Estado de Minas

Jornalistas foram olhos e ouvidos dos leitores para a história

Grandes coberturas são o ponto alto do trabalho de toda redação. Em 90 anos, gerações de jornalistas do EM foram olhos e ouvidos dos leitores enquanto a história ocorria


postado em 05/03/2018 14:51 / atualizado em 06/03/2018 22:21

Imagem mostra o rompimento da barragem da Pampulha. Dias antes, o EM noticiava a existência de uma fenda na estrutura de contenção, mas nenhuma providência foi tomada(foto: Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM/D.A Press)
Imagem mostra o rompimento da barragem da Pampulha. Dias antes, o EM noticiava a existência de uma fenda na estrutura de contenção, mas nenhuma providência foi tomada (foto: Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM/D.A Press)

A redação de um grande jornal se faz de doses diárias de adrenalina, emoção e dedicação, em uma guerra diária contra o tempo em busca da precisão. Com frequência esse clima muda, mas não para se tornar mais calmo. Acontecimentos de grande repercussão aumentam ainda mais a tensão, mudam a rotina da equipe, desde a garagem até o parque gráfico, e aguçam o faro e o olhar dos jornalistas. Durante seus 90 anos, a redação do Estado de Minas abrigou gerações que tiveram o desafio e o privilégio de testemunhar a história passando diante dos seus olhos – ainda que algumas vezes sob a forma de balas cruzando o ar.

Em nove décadas, grandes coberturas deram a tônica de uma equipe que retratou situações festivas, como a inauguração da Lagoa da Pampulha, na década de 1940, ou de enorme tensão, como o tiroteio na Praça da Liberdade durante a greve da Polícia Militar, no fim dos anos 1990. Fatos marcantes, mas previstos, como a visita a BH do papa João Paulo II, na década de 1980, ou surpreendentes, como a tragédia de Mariana, em 2015, esses episódios que ganham manchetes antes de virar história exigem agilidade, implicam remanejamento de profissionais de todos os setores e, não raro, trazem a obrigação de refazer em poucas horas o trabalho de dias inteiros. Porém, ao contrário de ser recebidos com desânimo, esses desafios são encarados com garra renovada para retratar aquilo que é a própria razão da existência de um veículo de notícias.

É também pensando nessa missão que o EM investe, ao longo de décadas, em sua vocação para reportagens planejadas, trabalhos de fôlego que revelam aspectos desconhecidos ou mesmo escondidos do cotidiano dos cidadãos. Investimentos como o da próxima série, Montanhas de histórias, que estreia no domingo, depois de escalar alguns dos principais maciços que são a marca do nosso estado, revelando aspectos da geologia, da geografia e de sua relação com os mineiros e os brasileiros. Afinal, a história de um jornal e de seus leitores se faz, sobretudo, de grandes histórias. Relembre a seguir algumas delas, já retratadas nas páginas de mais de 27 mil edições.

Obras e colapso

l Em 1943, o EM estampava em manchete: “Um dia de intensa vibração cívica na capital”, sobre a inauguração da primeira grande obra no estado, a Lagoa da Pampulha, que trouxe a Belo Horizonte o então presidente da República Getúlio Vargas. O episódio mobilizaria todos os repórteres de Cidades, Política e Fotografia. Pouco mais de uma década depois, em 1954, o lago voltaria a ser notícia, dessa vez às pressas. Em 20 de abril, com “Consumou-se o grande desastre na represa da Pampulha”, o EM contava em detalhes o rompimento da barragem, que inundou casas e parte da pista do aeroporto. Uma semana antes do incidente, uma fenda na barragem, acima da pista do terminal da Pampulha, tinha sido detectada e noticiada pelo EM, mas nenhuma providência foi tomada.

Heloísa Pinheiro Miraglia, professora de educação física e ex-atleta, hoje com 81 anos, se lembra bem do dia em que caminhou pelo lago seco do complexo que então era referência no lazer da capital: “A gente acompanhava todo o desenrolar da tragédia do rompimento pelo Estado de Minas. Um dia, quando eu participava de um retiro em uma casa em frente à Casa do Baile, tivemos uma pausa e resolvemos ir até o Iate (Tênis Clube). Para isso, tivemos a ideia de atravessar pelo leito seco. A lagoa não é funda. Para surpresa nossa, devia ter, no máximo, um metro e meio. Fomos e voltamos pelo mesmo caminho”.

