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Estado de Minas MAIS LEVE

Quebra-cabeças do que nos move

Devia ter avisado que é descendente de alemães, portanto, encurtada e dura. Já viu alemão tentando sambar? Pois é%u2019


postado em 15/12/2019 04:00 / atualizado em 15/12/2019 15:51


 
Acabo de voltar da aula de lu jong, espécie de ioga milenar praticada no Tibet. A professora, mulher das mais sábias com que convivo, pede para fazer e refazer os exercícios, sete vezes cada um. No oriente, o sete é a perfeição. A aluna executa todas as posturas, mas enfrenta dificuldades para se curvar à prostração Nakaki que, dizem os tibetanos, obriga a amansar o ego.
Quem manda ter um ego do tamanho de um bonde?, pensa. Deita, levanta, deita. Uma, duas... sete vezes! Transpira horrores, maldiz-se.
 
“Um passo de cada vez, Sandra”, confia e incentiva a professora de lu jong Janaína Araújo. Ela deve ser parente da mulher elástica de Os Incríveis. Só pode. Desenrola a própria coluna cervical, feito uma flamingo fêmea, quase encostando a cabeça na ponta dos pés. Duvida? Tire a prova neste episódio do canal do YouTube, Chá Com Leveza: https://youtu.be/ubJPvAL_jQo
Isso é incrível, ironiza a aluna em pensamento, sentindo-se perto de partir ao meio. Devia ter avisado que é descendente de alemães, portanto, encurtada e dura. Já viu alemão tentando sambar? Pois é.
Fim da aula. Decide ficar mais um tempo, ajuda Janaína a guardar colchonetes e almofadas. E a devolver os móveis para o lugar. Ela revela ter improvisado o espaço das aulas no próprio apartamento até a economia melhorar. Ok, estamos todos na canoa furada, concordou a aluna, em silêncio.
 
A batalha interna continua. Sem dizer em voz alta, felizmente, tenta achar algum defeito na professora, bonita por dentro e por fora. Percebe nela um resquício de ego, materializado na forma de uma poltrona-conceito, cinza chumbo, consumindo boa parte da antessala. Constrangida, explica se tratar daquelas peças assinadas por designers famosos, mais belas do que práticas.
 
Arreda daqui, arreda de lá, o fato é que o trambolho não cabe em lugar algum da casa. O que é um móvel quadrado, com um metro de largura por outro de profundidade, sem cor definida e, o pior, capaz de comportar uma única pessoa assentada? Empurra para cá, empurra para lá, feita nova tentativa de acomodar o tal móvel. No caso, melhor seria dizer imóvel. Lembrou-se de Luluzinha.
A história era mais ou menos assim: Lulu convoca a melhor amiga, Aninha, para ajudar a rearranjar os móveis da sala. Tenta disfarçar a falta de um vaso, que havia quebrado ao rebater a bola dentro de casa, contrariando a mãe. As duas meninas mexem a posição dos objetos. Após revirar a casa de pernas para o ar, chegam a um acordo. Sentam-se no meio do cômodo e se olham. E caem na gargalhada ao ver que tudo voltou a ser como antes. Não há mais tempo para mudar.
 
Até hoje, ela não havia entendido o motivo de ter gostado tanto desse roteiro na infância. Vai ver é porque seus pais vivem mudando os móveis de lugar, embora continuem morando na mesma casa há décadas. Há casos piores. Ela conhece uma família que, além de viver no mesmo apartamento, mantém as mesmas mobílias, nos mesmos nichos. É a herança maldita dos móveis planejados, feitos antigamente sob medida, chumbados no chão.
 
Ao comentar sobre o fato com um amigo, ele confessou ter verdadeiro horror à mesmice. É tanto que, segundo explica, mandou instalar rodinhas embaixo de todos os sofás, mesas de canto, cadeiras. Facilitou a tarefa de movimentar o interior da própria casa e, como dizem por aí, também de se reorganizar internamente. E você, o que te move?

Sandra Kiefer apresenta o canal Chá com Leveza.

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