Jornal Estado de Minas

Em dia com a psicanálise

Antonio Quinet dirige releitura de clássico de Nelson Rodrigues

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A recente onda de preconceito racial que insiste e se perpetua de diversas formas carece de atenção. Não podemos mais tolerar que ainda é a carne negra a mais barata do mercado. Assim como é intolerável que as mulheres sofram com o machismo, a violência e o abuso. 





Sobre os modos de gozo dos viventes que se escondem da consciência e se abrigam pulsantes e inconscientes no seio da sociedade, consultemos o mestre. Aquele que defendia ver a vida como ela é. Ninguém menos que Nelson Rodrigues, com sua enorme sensibilidade para captar e traduzir a cena subjetiva, a verdade escondida sob o véu encobridor moralizante da convivência social, que limita o gozo desregrado das temidas forças passionais.

A Cia. do Inconsciente, dirigida pelo psicanalista e dramaturgo Antonio Quinet, com a peça Anjo negro, de Nelson Rodrigues, lança luz a conteúdos inconscientes, estranhos ao indivíduo, porém não ao sujeito que ele é e que não pode abrir mão das determinações que o arrebatam e de motivações reprimidas que escapam a essa condição.

Será uma inovadora peça-série-montagem. Cada um dos atores construiu cenários, figurinos, iluminação e som. E o fizeram com dedicação, carinho e tudo que o espetáculo merece, de acordo com Quinet. O elenco se encontrou uma única vez, seguindo todos os protocolos sanitários para o ensaio fotográfico com Flavio Colker.





Cada ator é também iluminador, cenógrafo e diretor. Uma grande experiência de solidariedade e trabalho colaborativo, na qual todos eles se reinventam. A produção não conta com patrocínios e será custeada exclusivamente com a arrecadação da bilheteria. Um esforço para manter viva a arte cênica nesse formato híbrido on-line que o respeito social os levou a inventar.

Ruy Castro, biógrafo de Nelson Rodrigues, conta que em conversa com um amigo negro, no Rio dos anos 1940, ele dizia que o negro nos Estados Unidos era caçado a pauladas e incendiado com gasolina. Racismo no Brasil é pior, o negro é humilhado até as últimas consequências. A ideia corrente naquela época era de que no Brasil não havia preconceito racial.

Nelson teria despertado para o problema do negro aos 16 anos, no Recife: “No Brasil, o branco não gosta de preto e o preto também não gosta de preto.” Tinha birra da mania do teatro brasileiro de apresentar o negro sempre como “moleque gaiato”. Ali talvez tenha nascido o germe de Anjo negro.





Quando levou a peça Anjo negro (1952), que, por incrível que pareça, passou pelo crivo da “comissão cultural” que selecionava o repertório do Teatro Municipal, havia um porém: o ator tinha de ser branco pintado de preto. Só se admitiam negros em espetáculos folclóricos...

Sobre o personagem: “O negro Ismael – o herói – é belo, forte sensível e inteligente. Esse desfile de qualidades não é tudo, porém. Se ele fosse perfeito, cairíamos no exagero inverso e faríamos um negro tão falso quanto o outro. Ismael é capaz também de maldades, de sombrias paixões, de violências, de ódios, mas, no ato de amor e crueldade, ele é, será sempre um homem com dignidade dramática, não um moleque gaiato.”

A peça em três episódios-atos mostra o drama de uma família rodrigueana com tudo a que tem direito. Estruturada como uma tragédia grega, talvez Medeia, e ambientada no Rio de Janeiro, coloca em cena o inconsciente com seus paradoxos, paixões e crimes. É grande a expectativa sobre essa alta aposta no novo teatro, o único possível em tempos de COVID.

A estreia on-line será no próximo sábado, 31 de outubro, às 20h. Ingressos já estão à venda no site Sympla.

audima