Jornal Estado de Minas

EM DIA COM A PSICANÁLISE

Temos de nos empenhar em realmente escutar o outro

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Um pedido de socorro nem sempre é explícito. Ele vem de formas tortas e enviesadas. Vem sem que o próprio sujeito saiba. Vem do inconsciente. Podemos percebê-lo se estivermos ligados e atentos ao que o outro demonstra em seus atos, palavras e entrelinhas. E aí há uma demanda, um apelo esperando para ser escutado.





Podemos observar que quando alguém se dirige a nós, por qualquer motivo e de qualquer forma, seja palavra, gesto, queixa ou ato, está esperando, no mínimo, ser visto, escutado e obter a nossa atenção. Isto é uma demanda. Às vezes, velada ou encoberta sob o véu de desamparo. Sem jeito, tímida.

Se andamos distraídos e absorvidos pela correria do dia, os compromissos e com nossas próprias prioridades, não nos damos conta e a coisa escapa. Às vezes, justo daqueles que estão bem na nossa frente, ao lado e são próximos e familiares.

Filhos e pais não se escutam. Assim como amigos, vizinhos, colegas. Vivemos a vida tomados por nossos próprios fantasmas, pouco atentos a palavras que nos dizem e a gestos que nos enviam.

Na clínica, não cansamos de alertar aos pais, companheiros e irmãos sobre a necessidade da atenção voltada para o emocional de cada um na família. Não são os deveres e atividades que nos mantêm ocupados que resolvem ansiedades e angústias. Isto é um engano. Dos grandes.




É necessária a atenção psíquica delicada e firmeza na direção. É preciso coragem para dizer não, educar, chamar para uma conversa e exigir, por amor, que o filho, irmão ou amigo não se perca. Não importa a idade, nem o medo de contrariá-lo. Importa o gesto, a palavra que pode salvar o outro de si mesmo, caso não se sinta acolhido e incluído ao desejo do outro.

As pessoas em sofrimento nem sempre buscam ajuda. Elas acreditam que podem aguentar sozinhas e que a força vai ajudar. Força não resolve nada. Ao contrário, só nos faz mais exigentes e duros conosco.

Pessoas que buscam apoio no álcool, drogas ou em qualquer tipo de excessos geralmente nunca pedem ajuda. Mas sua conduta está clara e visivelmente associada ao desejo de autodestruição, que pode ser percebido por quem está por perto. Mas estes, embora próximos, podem estar, ao mesmo tempo, longe, muito longe.

O que leva uma pessoa a desejar a morte e ir neste caminho, mesmo que indiretamente, é o não pertencimento ao desejo do outro, não estar na posição de desejável. Não se encaixar no desejo de alguém que o acolha, cuide, retire-o do desamparo fundamental no qual nascemos.




O fato de estarmos próximos fisicamente não garante o desejo. O desejo de viver é herdado. Nascemos como sujeitos capazes de desejar e nos humanizamos quando somos desejados. Estar perto não tem nada a ver com atenção àquilo que o outro sofre.

Fazemos laços pela palavra e sem eles estaremos fora da vida em comum. Ficamos à margem da nossa cultura, assim como são os autistas, psicóticos, esquizofrênicos, etc. Passamos uma vida ao lado de alguém sobre quem pouco ou nada sabemos. E a dor de existir é para todos, pelo fato de existir um real que não podemos controlar e nem ter certeza de quase absolutamente nada.

Estamos à mercê do acaso, grãozinhos de areia no universo sem saber até quando. Nosso fim é a única certeza. A vida é sem garantias, do amor do outro não podemos ter certeza, isso faz a dor do ser. Ela é para todos. Por mais que nos esforcemos para fugir dela ou negá-la, surge sem aviso prévio. E dói o peito. Como dói.



A clínica oferece espaço de atenção psíquica, oportunidade de escuta deste pedido de amor, seja mudo ou aos gritos. Porém, não para satisfazê-lo. Ao contrário, a verdadeira ajuda permite ao sujeito seu próprio desejo, retirando-o de seu equívoco em pensar que a solução esteja no outro, no amor, na vida festiva, na ocupação constante, na bebida ou nas drogas, sejam elas legais ou ilegais.

A vida não tem solução perfeita, é acidentada, os caminhos são tortos com inclinações imprecisas e trilhas tortuosas de difícil acesso, perigosas. Quase sempre é um grande esforço viver.