Jornal Estado de Minas

O BRASIL VISTO DE MINAS

Quando uma maioria é uma traição e a dificuldade do governo

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, declarou na semana passada que o presidente Lula não tem ainda uma maioria parlamentar sequer para aprovar leis ordinárias. A declaração apenas reitera o resultado das urnas de 2022, quando o povo elegeu Lula por uma escassa margem e enviou ao Congresso uma maioria conservadora, cujas ideias e valores estão bem distantes das tradicionais plataformas do PT e do seu líder.





Presidentes com minoria parlamentar exercem um poder limitado e isto às vezes não é bom e nem corresponde à vontade consciente dos eleitores. Em alguns casos, no entanto, é exatamente isto o que deseja o eleitorado, especialmente nos casos em que o país se encontra muito dividido e polarizado e a hegemonia absoluta de um dos lados da política pode exacerbar os conflitos e separar irremediavelmente uma nação. Os Estados Unidos têm vivido muito esta experiência, elegendo um presidente democrata e ao mesmo tempo conscientemente privando-o de uma maioria absoluta no Congresso, na esperança de equilibrar o poder e impedir que pautas partidárias sejam impostas a toda a nação.

O grande filósofo e economista inglês do século 19 John Stuart Mill, em um livro clássico sobre a liberdade, escreveu que “um partido da ordem e da estabilidade e um partido do progresso e da reforma, são ambos necessários para uma vida política saudável. Em grande medida é a oposição entre eles que mantém cada lado no limite da razão e da sanidade.” Partidos únicos são sinônimos de uma ordem autoritária e partidos que, apoiados numa maioria relativa, tentam se impor de modo absoluto, estão contaminados pela tentação autoritária e, no fundo, são igualmente antidemocráticos.

A leitura mais sensata das eleições de 2022 revela que, desta vez, independentemente das distorções do sistema eleitoral, a população brasileira esteve verdadeiramente indecisa quanto à escolha entre Jair Bolsonaro e Lula, num confronto em que as rejeições parecem ter sido mais fortes que o apoio aos candidatos. Ambos são personagens a esta altura de nossa história muito divisivos e avessos à busca sincera de consensos, com posições ideológicas que se distanciam do centro do espectro político. A vitória de Lula afinal foi o resultado de suas melhores credenciais democráticas e sua vocação civil, em uma circunstância política de muita instabilidade e apreensão.





Por esta leitura o mandato de Lula, embora em termos estritamente legais não sofra limitações, em termos políticos, não é um mandato para governar com as ideias e a visão da história e do mundo do seu partido. Sua coligação não alcançou mais do que um terço das cadeiras na Câmara dos Deputados. Este parece claro que foi o propósito deliberado da sociedade, ou seja, eleger Lula de preferência a Bolsonaro, mas privá-lo de um mandato ilimitado para governar com o seu partido.

Esta combinação vai manter o governo nos limites da “razão e da sanidade”, se for respeitada pelos partidos que estiveram do outro lado, pelo menos em matérias que dependem do Congresso. Até agora, o governo tem se mantido cauteloso nas grandes matérias, como, por exemplo, o novo marco fiscal e a própria reforma tributária, para a qual o Executivo sequer mandou a sua própria proposta.

O governo certamente irá em busca de uma maioria parlamentar e estará disposto a pagar caro por isto, embora seu discurso para a população seja carregado de elementos de conflito. As divisões políticas no Brasil não vão desaparecer da noite para o dia e a formação artificial de uma maioria no Congresso, sem uma correspondência na sociedade, será um acontecimento destrutivo capaz de aprofundar as diferenças entre os brasileiros e minar ainda mais a confiança na política e nas instituições representativas.

Um governo forte para agir administrativamente e buscar o crescimento, mas sem poder para impor sua visão ideológica, seria o melhor que os brasileiros mereceriam neste momento. Isto vai depender da qualidade e do caráter das lideranças parlamentares e da sua lealdade à vontade da nação.