Jornal Estado de Minas

GEOPOLÍTICA

Haiti: da independência à ditadura Duvalier



O Haiti tem uma história trágica única. Desastres naturais, pobreza, discórdia racial e instabilidade política têm atormentado o pequeno país desde seus primórdios.





Em quase 220 anos de independência, o Haiti não possui um longo histórico de conclusão de mandatos presidenciais e de processos democráticos consolidados. É o país mais pobre do hemisfério ocidental, carrega uma história dolorosa de intervenções estrangeiras, exploração econômica e regimes ditatoriais.

O primeiro pleito democrático exercido plenamente foi o de Reneé Preval (2006-2010), que assumiu o poder após a saída de Aristide, em 2004. Neste ano iniciaram-se lá os trabalhos da força de paz da ONU, sob o comando do Brasil.

Localizado no Caribe, o Haiti ocupa 1/3 da porção ocidental da Ilha Hispaniola, com a República Dominicana nos 2/3 orientais. Com uma área de cerca de 28 mil km2, o país tem, aproximadamente, o tamanho do estado de Alagoas e duas línguas oficiais: o crioulo haitiano e o francês.





Foi nesta ilha que Colombo estabeleceu o primeiro povoamento das terras descobertas do novo mundo, em 1492. A Espanha cedeu uma parcela ocidental à França em 1697 e, desde então, foi considerada a colônia mais rica da França e, provavelmente, do mundo, no século XVIII.  

O Haiti era conhecido como “a pérola das Antilhas”. Era tão importante para a metrópole que os franceses optaram por ceder o Canadá à Inglaterra a perdê-la durante as disputas por terra nas Américas, envolvendo os dois rivais. 

Na década de 1780, quase 40% de todo o açúcar importado pela Grã - Bretanha e França e 60% do café mundial vinham da pequena colônia. Por um breve período, o Haiti produziu anualmente mais riquezas exportáveis do que toda a América do Norte continental.

O trabalho escravo africano tornou-se vital para o desenvolvimento econômico da colônia. Os escravos chegavam às dezenas de milhares enquanto a produção de café e açúcar crescia. Sob o domínio colonial francês, quase 800.000 escravos chegaram da África respondendo por um terço de todo o comércio de escravos do Atlântico. 





Muitos morreram de doenças e condições adversas das plantações de açúcar e café. As estatísticas mostram que havia uma rotatividade completa da população escrava a cada 20 anos. Apesar dessas perdas, em 1789, os escravos superavam a população livre de quatro para um - 452.000 escravos em uma população de 520.000.

Resistindo à exploração, os haitianos se revoltaram contra os franceses. A revolta haitiana começou em 1791, teve como um dos seus líderes um ex-escravo, Toussaint L’Ouverture, que graças à benevolência do seu senhor, ao perceber sua capacidade de aprendizado, deu a ele acesso a uma educação destinada, geralmente, somente aos brancos. Esse conhecimento colaborou para liderar e conduzir os haitianos na revolução contra as barbáries cometidas pelo colonizador francês. 

Entretanto, Toussaint cometeu dois erros funestos para sua liderança e seu próprio destino: acreditou em uma aliança com Napoleão Bonaparte e manteve os haitianos, mesmo libertos, nos trabalhos forçados nas áreas de plantios de café e cana-de-açúcar e os brancos, como proprietários das terras.  Antigos aliados acabaram se rebelando contra o novo líder. 





Em 1801, Bonaparte enviou mais de 25 mil soldados, com o intuito de recuperar o controle sobre a “joia francesa. Apesar dos êxitos iniciais, a valentia dos negros e as doenças tropicais ceifaram as pretensões do colonizador. Toussaint foi preso e enviado à França, onde morreu em uma cela fria, sem aquecimento, desprovido de mínimos cuidados, inclusive alimentares. 

Um dos resultados mais importantes dessa revolução foi que ela forçou Napoleão a vender a Louisiana aos EUA, em 1803, resultando em uma grande expansão territorial dos Estados Unidos: Louisiana, Arkansas, Nebraska, Missouri, Iowa, Oklahoma, Kansas, Minnesota, Dakota, Colorado, Wyoming e Montana.

O novo país independente nasceu no dia 01 de janeiro de 2004. Mas não foi reconhecido pela antiga metrópole. A primeira república do Hemisfério Ocidental (EUA), inicialmente, se recusou a reconhecer a segunda (os americanos brancos temiam que a existência do Haiti desafiasse sua economia escravizada), depois a ocupou brutalmente (1915-1934) e, finalmente, passou décadas se intrometendo em seus assuntos. 





