Estado de Minas

As lições da geração 90

Com nove décadas de vida, mineiros falam de suas realizações e do orgulho de conviver e aprender com as gerações mais novas


postado em 05/03/2018 15:01 / atualizado em 06/03/2018 21:49

(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Os últimos 90 anos passaram tão depressa que eles nem se deram conta. Afinal, ainda têm muito para fazer, ler, trabalhar, divertir e curtir a família. Com nove décadas de vida já completas ou perto de arredondar a idade – a mesma do Estado de Minas, cuja história começou em 7 de março de 1928 –, quatro mineiros, dois homens e duas mulheres, donos de boa memória e coração tranquilo, falam das suas realizações, dos momentos de felicidade e da emoção de ser passageiro do tempo. Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Antônio Belarmino Fonseca, mais conhecido como Totonho, não se esquece da época em que foi ponta-esquerda do time do Santa Cruz, da alegria de jogar na mesma equipe que Nívio Gabrich (1927-1981), craque também do Atlético, Cruzeiro, Bangu, do Rio de Janeiro, e da Seleção Mineira. E a família está sempre entre as prioridades. “Sem ela não se vive.

Sou louco pelos meus netos.” Já no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de Belo Horizonte, Itália Ferreira Ramos, a dona Zuzu, mantém o entusiasmo ao cantar sua música preferida, Último desejo, de Noel Rosa: “Nosso amor/que eu não esqueço/e que teve o seu começo/numa festa de São João...” Aos 20, ela foi cantora de rádio e agora brinca, durante uma partida de buraco: “Minha vida hoje é jogar e cantar”. Certo de que “o próprio tempo se encarrega de mudar o mundo”, José Mendonça Marinho, morador do Bairro Sagrada Família, está atento às notícias e não esconde que a falta de comunicação provoca desequilíbrios em todo canto. Acostumado a andar a pé pela capital, o homem natural de Pará de Minas, na Região Centro-Oeste, é testemunha do crescimento acelerado da metrópole e enaltece as amizades que fez por aqui. “Amo a vida”, resume. E Aparecida Sabino Pimenta, residente num bairro da Região Centro-Sul de BH, faz do seu quintal um reduto de beleza e paz. “Aqui é um paraíso”, afirma a senhora, que também gosta de ler, fazer ginástica e tomar uma cervejinha... de leve.

“O tempo se encarrega de mudar o mundo”
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Das janelas do apartamento, no 10º andar de um prédio da Rua Pitangui, no Bairro Sagrada Família, na Região Leste de Belo Horizonte, José Mendonça Marinho tem diante dos olhos três lados da cidade. Da sala vê a Serra do Curral e parte da Centro-Sul; ao lado, parte do bairro onde mora e do Cidade Nova; e, na área de serviço, o Santa Inês e o Horto. Como se voltasse no tempo, ele se recorda da Praça Sete toda arborizada, com o verde que contornava o famoso Pirulito. “Não peguei o tempo dos bondes. Quando vim para cá, só encontrei os trilhos”, afirma.

A proximidade dos 90 anos não incomoda o bancário aposentado. “Será em 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima”, avisa. Com ótimo humor e agilidade, Marinho conta que “tudo passou muito depressa” e que gosta mesmo é de andar pela rua, conversar com as pessoas. Logo filosofa: “O próprio tempo se encarrega de mudar o mundo”. O grande problema, acredita, está no choque muito forte de ideias e pensamentos, causador de desequilíbrio na comunicação entre os homens. E as crianças, hein? Como já sabem tudo de celular?, comenta o repórter. “O progresso está demais. Meninos e meninas de três anos já sabem tudo”, responde Marinho.

“Não acho que tenho essa idade, não estou conformada”
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Já pensou em morar numa casa com um pequeno jardim e quintal com frutas em plena Região Centro-Sul de Belo Horizonte? Pois a dona de casa Aparecida Sabino Pimenta, que completou 90 anos em novembro, tem esse prazer. E aproveita muito. Numa dessas manhãs, quando a equipe do EM chegou à residência, ela tinha acabado de enrolar biscoito de queijo e acabava de colocar no forno.

