
Sem entrar nas entranhas da despesa pública, imaginou-se lá atrás que bastaria fixar uma meta aceitável de crescimento do gasto não-financeiro total (meta essa, no caso da União, igual à inflação decorrida), para que, com vontade política mediana, se obtivesse esse resultado via uma gestão convencional na área do dispêndio público.
A prática se revelou bem diferente, com o crescimento deste parecendo não ter limite, daí os mercados exigirem uma taxa de juros cada vez mais elevada para “rolar” a dívida pública, com tudo de ruim que isso implica.
O “x” da questão, pouco percebido, é a extremamente rígida estrutura do gasto público que se materializou ao longo do tempo em nosso país. Com foco na União, apenas dois itens, previdência e assistência social (esta uma prioridade óbvia), que em 1987 correspondiam a 28,3% do total, em 2021 passaram a ostentar o peso total de 68,2%. Ou seja, o peso de tal aglomerado cresceu não menos que 141% nesses 34 anos.
Assim, como alguns outros itens crescem a taxas também elevadas, a contenção dos itens menos rígidos, notadamente os investimentos, hoje super comprimidos em todos os cantos, não se mostra mais capaz de impedir o desastre.
Além do mais, os gastos das demais esferas de governo, mais de 20 estados e acima de 2 mil municípios, têm mostrado comportamento similar, com a ênfase do maior crescimento recaindo exatamente sobre o item previdência.
Para sentir o tamanho do problema, e considerarmos os gastos previdenciários de todas as esferas em um período mais recente, o crescimento real médio se situou, em ordem crescente, em 3,1% e 5,1% a.a. na União (o primeiro se referindo ao regime próprio e o segundo ao do INSS, em 2006-21 e 2006-20, respectivamente); 5,9% a.a. no regime próprio dos estados (2006-18); e 12,5% no dos municípios (2011-18).
Especialmente por essa razão, e mantidas constantes as razões investimento privado/PIB, os investimentos públicos em infraestrutura de todas as esferas públicas vêm desabando há muitos anos. Em % do PIB, a taxa de investimento público em infraestrutura caiu 9 vezes do final dos anos 80 até hoje, e junto com ela a taxa de crescimento do PIB, esse o grande drama.
Assim, o outro desafio central que o novo governo irá encarar, fortemente associado ao primeiro, é a retomada do crescimento econômico a taxas razoáveis, após décadas de desempenho pífio, o que nos traz de volta aos excessivos gastos previdenciários e aos parcos investimentos.
O fato é que, conforme estudos de destaque na área, quanto maiores os investimentos, maior o crescimento do PIB e menos desigual a distribuição de renda. E não adianta esperar muito por enquanto do lado dos investimentos privados, pois a razão investimento privado em infraestrutura/PIB está estagnada em torno de 1% do PIB desde os anos 80, e nada tem parecido capaz de movê-la daí.
Ou seja, na essência, não há como fugir da promoção do equilíbrio financeiro e atuarial de todos os regimes próprios de previdência, conforme o Par.1º. do Art. 9º. da EC 103/19, embora muito pouco se tenha feito nessa direção, o que é difícil de entender. Assim, aquilo que deveria constituir o núcleo da nova âncora fiscal, ou seja, o comando para a zeragem dos déficits previdenciários, já até existe.
Falta só implementá-lo com muito maior disposição. Zerados esses déficits, cria-se o espaço para investir mais e melhor, e, finalmente, crescer o PIB, o emprego e, por tabela, a receita pública.
A União precisa dar o exemplo, mas, com foco no caso mais frágil dos estados e municípios, devem-se projetar os déficits previdenciários nas próximas décadas, algo que já é uma rotina estabelecida nos entes, e finalmente calcular em quantos anos os investimentos, por falta de espaço, tenderiam a desaparecer.
Por volta de 2019, fiz esse cálculo para o estado mais rico da federação, São Paulo, e, pasmem, verifiquei que, depois de ter investido R$ 30 bilhões em 2009, a preços de 2019, isso tenderia a acontecer já em 2025, caso nenhum ajuste previdenciário fosse feito. Hoje esse quadro mudou um pouco, mas ainda assim sua situação financeira crítica é chocante.
No outro extremo em termos de dimensão, temos o caso do meu Piauí que, graças à competente gestão de Wellington Dias e equipe, cujo esforço de equacionamento acaba de reverter (2022) uma situação de déficit previdenciário previsto em R$ 1,8 bilhão para algo ao redor de R$ 0,3 bilhão.
Aproveitando a experiência de organizações que já existem, como o consórcio de governadores que Dias até a pouco dirigia, e as confederações de municípios, Lula deveria reunir os atuais titulares desses entes com Dias do seu lado, e apoiar a montagem e execução de um verdadeiro programa de equacionamento para o país voltar a crescer.