A grande catástrofe

l O rompimento da lagoa que marcou a memória de moradores de Belo Horizonte foi o primeiro revés da engenharia em uma capital em crescimento. Décadas mais tarde, o preço do desenvolvimento foi incalculavelmente mais alto. “Na Gameleira, o acidente esperado”, estampava o EM em 1971, testemunhando a maior tragédia ocorrida no estado, quando desabou um pavilhão que vinha sendo construído no bairro da Região Oeste de BH, para abrigar um espaço de cultura e feiras. Dias antes da tragédia, o jornal mostrava que a obra vinha sendo acelerada, para que fosse inaugurada mais rapidamente.

Na época, a cobertura foi feita conjuntamente pelo Estado de Minas, TV Itacolomi e pelo extinto Diário da Tarde. Os repórteres Felippe Drummond e Fialho Pacheco, assim como o cinegrafista Jessido Freire e os fotógrafos Virgilino, Mauro Homem e Antônio Cocenza montaram plantão permanente no local, dando mais dinamismo à cobertura. Odilon Fernandes Heredia, hoje com 80 anos, era servente de pedreiro na época. Havia acabado de almoçar e procurava um lugar para descansar quando houve o estrondo. Acordou no Hospital Santa Rita, com 12 pontos e a cabeça enfaixada. “Contaram-me que eu estava caído, desmaiado, no limite de onde tudo desabou.” Depois disso, Odilon foi aposentado. O pedido de indenização corre na Justiça até hoje. “Nunca julgaram nosso caso”, diz.

Visita ilustre
A visita de João Paulo II a Belo Horizonte, em 1980, parou a cidade(foto: Arquivo EM - 01/02/1980)
A visita de João Paulo II a Belo Horizonte, em 1980, parou a cidade (foto: Arquivo EM - 01/02/1980)

l Era o ano de 1980 e Belo Horizonte se preparava para receber o mais ilustre visitante de sua história. “Papa chega hoje, às 10h25, a BH”, anunciava o EM, em 1º de julho. A jornada de João Paulo II, que desfilou no papamóvel desde a rodoviária até o alto da Avenida Afonso Pena, no Bairro Mangabeiras, foi acompanhada de perto por uma multidão e, claro, por jornalistas do EM. Foram 34 os profissionais envolvidos, em uma cobertura em 12 páginas. Na curta passagem de um dia por Belo Horizonte, o líder da Igreja Católica emocionou a multidão ao saudar o público em português e falar de justiça e do direito dos jovens de lutar por ela.

A missa celebrada aos pés da Serra do Curral deixaria outro legado para a cidade: o local hoje conhecido como Praça do Papa. “O lugar foi se enchendo rapidamente. No final, disseram que havia 800 mil pessoas”, relata Joaquim Pereira da Silva, hoje com 49 anos, contador, que na época tinha 11. “Não perdi um detalhe sequer de João Paulo II na praça. Vi até como ele foi embora. Haviam dito que ele iria de helicóptero. Um aparelho pousou e, quando levantou voo, todos olhavam pra cima e davam adeus. Mas o Papa foi embora de carro, em um Alfa Romeo preto. Ninguém percebeu. Eram 14h. Somente aí a praça começou a esvaziar.”

Democracia adiada

l “Grande comício pelas Diretas hoje, às 17h”, anunciava o Estado de Minas de 24 de fevereiro de 1984. “Diretas levam 200 mil às ruas de BH”, manchetava o jornal no dia seguinte, retratando o comício histórico que tinha como objetivo devolver à população o direito de escolher seus governantes. A cobertura reuniria equipe à altura: repórteres de todas as editorias do EM, à exceção de Esportes. No total, cerca de 60 profissionais estiveram envolvidos no acontecimento, que reuniu uma multidão da Praça Rio Branco (da rodoviária) à Rua da Bahia, no Centro de BH.

