Jornal Estado de Minas

GEOPOLÍTICA

Pandora Papers: a caixa dos segredos escusos das empresas offshore



Na linguagem moderna, a “caixa de Pandora” é uma metáfora, uma frase proverbial que se refere a uma fonte de complicações infinitas ou problemas decorrentes de um simples erro de cálculo. A história da famosa Caixa de Pandora é antiga e vem da mitologia grega.





De forma resumida, Pandora, a primeira mulher na Terra, foi criada por Zeus para se vingar de Prometeu, o homem que roubou o fogo do Olimpo e deu aos humanos. Zeus a oferece em casamento a Epimeteu, irmão de Prometeu. Pandora recebeu de presente uma caixa, que é proibida de abrir.  A caixa continha todos os males do mundo - o que ela desconhecia. Curiosa, ela cede à tentação e liberta todos os males terrenos antes de fechar a caixa, aprisionando somente a esperança, que não teve tempo de sair.

- Leia: Qual a origem dos Pandora Papers?

No último domingo a expressão Pandora Papers ganhou destaque em todos os jornais do mundo. O termo se refere a uma investigação colaborativa coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICJI), que se baseia em dados que vazaram de quase 12 milhões de documentos oficiais, por meio de uma fonte anônima ao ICJI. 

Com a divulgação das informações, foram “libertados” dados que se tornaram o pesadelo dos ricos e poderosos que recorreram aos paraísos fiscais para sonegar seus ativos. O vazamento incalculável de dados confidenciais lança uma luz dura sobre seus segredos financeiros.





Os arquivos pertencem a quatorze empresas especializadas na criação de empresas offshore ou de fachadas em paraísos fiscais (Ilhas Virgens Britânicas, Dubai, Panamá, Cingapura, Seicheles, Chipre e Suíça, bem como os estados norte-americanos de Dakota do Sul, Delaware, Nevada etc.). As quatorze firmas distintas são especializadas na criação de empresas de sociedades anônimas.

Essas empresas representam os elos da longa cadeia que gira o mundo paralelo do offshore, onde não se aplicam as regras clássicas da economia: transparência, justiça e responsabilidade.  

Simplificadamente, o sistema financeiro offshore oferece privacidade por meio de empresas de fachada, criando uma oportunidade para ocultar de autoridades, credores e outros requerentes, bem como do escrutínio público, a fortuna dos milionários. 

São chamadas de finanças offshore porque os países que popularizaram esse método de proteção de riqueza costumavam ficar em locais insulares (ilhas) ou nas regiões costeiras, mas hoje "offshore" significa qualquer lugar que não seja o país de residência do cliente. 





Essas empresas são legais nos países onde estão sediadas, mas os clientes não têm usado de forma legal essas instituições. As jurisdições dos países onde se encontram oferecem benefícios como sigilo e pouco ou nenhum imposto cobrado dos usuários. O proprietário da conta, mesmo que pague impostos no seu país de origem, é beneficiado na redução dos impostos pagos.

As contas favorecem a sonegação, pela dificuldade de rastreá-las e pelo silêncio dos governos offshore. Até os EUA, que exigem rapidez dos demais países, envolvidos nestas experiências, são lentos quando as suspeitas recaem sobre os estados americanos, onde o hábito se populariza. 

Assim, as pessoas ricas conseguem burlar o sistema interno e fugir das leis dos seus países quando movimentam contas nos paraísos fiscais.  Tais práticas garantem maior privacidade aos usuários abastados do que dispõem as instituições financeiras nacionais e, assim protegem seus bens de impostos, ações civis, credores e investigadores.  

Os motivos que impulsionam a abertura dessas contas não ficam claros nos documentos analisados. Raramente, isso é esclarecido. Geralmente, são contas onde constam as iniciais ou o termo “proprietário beneficiado” da pessoa que receberá o benefício. 





Os documentos revelam que fluxos de dinheiro, propriedades e outros ativos de príncipes, reis, chefes de estados, celebridades, políticos, igrejas e 130 bilionários foram ocultos. Esconderam somas gigantescas nesse tipo de sistema financeiro. Todos recorreram aos paraísos fiscais para encobrirem parte dos seus ganhos dos olhos alheios e do fisco. 

