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Sorriso banguela

Faz sentido um dente supitar. Gosto da sonoridade da expressão, que lembra roça, panela de barro, fogão a lenha. Vida simples%u2019


postado em 26/01/2020 04:00


– Vou precisar desmarcar nosso compromisso. Não é que meu dente supitou? – comenta a coordenadora do grupo de Constelação Familiar, divertida como sempre. Conversava comigo ao celular, enquanto orientava o Uber a mudar o trajeto, desviando-se da rota da cafeteria onde ocorreria nossa reunião. Toca para o dentista. Já.
 
Ri sozinha. Do outro lado da linha, imaginei a cena da moça meio hippie, sorriso banguela, obrigando o motorista a revirar o destino. No caminho, decide contar a verdade à interlocutora. Poderia ter inventado uma desculpa, mas não. A realidade, às vezes, parece mais absurda do que a mentira.
Pega de surpresa, fico em dúvida sobre o que responder. Não sei se acho mais graça na situação ou no neologismo que a outra acabara de criar. Afinal, o que viria a ser supitar?
 
Dou uma espiada no Google, nosso novo dicionário de bolso. Nada. Penso em checar nas páginas do Houaiss, mas desisto de andar até a biblioteca de papel.
 
Fazer o quê? Consulto o dicionário informal da internet. Bingo. O termo existe, mas com outra conotação. “A cozinheira se distraiu e o leite supitou”, é o exemplo sugerido pelo site. Ou seja, significa algo como ‘escapar ao controle’, escapulir, saltar.
 
Faz sentido um dente supitar. Gosto da sonoridade da expressão, que lembra roça, panela de barro, fogão a lenha. Vida simples. A partir de agora, supitar entrou para a lista de palavras preferidas, ao lado de alpendre, portal, sereno. Soa bem.
 
Não sou a única a ter um baú de palavras escolhidas. Em evento das Marias Bonitas, a escritora Carla Madeira compartilhou uma história com as participantes do clube feminino de literatura. Contou ter perdido horas escolhendo o melhor termo para se ajustar a determinado fato descrito em seu primeiro livro, Tudo é rio. Segundo contou, tentava pescar palavras na rede da internet, ao mesmo tempo em que embalava a filha na hora de dormir. A menina, envolvida no contexto, acordou no dia seguinte e correu para a cama da mãe: “E aí mamãe, encontrou a palavra?”.
 
Membrana. Foi esse o achado de Carla Madeira, dona de escrita trabalhosa, peneirada na bateia, ouro puro. Exatamente o oposto do que se espera dos livros de autoajuda, dos quais a publicitária revelou ter birra. “Sempre odiei livros de autoajuda. São compressas de literatura ruim, como se tudo pudesse se resolver rapidamente.” Percebeu a sutileza? Com-pressas? O mesmo preconceito dela roubou minha coragem para ler os fascículos de certo mago brasileiro, escritor de repercussão mundial.
 
Por razão inversa, levei cinco anos para concluir a leitura de Grande sertão: veredas, obra-prima de Guimarães Rosa, também redigida com vagareza. Comecei a lida na gravidez do filho mais velho. Enveredei-me nas páginas durante a licença-maternidade. Só finalizei após o nascimento do caçula. Foi um parto, mas natural, no tempo certo, sem fórceps.
 
Nunca vou me esquecer do mantra repetido em diversos capítulos do livro: “Viver é muito perigoso... Por que aprender a viver é o viver mesmo”. Peço licença ao jagunço Riobaldo para propor outra travessia: “Ler é muito perigoso”.

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