Jornal Estado de Minas

EM DIA COM A PSICANÁLISE

Estaremos sós, de fato, quando nos abandonamos

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Algumas pessoas têm medo da solidão. Sempre buscam companhia para nunca ficarem sós, dependem de alguém quando têm medo. Acreditam que em companhia de outras pessoas não estão sozinhas. Este medo infantil acompanha as pessoas até bem tarde ou para sempre na vida.  Nascemos dependentes de um outro. E não gostaríamos de perder sua presença nunca.





O medo da criança de ficar sozinha vem do desamparo sentido quando seu cuidador se afasta. É um medo natural, pois nascemos prematuros. Sem alguém, nosso instinto de vida dá sinal de alerta, não há meios de sobrevivência sem quem nos carregue, alimente, limpe e acolha. Sem alguém que fale conosco, que emita sons. 

A sonoridade da voz humana é extremamente importante para o bebê. Estes primeiros sons são fundamentais para a humanização. A voz humana vibra em nós, faz eco e sem barreiras.

Marca nossa entrada na cultura e nessas marcas repousarão as palavras. Elas são significantes que representam o outro para nós e que mais tarde nos representarão também. Através deles poderemos nos estruturar como sujeitos. E aí, sim, o que nos protegerá será a capacidade de usá-las em nome próprio, na convivência, trocas com as pessoas e em defesa da vida.

Na literatura de Freud, ele relata o que uma criança disse à tia que dormia no mesmo quarto: “Tia, fala alguma coisa, estou com medo do escuro!”. A tia: “O que adianta eu falar se você não me vê?” Ao que a criança responde: “É que quando escuto sua voz, parece que luz acende!”

Acho este relato muito lindo. Ele já aponta quão importantes são as palavras e mais ainda quanto os sons podem nos servir. Nos representar para o outro. Ele nos dá materialidade, presença. Cante para mim e saberei que está.





O medo é um sentimento humano. Quem não tem medo de nada, é perigoso. O medo em certa medida serve para nos proteger, para não nos deixar ousar demais, propõe um limite e nos contém. Ele só se torna patológico quando nos paralisa e já não podemos ter liberdade, evitamos sair, perdemos viagens e evitamos amar e nos isolamos.

Como nas fobias. Os fóbicos preferem não sair de casa a se depararem com o objeto de seu medo. Assim era Hans, muitos o chamam Joãozinho, paciente de Freud. Não podia sair, ver a avó que adorava, para não ver cavalos, naquela época das charretes, carroças, etc. Através do pai, orientado por Freud, o medo foi traduzido como um chamado ao pai, ausente, para que ocupasse seu lugar na família.

Enganam-se aqueles que já adultos temem a solidão e acreditam poder debelar seu medo tornando-se dependentes. É uma armadilha, um tiro no pé. Fazer um com o outro sempre dá errado. Primeiro, porque nem toda companhia é confiável ou protetora. Segundo, porque se dependemos tanto, acabamos aceitando tudo, até o que não deveríamos.

Para concluir, acredito que estaremos sós, de fato, quando nos abandonamos. Deixamos de nos relacionar conosco. A cara metade da laranja, como diziam os padres nos casamentos, não existe. É ilusão, somos únicos, e mais: divididos entre consciente e inconsciente, a realidade psíquica e a material.

Viver é perigoso e o medo tem sua função. E se não assumirmos a vida como ela é, nós seremos levados à revelia pelos nossos fantasmas imaginários e amedrontadores.