Jornal Estado de Minas

GEOPOLÍTICA

Genocídio: alguns eventos de extermínio em massa no Século XX

O termo genocídio (um híbrido do grego “genos” -raça- com o sufixo do latim “cidium”

- matar ou cortar-) foi utilizado pela primeira vez durante a Segunda Guerra Mundial, por Raphael Lemkin, um advogado de origem polonesa, ao caracterizar, em 1944, a prática de extermínios de nações e grupos étnicos, como judeus, grupo ao qual pertencia. 





Esse neologismo significa, de acordo com o Artigo 2 da Convenção das Nações Unidas sobre a Prevenção e Punição do Genocídio (1948), a destruição total ou parcial de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. O Holocausto (“catástrofe”, em hebraico), ocorrido durante o período da Segunda Guerra Mundial, resultou no assassinato de quase 6 milhões de judeus, de origem europeia, pela Alemanha nazista e seus colaboradores ao longo de 6 anos do mais sangrento conflito da humanidade. 

Lemkin, que cunhou o termo “genocídio”, foi também uma de suas vítimas. Quarenta e nove membros de sua família, incluindo a mãe e o pai, foram presos no leste da Polônia e executados nas câmaras de gás em Treblinka, em 1943. Foi graças, em parte, aos seus esforços que a Convenção da ONU foi criada e ratificada. Entretanto, morreu em 1959, sozinho, pobre, sem amigos e sem ver nenhuma pessoa condenada pelos crimes a que deu nome.

Posteriormente, de forma retrospectiva, a expressão foi usada para descrever o massacre sistemático de outros grupos no início do Século XX e para o que ocorreu em Ruanda, em 1994.

O extermínio de 80% do povo Herero e 50% do povo Nama, entre 1904 e 1908, é considerado o primeiro genocídio do século passado. Essas sociedades foram exterminadas pelas forças alemãs do Segundo Reich, no território da atual Namíbia, no sudoeste africano.  Aproximadamente, 65.000 Herero e 10.000 Nama foram mortos.  

As vítimas morreram devido aos trabalhos forçados durante a construção de ferrovias, de maus-tratos (independentemente de gênero e idade), violação de mulheres e desnutrição (a fome proposital foi uma das armas utilizadas contra esses povos).  Infelizmente, a história não dedica grande espaço a esse evento. Os primeiros campos de concentração alemães surgiram em 1905, nessa região. Portanto, a prática já era conhecida pela Alemanha antes da grande guerra que assolou o mundo, entre 1939 a 1945.





O genocídio armênio, entre 1915 e 1917, que os governos turcos se recusam a reconhecer, dizimou mais de um milhão de armênios cristãos, do pequeno território localizado na rota estratégica de ligação entre a Ásia e a Europa, nas montanhas do Cáucaso. Os povos armênios foram eliminados pelos turcos otomanos, de forma intencional e planejada ao longo da Primeira Grande Guerra, com o claro objetivo de varrê-los da face da Terra , segundo a maioria dos historiadores.

A incipiente participação armênia na política otomana, no final do Século XIX, talvez seja o ponto crucial nas ações governamentais que levaram ao início do massacre de comunidades armênias, seguindo as ordens do sultão, espalhadas pelo império, até ao desfecho de extermínio de todo um povo, concomitantemente à Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Com a restauração da Constituição Otomana, em 1908, as comunidades cristãs foram, pela primeira vez na história do Império Otomano, integradas na vida política do país: tinham direito de voto, de eleger deputados, de participar do recrutamento de soldados. Mas a harmonia durou pouco.  À medida que o império perdia possessões na Europa, a ideia de união de uma sociedade multiétnica e multiconfessional se tornou uma utopia.





Assim, disseminar entre os turcos a ideia dos armênios como uma nação de infiéis e traidora foi algo que não exigiu muito esforço. Somado ao temor de perder um território estratégico que permitia uma recuperação da Turquia Asiática, deram início ao processo de remoção dessa sociedade, o que  originou um dos mais sangrentos genocídios esquecidos e ignorados pela humanidade.

Há defensores de que o esquecimento da aniquilação dos armênios durante a Primeira Guerra Mundial tenha alimentado os planos de extermínio de judeus pela Alemanha nazista, na Segunda Grande Guerra. Afinal a omissão histórica ao que ocorreu no Cáucaso poderia se repetir com a eliminação dos judeus nos campos de concentração, favorecendo os interesses do Terceiro Reich. A história mostrou que estavam enganados: o Holocausto é uma das barbáries mais citadas da humanidade.

