém, não têm ferramentas, têm uma formação que deixa a desejar e não conseguem se desenvolver. Mas se reinventando, se modernizando, continuam sendo tão importantes quanto antes, senão mais”, ressaltou. “O fundamental é parar de ensinar e ajudar o aluno a aprender. É essa a mudança de chip. Os alunos serão mais felizes e haverá um salto na qualidade. Mas, não dá para delegar o papel do aprendizado e o de ensinar à tela do computador. A provocação do professor é fundamental para estimular o aluno. E, assim, o educador passa a ter papel de relevância e respeito”, disse.

Fazer o professor ser curador do conhecimento é um dos papéis do projeto Escola digital, presente em Minas Gerais e em outros 23 estados. Trata-se de uma plataforma digital, na qual 600 professores do Brasil todo assumiram o lugar de verdadeiros cirurgiões do conhecimento, para pinçar da rede assuntos que são tratados de forma séria e correta.

Os conteúdos estão alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Há uma espécie de plataforma-mãe, que pode ser customizada de acordo com o interesse das secretarias de Educação, que avaliam quais prioridades e os enfoques a serem dados a determinada região. São mais de 20 mil conteúdos que vão de como dar aula de física a alunos do ensino médio a trabalho de mestrado. Professores também podem subir conteúdos.


*A repórter viajou a convite da Fundação Telefônica


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