O Pandora Papers é um mergulho mundial nas trapaças realizadas por esses grupos para beneficiar parentes no futuro ou evitar que processos legais sejam movidos contra eles, por ganhos ilícitos praticados enquanto exerciam cargos de poder. São os sombrios territórios do mundo financeiro e político. 

Todas as informações coletadas, analisadas e agora divulgadas não indicaram imprecisão. Segundo os jornalistas envolvidos no árduo trabalho de analisar os milhões de documentos foram dadas a todos os envolvidos nas denúncias condições de comentar ou revisar o que foi divulgado. Ninguém questionou a veracidade dos documentos. Muitos silenciaram, o que pode indicar consentimento sobre os fatos que estão sendo alardeados mundialmente. 





Alguns nomes dos envolvidos impressionam pela realidade enfrentada pelas nações que governam, como ocorre na Jordânia. O rei Abdullah II teria adquirido imóveis luxuosos nos EUA e Reino Unido, que custaram mais de 100 milhões de dólares, enquanto recebia bilhões de ajuda humanitária dos Estados Unidos e de outros países, devido às precárias condições econômicas do país. 

Nesse período, a população jordaniana enfrentava grandes dificuldades financeiras, sofria com denúncias de corrupção envolvendo o monarca e a instabilidade política marcada por suposta tentativa golpe ao longo deste ano. O rei alega que as propriedades foram adquiridas com recursos próprios, mas a forma ilícita de aquisição coloca em suspeita a legalidade da aquisição desses imóveis.

Na Rússia, o nome do presidente Vladimir Putin também está em evidência. O nome de uma mulher, Svetlana Krivonogikh, um suposto relacionamento do presidente, antes de ele assumir a presidência do país e que se estendeu para o período que comandava o Kremlin, chama atenção. 





De origem humilde, Svetlana, hoje, é proprietária de um apartamento em Monte Carlo, um dos locais mais caros e badalados do mundo. O local, cuja vizinhança são  magnatas e integrantes das monarquias europeias, não condiz com a sua origem simples, que impossibilitaria a aquisição do referido imóvel. A posse do apartamento foi logo após dar à luz uma criança (2003), que supostamente é filha de Vladimir Putin. 

A jovem Luiza Rozova, de 18 anos, possui traços muito similares ao presidente russo. Apesar de o nome do pai não estar listado em seus documentos, o nome do meio dele está registrado como “Vladimirovna", um patronímico que significa "filha de Vladimir"! Pode ser uma coincidência, mas não é no que seus críticos acreditam. 
 
Krivonogikh também é a beneficiaria de mais de 3,6 % das ações do Banco Russo Rossiya. Para quem era faxineira antes de conhecer Putin, esses números levantam muitas suspeitas quanto à origem. 




 
Na lista estão também lideranças europeias, como Tony Blair, ex-Primeiro-Ministro do Reino Unido; Andrej Babis, Primeiro-Ministro tcheco; o presidente de Chipre, Nicos Anastasiades, entre outros. 

No Brasil, o nome do Ministro da Economia, Paulo Guedes, ganhou destaque nas mídias, após a divulgação dos envolvidos no escândalo, por ser proprietário de uma empresa offshore. O ministro, que “defende” medidas contra esse tipo de empresa, abriu ele próprio uma empresa de fachada, com depósitos de mais de 9,5 milhões de dólares! Mundo estranho esse em que se fala o que não se faz.  

Os dados divulgados são mais explosivos que o Panamá Papers, de 2016, que envolvia apenas as denúncias de uma empresa, a firma de advocacia panamenha, Mossack Fonseca. Agora são quatorze, com quase 3 terabytes de dados. Há muito ainda a saber nos próximos dias e seus desfechos. 

A caixa aberta de Pandora não deixa claro se a esperança, a única que ficou retida, é um dos males que não conseguiu escapar.  Mas, agora com a Pandora Papers é só o que nos resta: a esperança de justiça. 

audima