Não há como negar que o projeto de extermínio judaico foi construído no período entreguerras   por Hitler, seus líderes mais influentes e com a anuência de civis. Câmaras de gás e crematórios gigantescos não se constroem de um dia para o outro. Pessoas comuns se envolveram com essas obras durante anos e não questionaram ou condenaram o objetivo das construções.





Hitler fez menção aos massacres que ocorreram no passado, em várias ocasiões, e tirou deles a lição necessária:  durante uma guerra total pode-se massacrar uma população civil impunemente. Era isso que ele evidenciava no seu célebre discurso que fez no dia 22 de agosto 1939, diante de seus generais, à véspera de invadir a Polônia.

Na sua fala, a ordem durante essa invasão era que matassem massas de civis poloneses para ampliar o espaço vital alemão. Referiu-se também às hordas assassinadas por Genghis Khan e dizimação dos armênios – “Quem ainda hoje fala do extermínio dos armênios?”  e acrescentou: “o mundo só acredita no sucesso”. 

O seu discurso demonstrava o claro planejamento da destruição dos “inimigos do povo alemão”, que incluía de judeus, ciganos, Testemunhas de Jeová, homossexuais, entre outros, cuja extinção sistemática estava programada.





Tampouco, não há nada que indique que o Holocausto não teria ocorrido caso os responsáveis pelo massacre armênio tivessem sido punidos, mas o silêncio e o esquecimento político que se seguiu na época pode ter colaborado para os horrores dos campos de concentração nazistas.

Após as tentativas de extermínio dos armênios e judeus da Europa, o genocídio dos tutsis, em 1994, é tido como um dos últimos genocídios do Século XX. Orquestrado pelo partido governante, dominado pela etnia hutu de Ruanda, na região do grande rift africano, o massacre fez um milhão de vítimas no espaço de 3 meses, entre abril e junho daquele ano.

De forma distinta ao genocídio dos judeus, a matança dos tutsis não se concentrou em locais específicos, como nos campos de extermínio.  O assassinato planejado ocorre no espaço da vida cotidiana do povo ruandês. A partir de 7 de abril de 1994, barreiras foram erguidas em todas as encruzilhadas estratégicas, inicialmente, na capital Kigali, depois em todo o país.





Todos aqueles que portavam uma carteira de identidade com a identificação “tutsis” eram mortos na hora.  O envolvimento da população civil nos massacres é um dos traços marcantes desse genocídio.  Os assassinos eram agrupados em pequenas formações, determinados a matar e incluíam tanto homens jovens quanto mulheres e até crianças.

Haximu, uma região montanhosa na fronteira do Brasil com a Venezuela, onde 16 pessoas da tribo Yanomâmi, em 1993, foram mortas por garimpeiros, tornou-se o primeiro crime considerado genocídio no país.  Há 30 anos, o Brasil era palco desse crime bárbaro, conhecido como o massacre de Haximu.

O massacre da comunidade Yanomâmi de Haximu, na Amazônia venezuelana, foi perpetrado por vinte e dois garimpeiros brasileiros. Nesse violento ataque, foram massacrados homens, mulheres, crianças e idosos, incluindo um bebê, que foi desmembrado a golpes de facão. Os sobreviventes, até hoje, clamam por justiça. A condenação foi tardia e, em 2011, todos os criminosos foram libertados. Atualmente, o único assassino ainda vivo continua entre os garimpeiros que devastam as terras indígenas dos Yanomami.





Todavia, a triste realidade é que os territórios desse povo continuam invadidos por garimpeiros clandestinos, que poluem os rios com mercúrio e destroem a floresta.  A expulsão desses exploradores nunca foi concluída e, nos últimos anos, a presença desses grupos, junto com os impactos sobre o meio ambiente, foi superior à de décadas anteriores. 

A tentativa de dizimar o povo Yanomami tem objetivos claros de apossar de um território rico em recursos minerais, que atraem a ganância dos “brancos”. As denúncias das ações do garimpo e abandono dessa sociedade pelo governo anterior ganharam as páginas dos meios de comunicação nos últimos dias e chocaram parcela expressiva da sociedade brasileira e mundial. 

Lemkin, lá nos idos de 1944, disse que “o genocídio constitui uma nova técnica de ocupação destinada a conquistar a paz, mesmo que a guerra seja perdida”. Talvez isso explique as ações repetidas de aniquilar uma sociedade, seja aqui no Brasil , seja em qualquer lugar do mundo: perde-se a guerra, mas conquista-se a paz, mesmo com uma mancha de barbárie humana.