Estado de Minas 90 ANOS

Por que música, teatro e dança levam Minas para o mundo

Música criada em Minas rompe as fronteiras do Brasil, enquanto Corpo e Galpão conquistam respeito para a dança e o teatro do país no exterior


postado em 15/06/2018 06:35 / atualizado em 14/06/2018 19:40

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)

Três grandes momentos marcaram a música popular produzida em Minas Gerais nos últimos 50 anos. Sem nunca se configurar como movimentos, o Clube da Esquina, o rock pesado, que ganhou mundo graças ao Sepultura, e o pop mineiro, com o Skank à frente, têm seus protagonistas na ativa e seguidores de gerações posteriores. A despeito das diferenças (de estilo e de geração), há pontos de convergência entre tais momentos.


Depois de chamar a atenção do Brasil com Travessia durante o 2º Festival Internacional da Canção (FIC), realizado no Rio de Janeiro em 1967, Milton Nascimento lançou quatro LPs. Em janeiro de 1972, veio ao Teatro Marília, em BH, apresentar – pela primeira vez – o repertório de seu quinto álbum. “Serão mostradas as músicas inéditas de Milton com seus parceiros Fernando Brant, Marcinho Borges e Ronaldo Bastos”, anunciou o EM.


Os três shows anteciparam as canções que seriam lançadas dois meses mais tarde. “Meu irmão por adoção e meu afilhado batizado com cerveja num boteco belo-horizontino.” Assim Milton apresentou Lô Borges, seu parceiro no álbum Clube da Esquina, no texto publicado no jornal. O título se refere ao local onde Lô e amigos se reuniam no Bairro Santa Tereza.

Tonho e Cacau, os meninos da capa do icônico disco Clube da Esquina, que o EM encontrou no fim de 2012(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press - 14/3/2012)
Tonho e Cacau, os meninos da capa do icônico disco Clube da Esquina, que o EM encontrou no fim de 2012 (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press - 14/3/2012)

Quarenta anos depois, o EM desvendaria um “mistério” que intrigava fãs do Clube, identificando os dois meninos que apareciam na capa do LP duplo. O álbum sintetizou a produção musical de Milton e dezenas de amigos com harmonias elaboradas, influências do rock e do jazz, presença do regionalismo e latinidade. Um contraponto e tanto para outro estilo que encontraria no mesmo bairro de Santa Tereza sua primeira morada.


Foi em dezembro de 1984 que o Sepultura fez seu show de estreia – um desastre, dada a inexperiência de seus integrantes. A banda era parte do grupo que circulava no underground. Só um pouco mais tarde a grande imprensa prestaria atenção naquela rapaziada. Em 1991, o EM calculou que havia em BH “entre 70 e 100 bandas de heavy metal, incluindo todos os seus subgêneros”. Todos tentando um lugar ao sol, a exemplo dos irmãos Max e Iggor Cavalera, já conhecidos no mercado internacional.


“Esta é a primeira vez na história que um artista brasileiro – e incluídos aí estão monstros sagrados como João Gilberto, Caetano Veloso e Milton Nascimento – consegue tal proeza”, destacou o EM em 1991, referindo-se a Arise, quinto álbum do Sepultura, ocupando o 145º lugar entre os discos mais vendidos nos EUA, de acordo com a parada da Billboard.

É também nessa época que um outro grupo de músicos tentou ir além das montanhas. O Skank, formado em 1990, ganhava a vida tocando em bares. O pulo do gato se deu quando a banda gravou, de forma independente, seu primeiro CD. Mídia em ascensão, o compact disc virou o cartão de apresentação do Skank, que assinou, no início de 1993, contrato com a Sony Music.


Maria Maria, parceria do Corpo com Milton Nascimento e Fernando Brant (foto: Arquivo EM/D.A Press)
Maria Maria, parceria do Corpo com Milton Nascimento e Fernando Brant (foto: Arquivo EM/D.A Press)

“A gente não quer deixar Belo Horizonte. Aqui a gente tem estúdio, uma certa tranquilidade”, afirmou Samuel, em fevereiro de 1993. Vinte e cinco anos depois, o grupo permanece na cidade, assim como outras bandas da geração 90 – Pato Fu, Jota Quest e Tianastácia.

