Jornal Estado de Minas

VITALidade

As rugas dizem quem somos



O oráculo de Delfos nos coloca frente a uma das questões mais complexas do pensamento humano e, ao mesmo tempo, nos lança um desafio: “conheça-te a ti mesmo”. Segundo acreditavam os gregos, o homem precisava conhecer a si mesmo, para, então, conhecer o outro e, quem sabe assim, esbarrar no conhecimento do mundo. Sem o conhecimento de si, que é a primeira porta rumo à compreensão do mundo, o homem estaria fadado a viver em círculos, cometendo os mesmos erros indefinidamente, em um ciclo eterno de retorno ao mesmo lugar. 



Para conhecer a si mesmo, o ser humano precisa ter coragem de enfrentar suas verdades e deixar de embotar seu pensamento com ilusões a respeito de si mesmo; e uma das principais máscaras que impedem o homem de ter acesso a si mesmo é a noção de que ele é eterno e não um ser para a morte, como dizia Heidegger. 

Já faz tempo que estamos colocando em relevo nesta coluna as várias formas de discriminação enfrentada não apenas pela população idosa propriamente dita que, segundo o Estatuto do Idoso são os maiores de 60 anos, mas também por aqueles que estão entre os 45 e os 60 anos. Parece que nos esquecemos que somos todos seres fadados à extinção e, enquanto tais, ao envelhecimento. Em nossa sociedade narcisista somos convidados a nos manter jovens a qualquer custo e, quando isto não é mais possível, somos novamente convidados a deixarmos a vida pública, mesmo que antes da hora, se é que tal hora de fato existe!

A verdade é que estamos todos em processo de envelhecimento, e quanto mais cedo percebemos isto, mais satisfatória se torna nossa vida quando os anos se passam – pois, inexoravelmente, eles passam. Deveria haver uma disciplina na escola denominada “verdades óbvias sobre a minha humanidade” que, dentre outras coisas, deveria ensinar aos mais jovens, de uma vez por todas, que todos envelhecemos e que, enquanto “velhos”, merecemos respeito por nossas conquistas, nossas vocações, nossa sabedoria, e também por nossas rugas, nossos corpos frágeis, nosso tempo diverso para compreender as coisas, enfim, por nossa maturidade.

Nossas sociedades ensinam às nossas crianças que a idade retira dos seres humanos sua capacidade física, intelectual e emocional, não deixando nada em troca, o que é a maior das mentiras já contadas e repetidas.



Como seria bom se as crianças aprendessem desde cedo que, com o avançar da idade há inúmeros ganhos que, inclusive, devem ser ansiados pelos mais novos, tais como a calma, a cautela, a prudência, o conjunto do nosso aprendizado, a capacidade de nos preocupar somente com o que realmente importa, deixando de lado as ansiedades e as dores desnecessárias.

Como viveríamos melhor e mais se os jovens fossem ensinados que um velho de cócoras vê bem mais longe que uma criança de pé e que, quem sabe juntos, possam enxergar ainda mais longe.

Ansiamos com um tempo no qual os ganhos da maturidade sejam colocados em relevo e que cada vez mais a sociedade busque nos mais velhos o esteio para a construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva. Assistimos a diversos movimentos em prol das minorias mas, no que se refere aos preconceitos que os mais velhos sofrem diuturnamente, pouco ou nada é dito – muito pelo contrário, tudo parece perfeitamente aceitável e adequado.

A realidade é que todos os que estão em processo de amadurecimento são vítimas de preconceito escancarado ou travestido de brincadeira, como soe acontecer com as ações de rebaixamento contra populações específicas. Os filhos, os netos, os sobrinhos, os alunos, enfim, todos os mais jovens – e nós também – foram criados para achar que a velhice é um mal que precisa ser combatido e somos nós os responsáveis por mudar uma lógica tão perversa.

Uma sociedade que não conhece a si mesma, que ainda não se conscientizou da finitude de seus membros e, consequentemente, das mazelas e das inúmeras vantagens que a idade proporciona, valorizando apenas o efêmero, o novo e o recém lançado, está condenada a tratar seus velhos como mercadoria de menor importância, como fardos a serem suportados e não como vidas inspiradas, que estão a nos mostrar o caminho rumo à construção de um mundo no qual uma ruga seja motivo de comemoração e não de procedimento estético.