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GEOPOLÍTICA

O arco do terrorismo no Sahel Africano e a retirada militar francesa

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Sahel é uma palavra de origem árabe que significa costa ou fronteira.

A expressão é associada, de forma bastante comum, a várias áreas do mundo, mas, neste contexto, vamos nos referir ao Sahel africano, cujos limites variam de acordo com o conceito dos geógrafos. 





No geral, o Sahel africano engloba os países que fazem fronteira com o sul do Saara, em uma extensão aproximada de 5.400 km e cerca de 500 a 700 km de largura, estendendo do Atlântico ao Mar Vermelho. 



Compreende os seguintes países de oeste a leste: norte do Senegal, sul da Mauritânia, Argélia, norte de Burkina Faso, Níger e Nigéria, centro do Chade, Sudão e Mali. Nesta área, por vezes, são integrados a Eritreia, partes da Somália e Etiópia, Djibuti e norte do Quênia.

O Sahel é uma região frágil do ponto de vista ecológico e humano. E, contrariando o imaginário de muitos, não é uma área deserta, mas habitada por milhões de pessoas, muitos deles nômades, vivendo no ritmo das estações. 

Do ponto de vista ecológico corresponde a uma das maiores áreas de desertificação do mundo. Esse impacto, de forte influência antrópica, compromete os solos e a produção de alimentos, em que a fome já é um problema crônico, o que agrava ainda mais as condições humanas da região. 




 
Lei também: Bielorrússia: a última ditadura europeia 

Mas o Sahel não preocupa apenas pelas condições ambientais críticas; as condições políticas instáveis, marcadas por muita corrupção e abandono das populações mais carentes, por seus líderes, alimentou o surgimento de vários grupos muçulmanos extremistas, que praticam a vertente mais radical do Islamismo Salafista. 

Entre esses grupos está o temido grupo nigeriano Boko Haram (falarei especificamente desse grupo em outro artigo), que concentra seu QG no nordeste da Nigéria, mas atua nos países vizinhos e no próprio país onde surgiu, em 2002, e que, a partir de 2009, com a morte do seu fundador, adquire características mais radicais e violentas. 

Além desse grupo, há outros grupos terroristas no Sahel formando "um arco do terror" ao sul do Saara, como por exemplo o Estado Islâmico na África Ocidental (EIAO), uma facção criada dentro do Boko Haram, afiliado ao Slamic State of Iraq and Syria (ISIS) ou Estado Islâmico (EI). A rivalidade entre os dois está intensificando os ataques e a carnificina no nordeste da Nigéria e países fronteiriços. 





Especula-se que o sanguinário líder Abubakar Shekau, do Boko Haram, foi morto em uma das ofensivas travadas com o rival, EIAO, no final de maio. Mas sua morte já foi anunciada outras seis vezes e ele ressurge. A imprensa está aguardando provas concretas para confirmar essa informação. 

Tal instabilidade levou a França a enviar suas tropas para a região há nove anos, na tentativa de estabilizar esse cenário preocupante. Essa é a operação que foi denominada de Força Barkhane, em 2014, após substituir a Operação Serval, que havia sido lançada dois anos antes. 

Entretanto, o presidente Emmanuel Macron anunciou sua “morte” no último dia 10 de junho, após sete anos de luta contra o câncer do terrorismo que se disseminou pelo Sahel.   

O líder francês esperava um “enterro” digno da luta contra o terror, mas nada indica que assim o será.  A força Barkhane não atingiu seu objetivo e enfrenta forte repúdio dos franceses devido aos custos elevados que devora o orçamento e os “filhos da pátria”, a milhares de quilômetros da França. 





A França embarcou nesta aventura sozinha.  Conta com o apoio dos governos dos países afetados, que, diariamente, são enlutados pelos ataques de jihadistas, bandidos e traficantes de estradas. 

Mas essa operação poderá se tornar um suicídio político para Macron, em 2022, no ano eleitoral. Ele deseja permanecer como inquilino do Palais de Élyseé, a residência presidencial francesa e a Força Barkhane, que conta com grande resistência da população, pode dificultar seus objetivos na conquista ou reconquista do seu eleitorado. 

O golpe de estado no Mali, em maio, o segundo em nove meses, provocou a ira de Macron e acelerou sua decisão de retirar as tropas da região. Para muitos, o golpe foi uma “benção”, pois serviu de argumento para a desastrosa experiência francesa no Sahel, no combate ao terrorismo regional. 

A experiência francesa se assemelha à norte-americana no Afeganistão. As mesmas causas e os mesmos efeitos. A França está prestes a sair do Sahel, deixando os terroristas incólumes na região. Os EUA estão saindo de Cabul e das montanhas afegãs abandonando os afegãos com seus Talibãs.





As potências ocidentais iniciam suas ofensivas e esquecem ou ignoram que no deserto, nas estepes ou na savana, as pessoas sofrem naturalmente com o calor e o tédio que, às vezes, sobrecarregam os nervos de forma brutal. 

É uma luta assimétrica, na qual a areia, a poeira, as variações térmicas somadas à dificuldade de reabastecimento e aos ataques surpresas aos comboios dificultam o sucesso das investidas militares em ambientes de uma geografia hostil.  

A retirada da França mostra o fim de uma era e da ilusão que fazia acreditar que era possível vencer o terrorismo com armas. O país deve permanecer junto a uma força de coalisão internacional. A aventura militar solitária, composta por mais de 5000 soldados franceses, chega ao fim marcada pelo insucesso. 

Talvez seja a hora de os líderes africanos do Sahel se organizarem e assumirem suas reponsabilidades substituindo a dependência dentro da independência que os caracteriza desde que se tornaram “livres” das antigas metrópoles. O momento é propício e emergencial.

audima