Ainda que sejam esses os três grandes momentos da produção da música popular de Minas, há outros de muita relevância. Em 1958, Pacífico Mascarenhas lançou o LP Um passeio musical, o primeiro disco independente do Brasil. “Era tudo por minha conta: traslado Belo Horizonte-Rio de Janeiro, aluguel de estúdio, despesas de hotel e produção de 1 mil LPs”, contou ele ao EM, em 2013.

Mascarenhas, nunca é demais lembrar, foi o criador, na década de 1960, do projeto Sambacana, responsável pelo lançamento da carreira de

Milton Nascimento, Joyce, Toninho Horta, Eumir Deodato e Wagner Tiso. Está entre os compositores que mais escreveram sobre BH, tal como Gervásio Horta, coautor, com Celso Garcia, de Subir Bahia descer Floresta.

Há pouco mais de 20 anos, Gervásio tomou emprestado os versos de Rômulo Paes (registrados no samba A vida é esta) para homenagear este compositor mineiro, que havia acabado de ganhar um monumento na Rua da Bahia. “Uns atribuem a frase ‘Minha vida é essa, subir Bahia, descer Floresta’ a um lamento de Noel Rosa (que tratou de tuberculose na cidade em 1935). Outros dizem que ela é de Cyro dos Anjos. Quem é o autor? É o Rômulo, pois quem registra é o dono”, resume Gervásio.


Teatro ‘ocupa’ 
as ruas de BH

Em setembro, o Festival Internacional de Teatro (FIT) chega à 14ª edição. Desde 1990, a celebração das artes cênicas mobiliza BH. Artistas transformam ruas, praças e parques em palco. Já faz parte da memória da cidade o cortejo pela Avenida Afonso Pena, em 1994, dos “homens azuis” do grupo francês Générik Vapeur, que retornou à capital em 1997 e 2014. “Foi um encontro explosivo”, revelou o ator Bernard Llopis ao EM.


Bem antes do FIT, o Grupo Galpão, criado em 1982 e pioneiro do festival, já havia seduzido plateias – debaixo de sol, lua ou chuva – para curtir Shakespeare, Carlo Goldoni, Italo Calvino e Molière. A proposta daqueles jovens mineiros era levar teatro para o povo. E levaram mesmo, inclusive em outros países. Arrasaram no Globe Theatre londrino, meca shakespeariana.


Assim como o Galpão, muita gente deu duro para formar público em BH. Nos anos 1950, o pioneiro professor João Ceschiatti instigava a paixão dos jovens pelo palco. Em 1956, surgiu o Teatro Universitário (TU) na antiga Universidade de Minas Gerais (hoje UFMG). Do grupo Teatro Experimental participavam os atores (e agitadores culturais) Jota Dangelo e Carlos Kroeber. Os mestres Haydée Bittencourt, Paula Lima, Klauss Vianna e João Etienne Filho formaram vários talentos. Entre eles, Eid Ribeiro, Jonas Bloch, Wilma Henriques e Priscila Freire.

O teatro mineiro enfrentou a ditadura militar. O EM foi testemunha dessa resistência: Pedro Paulo Cava, dirigindo textos de Brecht e Jaroslav Hasek; o vanguardista Ronaldo Brandão “balançando o coreto” da tradicional família mineira com suas montagens de Brecht, Nelson Rodrigues e Camus. Era um teatro feito “na raça”: nos anos 1970, peças de Jota Dangelo se inspiravam em Jesus Cristo e Tiradentes para falar de opressão e tortura. Criado pelos artistas plásticos Álvaro Apocalypse, Terezinha Veloso e Madu, o Giramundo inovou na área de teatro de bonecos. Cobra Norato (1979), adaptação do poema épico do modernista Raul Bopp, ganhou releitura antológica, registrou o EM. Depois, o grupo se tornaria multimídia e se juntaria a músicos como a banda Pato Fu.


