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Estado de Minas EM DIA COM A PSICANÁLISE

As cores de Van Gogh na escuta psicanalítica

É incrível que alguém tenha concluído por sua observação sutil que a noite tem mais cores que o dia


07/03/2021 04:00


Van Gogh era genial. Tinha um estilo tão particular que revolucionou a arte pictórica de sua época, trazendo sua interpretação da natureza através de suas cores vibrantes e incríveis pinceladas. Seu olhar assimilou da natureza um cenário inusitado, retratando o que sempre esteve ali e ninguém viu como ele. Sua singularidade se transmite causando reações, impacto considerável, como descreve o psicanalista Fabio Borges em um belo texto, recente, que por sorte me foi encaminhado. Considerei um presente.

Neste texto, relata sua experiência a partir de um filme em que as pinturas vão se fazendo na tela. Imerso nas pinturas como se delas fizesse parte, se interessa pela vida de Vincent. E disto faz escrita.

Além de retratar a vida e o percurso do pintor em Provence, Sul da França, considerado o mais criativo do pintor, Borges revela algo de clínico e pontual, próprio da escuta aguda e firme de um psicanalista que percebe o que ali é transmitido ao observador capturado pela expressiva obra.

Trata-se de um sujeito atravessado pela obra de Vincent que “transforma o mínimo elemento, o mais banal, o tema cotidiano, cada migalha do real, através de uma compreensão das coisas e de sua fidelidade à sua essência, numa descrição tão verdadeira, que, muitas vezes, alcança o sublime. O mundo não seria mais o mesmo, esta foi a grande contribuição de Van Gogh para o mundo da luz.”

Neste texto, absolutamente clínico – embora nada teórico – mostra ter sido atravessado pela obra no sentido que o filósofo Alain Badiou fala do acontecimento, isto é, depois deste encontro alguma coisa muda, não será como antes.

Outros autores, biógrafos que se depararam com as obras deste genial pintor relataram efeitos como se pela primeira vez pudessem ver as cores do mundo. Jamais serão os mesmos, afirmaram. Irving Stone, que escreveu a biografia “A vida trágica de Van Gogh” (1968), questiona se depois do encontro com Van Gogh esteve cego toda sua vida.

Van Gogh inovou, apostou em sua capacidade de retratar as cores de uma tal forma que foi capaz de suscitar fortes emoções. Em Provence, desbravou em tela a mesma paisagem dos grandes mestres que o antecederam, mas nada até então se assemelhava a seu estilo, embora possamos reconhecer as mesmas paisagens.

A vida pulsava em suas veias, as cores enchiam seu olhar, seu pincel encontrava a tela em raros toques em deslizamentos e, como descreve Borges, em lâmina, vírgulas, como os impressionistas, traços que sugerem movimento.

Concluo, por não encontrar melhores palavras, citando Borges: “Na medida em que escrevia, sentia como se estivesse pintando um pedaço do mundo. Com isso, pude ir abrindo os olhos e tendo acesso às pinturas de Van Gogh. E fui percebendo que sua obra exige um trabalho como aquele que ocorre nos sonhos quando partimos de um resto, um resíduo que permanece em cada um de nós como algo não assimilável”.

Extraí de Ingo F. Walther, em “Vincent Van Gogh 1853-1890 – Visão e realidade” (2016), as seguintes palavras: “O pintor tem acesso a um pedaço do mundo. Sempre se trata de um pedaço da realidade porque não temos acesso à realidade inteira. Temos então a produção de um sonho – ou de um quadro ou de um texto. Nas palavras de Van Gogh 'experimento uma terrível clareza em momentos em que a natureza é tão linda. Perco a consciência de mim mesmo, e os quadros vêm como um sonho...'”

Na experiência de Borges, abrem-se os olhos para vermos outra Provence, que não havia sido vista pelos outros pintores realistas que ali estiveram. Essa é a diferença entre Van Gogh e outros pintores.

É incrível que alguém tenha concluído por sua observação sutil que a noite tem mais cores que o dia. E este não é outro senão Van Gogh.

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