A Emenda Dante de Oliveira, que garantiria a eleição pelo voto popular, não passou no Congresso, mas as articulações da oposição prosseguiam. Tancredo Neves acabou eleito indiretamente, mas não completaria a missão de liderar a transição democrática no país. “A nação, órfã, chora por Tancredo”, constatava a manchete de 22 de abril de 1985, anunciando a morte do presidente. Novamente, o EM articulava uma grande cobertura, que começou em 31 de março e se estendeu até depois de 21 de abril, quando Tancredo foi declarado morto. Foram mais de 100 profissionais envolvidos em uma cobertura que incluía Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e São João del-Rei, onde ocorreu o sepultamento.

Do esquadrão ao inferno

l A cobertura policial sempre foi uma marca do EM. Em 1980, por exemplo, a manchete da Editoria de Polícia denunciava a ação do Esquadrão da Morte. “Cravo Vermelho quer mais notícia: ‘Já matamos 100’”. Era uma referência a um dos três grupos de extermínio que agiam em BH – havia ainda o “Mão Branca” e o “Bombril”. Por seis anos, repórteres acompanharam a ação criminosa dos autointitulados “justiceiros”, que matavam acusados, suspeitos ou criminosos foragidos. Já em 1985, a atenção se voltava para outro fenômeno envolvendo o mundo do crime: 33 homicídios em cadeias tornariam pública a “Ciranda da Morte”.

Nela, detentos de unidades superlotadas faziam um sorteio para decidir quem seria executado, como forma de diminuir a superlotação e chamar a atenção da sociedade. A série resultante da cobertura, “Livrai-nos do fogo do inferno”, valeria o Prêmio Esso, Regional Centro-Oeste. Distinguido com o mesmo prêmio, o Caso Alan revelou desmandos da ação policial. “Fugi da polícia antes de ser queimado” foi a manchete de 22 de agosto de 1987, quado o estofador Alan Martins da Costa conseguiu escapar e chegar até a redação para denunciar policiais que ameaçavam matá-lo caso não revelasse o paradeiro de um irmão, acusado de roubo.

Trágica riqueza

l Se a mineração e a siderurgia se tornaram marcas de Minas no cenário econômico, no campo social elas trouxeram imensas cicatrizes. O ano de 1986 marcou o primeiro grande incidente do setor. “Deslizamento de minério mata sete”, descrevia, na capa do EM, o rompimento da barragem da Mina do Fernandinho, em Itabirito, Região Central. Em 2001, “Barragem rompe e cinco pessoas estão desaparecidas” era a manchete que marcava a cobertura sobre o desastre da Mineração Rio Verde, em Nova Lima. Episódios semelhantes se seguiram, mas o pior aconteceria em 2015, quando a barragem da Samarco, em Mariana, estourou e arrasou toda a Bacia do Rio Doce, até o Atlântico, matando 19 pessoas.

Faltava pouco para as 17h de 5 de novembro quando a catástrofe ecoou na redação. Equipes seguiram  imediatamente para a região, enquanto na sede do jornal uma operação de guerra era montada para mudar toda a edição que chegaria a bancas e assinantes. Em tempo real, jornalistas municiavam  portais e redes sociais do EM, filtrando dados desencontrados e levantando informações confiáveis. Os desdobramentos do episódio são acompanhados até a atualidade, em uma cobertura que valeu o reconhecimento de diferentes prêmios.

Ao altar retornarás

l O ano de 2003 foi um divisor de águas no patrimônio cultural de Minas. Naquela época, ação ajuizada pela Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, na Grande Belo Horizonte, com determinação do então juiz da comarca Jair Santana, permitiu que três anjos barrocos fossem retirados de um leilão na capital do Rio de Janeiro e retornassem ao santuário da cidade mineira. Na época, Minas registrava um grande número de roubos a igrejas, capelas e museus, com perda de imagens sacras e outros objetos de fé.

Série de reportagens no Estado de Minas, tendo os anjos do século 18 como referência, deflagrou uma campanha em busca dos bens desaparecidos, o que provocou repercussão nacional. O resultado foi a criação de uma política em Minas, pioneira no país, para resgate do patrimônio desaparecido, preservação de monumentos e restauro de templos coloniais. A proteção de bens históricos motivou também a integração de instituições ligadas aos órgãos de patrimônio em níveis federal, estadual e municipal, além da Igreja, polícias Federal, Militar e Civil, e Ministérios Público Federal e de Minas Gerais. A partir desse trabalho retornaram aos altares centenas de peças. Mas um dos maiores trunfos da campanha e da mobilização foi a conscientização da população e a criação de programas de educação patrimonial.