Marcadas pela abertura política e a redemocratização, as décadas de 1980 e 1990 assistiram ao surgimento de trupes que não mediram esforços em conquistar plateias. Experimentaram novas estéticas, organizaram-se em coletivos. Neste século 21, Galpão, Officina Multimédia, Zap 18, Luna Lunera, Armatrux, Teatro Invertido, Suspensa, Quatroloscinco, Primeira Campainha e Espanca! escrevem um novo capítulo das artes cênicas do país.


A cidade 
da dança

BH sempre foi a sede do Grupo Corpo, fundado em 1975. Maria Maria (1976), o espetáculo de estreia, encantou o mundo, assim como as outras 38 criações dos mineiros. Desde então, o EM é testemunha da inquietação do coreógrafo Rodrigo Pederneiras. Em 2017, ele revelou ao jornal ter conversado, num terreiro da capital, com o Tranca-Ruas. Isso se deu durante o processo de criação de Gira, última montagem do Corpo, dedicada a Exu. Aliás, Rodrigo contou que a entidade aprovou – e adorou – a homenagem.


Primeiro Ato, Cia. Mario Nascimento, Camaleão, Mimulus, Adriana Banana, Dudude Herrmann, Marcelo Gabriel e Rui Moreira, entre tantos outros, também fazem de BH a sua “trincheira”, assim como os corpos artísticos do Palácio das Artes, Sesc e Sesiminas. Desde 1996, o mineiro Fórum Internacional de Dança (FID) é referência em reflexão e discussão de novas estéticas.

Desde os anos 1940, o EM acompanha a luta dos artistas da dança. Se o Corpo conquista o mundo, as sementes foram (bem) plantadas pelos pioneiros Carlos Leite (mestre de gerações), Klauss e Angel Vianna, Décio Otero, Ana Lúcia Carvalho, Natália Lessa, Marilene Martins, Dulce Beltrão e Marlene Silva.

 

Os meninos da capa
 
“Era começo de 2012. Um caderno especial seria dedicado aos 40 anos do Clube da Esquina: entrevistas, curiosidades, bastidores, infográfico. Mas faltava a cereja do bolo. O então editor-chefe do EM, Carlos Marcelo, nos pautou: ‘Vamos tentar descobrir a identidade dos dois meninos da capa daquele icônico álbum’. Para muita gente, tratava-se de Milton Nascimento e Lô Borges – um garoto negro e o outro branco. Depois da apuração inicial com artistas que participaram do LP, descobrimos que a foto de Cafi fora tirada numa estrada de Nova Friburgo. Durante quatro dias, eu, o fotógrafo Túlio Santos e o motorista Abílio Josias ‘desbravamos’ os arredores da cidade serrana fluminense. Anunciamos a nossa ‘missão’ em rádios locais, pregamos cartazes. Viramos assunto em Nova Friburgo. E a população nos ajudou. Nunca vou me esquecer da emoção de encontrar os ‘meninos da capa’: José Antônio Rimes, o Tonho, hoje com 53 anos, e Antônio Carlos Rosa de Oliveira, o Cacau, de 54. Difícil dizer se a emoção foi maior para a nossa equipe ou para os dois, que nem sonhavam ter estampado um dos discos mais importantes da MPB. Aquela reportagem, mais que o ‘furo’, revelou histórias de vida escondidas. Histórias que mereciam ser compartilhadas. Esse é o maior prêmio que um repórter pode desejar. Foi a reportagem de maior repercussão e importância da minha carreira. Viva Tonho e Cacau!

ANA CLARA BRANT é repórter do Estado de Minas desde 2011. Publicado em 18 de março de 2012, o “furo” sobre a identidade dos garotos da capa do disco Clube da Esquina teve ampla repercussão no país e também no exterior. Foram milhares de compartilhamentos da reportagem nas redes sociais


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