Jornal Estado de Minas

RAMIRO BATISTA

Fetiche lulista do direito trabalhista pode resgatar imposto sindical

Como ando de carro ou a pé, totalmente desprovido de jatinho, todo dia a vida me põe de frente com o mundo real de empregadas domésticas, pintores, pedreiros, marceneiros, mecânicos, cabelereiros, manicures, porteiros, entregadores, lavadores ou guardadores de carros das ruas.





Como costumo negociar e conversar com eles, posso garantir que querem boa renda e boas oportunidades de serviço. Desejam cada vez menos emprego fixo e obrigação de encarar jornada e cara feia de patrão por nove horas diárias, depois de outras quatro de condução.

Até aceitariam uma jornada obrigatória se tivessem estabilidade com salário bom e certo, mensal, como têm os servidores públicos. O que nenhum empresário ou reforma trabalhista pode garantir.

Renda alta, emprego e salários garantidos são incompatíveis com obrigações trabalhistas na iniciativa privada, onde dinheiro não dá em árvore e um funcionário custa o triplo do que recebe. 





O meio da pirâmide para cima, onde estão profissionais liberais como médicos, advogados ou os empregados de alto nível das grandes empresas, já sabe disso há muito tempo e pratica outras formas de remuneração informal ou suplementar: cooperativas, sociedades, contratos autônomos sem vínculos.

É uma ilusão achar que a maioria dos empresários vá pagar R$ 10 mil a um empregado com todos os requisitos da lei, que redundarão num encargo total de R$ 30 mil. E nem que o funcionário vá aceitar. Nesse estágio, negocia um registro básico em carteira e alguma flexibilidade num contrato de ganhos paralelos, como autônomo ou microempreendedor de nota fiscal.

Na base da pirâmide, autônomos de bicos como mecânicos, pintores ou pedreiros, também já perceberam isso há muito tempo. Não têm a ilusão do emprego fixo e registro em carteira que lhes coma a maior parte da remuneração.





Faltavam os que estão abaixo dessa linha, trabalhadores domésticos, cuidadores de idosos, babás ou outros sub especializados, que começam também a exigir novas relações. Não podendo ter salários melhores, pelo menos querem escolher onde, quando e como trabalhar.

É cada vez mais comum que empregadas domésticas prefiram ser diaristas de R$ 120 a faxina diária ou R$ 2.640,00 mensais, donas de sua própria disponibilidade, a ter que dar satisfações de hora marcada, um mês inteiro e quatro ônibus de madrugada, para receber um salário de R$ 1,1 mil, quando bruto. Líquido, pouco mais de R$ 900,00.

Já ouvi de um lavador de carros que não sai de seu ponto na rua para um emprego fixo sem um mínimo de R$ 3 mil mensais no bolso, próximo do que costuma arrecadar com sua renda diária de uns R$ 150 ali.





Como já cruzei com outros braçais autônomos que se arrependeram de terem aceito um emprego na construção civil, para amargar um salário líquido de pouco mais salário mínimo, que poderiam conseguir em apenas um bico de fim de semana.

Donde se explica a contradição de termos os mais altos índices históricos de desemprego e informalidade, com quase 40 milhões de adultos, e vagas sobrando nas empresas, sobretudo as de construção civil.

Pergunte a um pequeno empresário se está fácil arranjar bons empregados. E experimente a sina de tentar arranjar um autônomo para seu conserto, a preço baixo. Com a pandemia e o aumento da demanda, os preços de serviços autônomos explodiram.





Com a desvalorização do real e o excesso de encargos que uma cultura paternalista foi criando em décadas, chegou-se a um ponto em que o salário formal é ridicularmente baixo para quem recebe e injustamente alto para quem paga.

Não segura o empregado e nem lhe dá a segurança na velhice, que em tese a lei trabalhista deveria garantir. Até porque a sabedoria das ruas vai aprendendo que se aposentar aos 65 anos com um salário miserável de R$ 1,1 mil não é a melhor ideia que se possa ter de segurança.