Com olhos que mudam de cor conforme a roupa – se for azul, azul; se verde, fica verde –, Aparecida gosta de festejar e não deixou de celebrar os 90 anos ao lado dos seis filhos, 13 netos e seis bisnetos. “Não acho que tenho essa idade, não estou conformada”, revela com todas as letras para depois dizer que gosta de “um vinhozinho, uma cervejinha, mas sempre na dose certa”.

Enquanto os biscoitos estão assando, a senhora, natural de Carmo do Paranaíba, na Região do Alto Paranaíba, conta que faz ginástica duas vezes por semana, incluindo esteira, e cuida muito da saúde. A leitura de livros é outra companhia inseparável no dia a dia. No sofá da sala, Aparecida passa horas mergulhada em romances, o estilo que mais aprecia. Nesse momento, destaca que a melhor forma de levar a vida é não esquentar a cabeça.

‘‘Tudo deve ser útil e agradável, pois a vida passa voando’’
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Os amigos de Antônio Belarmino Fonseca, o Totonho, se surpreenderam – e se encantaram, na mesma medida – ao chegar à festa dos 90 anos do homem de semblante tranquilo, jeito manso de falar e um sorriso quase permanente nos lábios. Depois da missa celebrada na Igreja do Rosário, em Santa Luzia, na Grande BH, a família recebeu os convidados num verdadeiro quintal. Na decoração do espaço ao lado do templo, havia gaiolas (vazias) de passarinho, plantas, ninhos de galinha e objetos de valor afetivo para quem adora a natureza e revive suas lembranças com alegria.

Viúvo há 12 anos de Tereza Gabrich, com quem foi casado por quase 50 anos, Antônio Belarmino mora com a filha Maria Goretti, o genro Márcio e os três netos. “Eles são tudo na vida para mim. Sem família não se vive”, ressalta. Diante da Matriz de Santa Luzia, com o Estado de Minas nas mãos, Totonho não se esquece de conterrâneos que fizeram história no jornalismo, entre eles Geraldo Teixeira da Costa, o Gegê (1913 -1965), que trabalhou no jornal durante 30 anos e se tornou diretor-geral de 1959 a 1965, e Camilo Teixeira da Costa, que foi diretor-executivo e diretor-geral. “O tempo passa voando”, afirma Totonho.

“Vem a lembrança dos amigos, de uma época”
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Na mesa da varanda, a belo-horizontina Itália Ferreira Ramos, conhecida como dona Zuzu, não tira os olhos das cartas de baralho. E vai, com paciência, fazendo sua canastra para bater. “Ela ganha sempre”, confidencia a filha Maria das Graças, eterna parceira no jogo de buraco. “Minha vida, hoje, é jogar, cantar e ficar com a família”, revela a moradora do Bairro Santa Efigênia, na Região Leste da capital.

De família italiana – o sobrenome dos imigrantes que chegaram a Belo Horizonte no início do século é Zocrato –, a matriarca de três gerações, com 10 filhos (“Tive 12”, ressalta), 20 netos e 13 bisnetos, teve um passado distante ligado à arte, mas traz a emoção à flor da pele. E à voz. “Cantei nos programas da Rádio Guarani. Estava com meus 20 anos”, afirma. Como se citasse um verso de uma velha melodia, confessa baixinho, embora sem tristezas. “O tempo passou, os filhos cresceram e a gente fica sozinha. Vem a lembrança dos amigos, de uma época.”

O sonho de se tornar cantora terminou quando Itália conheceu Emílio e se apaixonou perdidamente. Uma foto daqueles tempos está no celular da neta Natália Ramos, de 24. Mas a dona de casa não se arrepende um segundo, pois dali brotou a família.


Publicidade