Abalados pelo fogo

l Em 6 de abril de 1997, uma tragédia abala a cultura mineira. Um incêndio destrói o Grande Teatro do Palácio das Artes, um ícone em Belo Horizonte. Eram 11h40 quando o fogo teve início, a poucos quarteirões da redação do Estado de Minas, então localizada na Rua Goiás, nos Centro. Os bombeiros, apesar do chamado de urgência, demoraram a chegar. Coube a funcionários iniciarem o combate às chamas e salvar o palco, como testemunharam equipes do jornal. O acidente mobilizaria quatro editorias: Cidades, Cultura, Fotografia e Artes, e cerca de 30 profissionais. Além do caderno de 12 páginas, publicado no dia seguinte, o jornal lançaria campanha para recuperar os danos, com a adesão da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

Poucos anos depois, outro incêndio marcaria a história de Belo Horizonte e a cobertura do EM: em 24 de novembro de 2001, a casa de shows Canecão Mineiro, que não tinha alvará para funcionar, pegou fogo depois de uma queima de fogos por uma banda que se apresentava no palco. Sete pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas, em um episódio que mobilizaria a redação desde a madrugada em que ocorreu a tragédia e na longa lista de vistorias que se seguiam ao incidente.

Furacão Hilda

l Do talento de Roberto Drummond para as telas de televisão, onde se tornaria minissérie de sucesso, e delas para as páginas do Estado de Minas, depois de muita investigação. Se o escritor romanceou a vida de Hilda Furacão na zona boêmia da Belo Horizonte dos anos 1950, foi nas páginas do EM que apareceu a verdadeira trajetória da mulher que fez fama na noite da capital. Tudo começou com uma foto que retratava o casal Paulinho Valentim – ex-jogador do Atlético, do Botafogo, da Seleção Brasileira, do Boca Juniors (Argentina) e do Atlanta (México) – e Hilda Maia, ex-prostituta de BH com quem se casou.

 A imagem dos dois no apartamento em que viviam, em Buenos Aires, gerou inquietação no repórter Ivan Drummond, que a recebeu em 2003 do também jornalista Jader de Oliveira. Por muito tempo, Ivan rastrearia sem sucesso os passos do jogador, na tentativa de encontrar a famosa personagem. Anos mais tarde, porém, com a intermediação de amigos, recebeu telefonema de uma assistente social argentina que garantia: “Hilda Furacão está comigo, no asilo onde trabalho”. Após viagem a Buenos Aires, Hilda é encontrada no Hogar Guillermo Rawson. A senhora pequenina, de sorriso largo, alterna momentos de lucidez com outros de confusão mental, mas conta uma história fascinante que, publicada em julho de 2014 como a verdadeira saga de Hilda Furacão, valeria ao Estado de Minas o prêmio nacional Petrobras de Reportagem na categoria Cultura.

Olhos no futuro

l Grandes reportagens são feitas também de grandes apostas, investimento e integração de equipes. A combinação ficou evidente nas últimas coberturas de peso do EM, que transformaram duas datas importantes para Belo Horizonte em marcos da preocupação com a informação de qualidade e a inovação. A cobertura do aniversário de 120 anos de BH, por exemplo, começou a ser planejada com mais de um ano de antecedência, e envolveu toda a redação. Em reuniões periódicas, editores, subeditores, repórteres fotográficos e de texto, infografistas, diagramadores e estagiários trabalharam de forma integrada na produção de 12 cadernos especiais.

Todos tiveram voz para sugerir e opinar desde a pauta, passando pela apuração e edição até a publicação de conteúdo multimídia. A experiência lançaria bases para a cobertura do maior carnaval da história da capital. Com o desafio de retratar a estrutura que receberia 3,8 milhões de foliões, equipes das plataformas digitais e impressa se uniram para uma cobertura que aliasse qualidade e inovação. O resultado apareceu em páginas do jornal e da web, em telas de celulares e tablets, com ferramentas como a cobertura 360° e o mapa interativo da folia. Reflexo de um compromisso que norteia as coberturas do EM no passado, no presente e, seguramente, no futuro, em qualquer linguagem ou plataforma.


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