No novo mundo do trabalho online,  facilidades de terceirização, acesso quase universal a novas tecnologias e tantas oportunidades sem compromisso, na era dos empregos por aplicativos, salário em carteira deixou de ser interessante para os dois lados.





E direito trabalhista deixou de ser a principal preocupação. Sobrevive como fetiche dos que falam em nome dos trabalhadores, atrás de voto, sem conhecer seus atuais interesses.

Como Lula, que parece ter voltado a panfletar no chão de fábrica do final dos anos 70, como se vislumbrasse como única realidade a massa de macacão na fila do ponto, satisfeita por ter salário e horário certos, tocados a sirene.

Na última semana, ele puxou o coro contra a reforma trabalhista de Michel Temer, aprovada para tentar uma modernidade mínima nas novas relações de trabalho e sobretudo abater a indústria da chicana que alimentava advogados e uma justiça trabalhista que pensa como ele.

Não acredito a sério que tenha perdido a noção do tipo de trabalhador mais moderno, que só enxerga da janela dos jatinhos que o afastou do chão da fábrica e das ruas por onde circulo dando de cara com a vida real. 





Seria muito simplório dizer que não veja a planície na torre em que vive cercado por funcionários pagos pelo erário e o partido, sem nunca ter precisado enfiar a mão no bolso para pagar um pastel em campanha ou fazer as próprias ligações no celular, como garante Fernando de Morais na sua mais recente biografia.

Foi ele quem criou o Micro Empreendedor Individual (MEI) que ajudou a informalizar grande parte do mercado de trabalho e recentemente se compadeceu do novo grande ator dessa nova era, o entregador de aplicativo, com uma boa frase: “entregador não é microemprededor, é microescravo”.

Problema é que não perde o ranço de seu modelo engessado e paternalista de lei trabalhista, do tempo em que andava de macacão. Defendeu para os entregadores uma lei específica com o rol de exigências próprias de uma legislação por natureza detalhada, sem perguntar ao trabalhador se ele está disposto a dar as contrapartidas que uma lei obriga entre partes. 





Sua pregação acabou fazendo Jair Bolsonaro embarcar na sanção de alguns benefícios previstos em nova lei do Congresso, como seguro e licença médica remunerada, que desconsideram a natureza do  trabalho autônomo, que pressupõe um contrato de livre e espontânea vontade entre adultos. Em que o valor contratado já inclui condições e responsabilidades de lado a lado.

Ou é isso ou pode estar, a seu jeito Lula de ser, aspergindo outra cortina de fumaça para esconder outros interesses inconfessáveis.

Como o de ressuscitar o imposto sindical, um dia de salário anual de cada trabalhador, que fez a festa do sindicalismo e das campanhas eleitorais de esquerda que eles ajudaram a financiar ilegalmente.

Para resgatar algo tão anacrônico, que serve mais a propósitos eleitorais do que à maioria dos trabalhadores descontados, é preciso apregoar que as relações de trabalho do tempo do macacão não estão superadas.





Sua mais devota linha de transmissão para tudo, Gleisi Hoffman, acabou de dizer aos jornais que ele não vai emitir nova Carta ao Povo Brasileiro (sua promessa de pacto com as elites econômicas na primeira campanha eleitoral vitoriosa, em 2002), porque não vai, segundo ela, dar ouvidos ao “mimimi do mercado” ou ao  “pessoal do dinheiro”.

Há bom tempo que não há dúvidas de que o Lula dos jatinhos e dos grandes acordos de elite ouve mais o pessoal do dinheiro do que seus empregados. E, se sim, certamente já ouviu dele, nas poltronas confortáveis cruzando os céus, que o modelo dos trabalhadores de macacão do seu tempo está em extinção.

Que a reforma trabalhista que ele quer derrubar acabou com algumas excrescências como o imposto sindical e uma indústria infernal que, modernizar as relações trabalhistas, não era bem o que visava.

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audima