O Haiti independente e pauperizado, não encontrava compradores para seus produtos. Os cultivos de café e cana-de-açúcar foram quase dizimados. Os danos ambientais promovidos pelas guerras causaram desastres na economia. Em 1825, após a ameaça de invasão por uma flotilha francesa, o país concordou em pagar à França uma “dívida de independência” de 150 milhões de francos em ouro para compensar os colonos pela perda de terras e escravos. 

Embora a indenização tenha sido reduzida posteriormente para 90 milhões de moedas de ouro, a dívida paralisou a nação caribenha, que só terminou de pagá-la aos bancos franceses e americanos em 1947. Isso explica, para muitos haitianos, parte de todos os problemas que enfrentam até hoje. Eles tiveram que pagar pela liberdade conquistada.

Na década de 50, do Século XX, anos depois da intervenção dos EUA, inicia-se a sangrenta Era Duvalier. François Duvalier (1957 a 1971) obteve uma vitória suspeita na eleição presidencial de 1957. O novo líder vinha de uma família negra modesta de Porto Príncipe. Sua política era baseada em um nacionalismo pró-negro, fortemente apoiado pelos militares e aceitação da religião Vodu pelo estado. 





Durante as eleições, o exército desqualificou o rival mais popular de Duvalier, Daniel Fignolé, e, provavelmente, alterou as cédulas. Em meio à polêmica, Duvalier assumiu, oficialmente, a presidência em 1957, com o apoio da maioria nas duas casas do Legislativo. 

Duvalier era médico, conhecido como “Papa Doc”, por causa de sua aparente preocupação com os haitianos pobres e doentes. Durante seu governo de 14 anos, no entanto, Duvalier se concentrou mais em controlar seu povo do que em cuidar dele. 

Seus métodos ditatoriais eram severos até mesmo para os padrões do Haiti. Em 1961, garantiu para si o título de presidente vitalício. Para controlar os militares, Duvalier frequentemente embaralhava a liderança, trazendo jovens soldados negros para posições de comando até que eles também se tornassem uma ameaça para a administração. 





Duvalier criou a Guarda Presidencial e os Voluntários para a Segurança Nacional (VSN) ou Makout, como eram conhecidos, com o propósito claro de evitar tentativas de golpe. O VSN funcionou como um grupo paramilitar secreto, usando chantagem e terror para controlar os cidadãos do Haiti. Principalmente por meio de suas táticas brutais, Duvalier ocupou a presidência até sua morte natural, em 1971.

Seu filho, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, não foi diferente do pai. Vivia luxuosamente, em contraste com a miséria a que a maioria da população estava exposta. Em 1983, após a visita do Papa Joao Paulo II, que clamava por justiça, alimentos, educação, emprego e dignidade ao povo haitiano, chegaria ao fim o regime de Baby Doc. O povo se revoltou contra a administração repleta de corrupção. Em 1986, Duvalier renuncia ao cargo e foge para seu exilio de luxo na França, com os bilhões roubados dos cofres públicos.  

O Século XX estava se encerrando sem que as mudanças sociais chegassem ao país. A falta de estabilidade política impunha um cenário de constante flagelo à população. Na sequência dos acontecimentos, Jean Baptiste Aristide, um popular padre ligado à Teologia da Libertação, vence com 67% dos votos as eleições de dezembro de 1990. Em menos de um ano seria deposto.

O seu retorno ao poder em 1994, com o apoio dos EUA, não mudou a realidade do país e gera grande descontentamento junto a uma parcela mais abastada da sociedade haitiana. Aristide, para muitos, foi melhor como padre que como governo. 





A instabilidade política se soma à instabilidade geológica e climática. O país é palco de desastres naturais, como terremotos e furacões, que comprometem ainda mais a frágil sociedade haitiana. 

O Haiti é uma terra escorregadia, como diz um provérbio comum entre os nativos, e como em uma terra escorregadia é difícil ficar em pé sozinho. Os haitianos sabem que somente juntos podem manter-se de pé, amparando uns aos outros. Está sendo fácil chegar aos dias melhores?  Não. Mas, são resilientes. Essa é a força que os mantém para os dias difíceis que se seguirão.

audima