Jornal Estado de Minas

RICARDO KERTZMAN

Gonzaguinha, Mario, eu. Sofrer no Brasil não distingue gênios de idiota

Costumeiramente escrevo de forma escrachada, informal, provocadora. Não sou jornalista por formação e não aprendi a escrever nos manuais de redação. Não sou estudioso de nada nem muito menos analista de qualquer coisa. Sou apenas um observador atento da cena diária, um crítico ácido das mazelas sociais, políticas e econômicas do Brasil. Um sujeito verdadeiramente indignado com o atraso, a miséria, a corrupção, a violência, enfim, com o País que recebi de meus pais e avós, e que miseravelmente deixarei para minha filha e netos. Escrevo com paixão e sangue nos olhos em busca da companhia de milhões de leitores que encontram ecos de seus protestos em meus precários textos.





O jornalista Mario Sabino, que acompanho desde os tempos de Veja, e agora no site O Antagonista e na revista eletrônica Crusoé - talvez por influência dele mesmo eu seja como descrevi acima -, em artigo triste, porém brilhante, ou em artigo brilhante, porém triste, como queiram, citou dois autores históricos brasileiros, Paulo Mendes Campos e Lúcio Cardoso, e trechos de livros seus, respectivamente, O Anjo Bêbado (1969) e Diário Completo (1949), em que, também respectivamente, diziam: “... Esse monstro é o Brasil. Falta-lhe alarmantemente o mínimo de uniformidade social…”, e “O Brasil é um prodigioso produto do caos. Já nos acostumamos com isso. Não dói mais”.

Sabino escrevia sobre sua desilusão e desesperança com o País. Ao final, disse o seguinte: “Não verei país nenhum, apenas esse zumbi vagando pelo cemitério abandonado de princípio e ideias”. Eu e meu ídolo das letras temos duas diferenças gritantes: ele é excepcional como escritor, e eu, medíocre, apesar de conseguir me comunicar com meus leitores. Ele é triste nas palavras, e eu, raivoso. Sinceramente, não sei qual dos dois sentimentos causam mais estragos ao fígado e ao coração, quiçá ao córtex pré-frontal, mas tenho certeza de que Sabino, como este abestado aqui, sofre bastante a cada ponto e vírgula digitados, pensados e sofridos neste triste e gigante pedaço de terra.

Ao ler o artigo citado me deparei com a ira, ou tristeza, vá saber, comuns a Campos e a Cardoso, cinquenta, sessenta anos atrás, e, provavelmente, antes deles, de outros, bem como, provavelmente também, cinquenta, sessenta anos à frente, de mais alguns que olharão para trás e verão Sabino e eu, e sentirão o mesmo peso sobre os ombros cansados que sinto agora, e pensei: “Não vê que então eu me rasgo, engasgo, engulo, reflito e estendo a mão? E assim nossa vida é um rio secando, as pedras cortando, e eu vou perguntando: até quando? São tantas coisinhas miúdas, roendo, comendo, arrasando aos poucos com o nosso ideal. São frases perdidas, num mundo de gritos e gestos, num jogo de culpa que faz tanto mal”. Pois é: até quando, Brasil? Um abraço, Gonzaguinha querido.