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Juros altos nos EUA: troca do pior pelo menos ruim

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Foi no coração do maior e mais sofisticado mercado financeiro do mundo, o dos Estados Unidos, que estudiosos dos mecanismos de controle e de manipulação das reações de grupos sociais tiveram, na semana passada, a comprovação de uma de suas teses mais importantes: a da aceitação de qualquer coisa menos ruim em troca do mal que os aflige.





Como sempre, o que ocorre no mercado financeiro dos Estados Unidos mexe de alguma forma com o resto do mundo. Lá, o ambiente de tensão, que há semanas vinha sendo provocado pela inflação de 9,1%, a mais alta dos últimos 40 anos, ganhou mais combustível na quarta-feira, 20 de julho.

Nessa data, o FED (o banco central dos EUA) aprovou mais um aumento da taxa de juros. Atrasado no combate à inflação que, desde o fim da pandemia de COVID-19, é fenômeno mundial, a autoridade monetária americana começou em março deste ano a inversão de sua até então leniente política monetária. Na pauta da reunião, o comitê de mercado aberto do FED (o Copom dos EUA) tinha três opções de aumento dos juros: 0,25, 0,75 ou 1 ponto percentual.

O aumento escolhido, de 0,75 ponto percentual, não foi o mais alto, mas tem peso suficiente para sinalizar que o FED está mesmo disposto a endurecer a política monetária nas suas próximas reuniões. Ao encarecer o crédito para conter a demanda e, com isso, frear a corrida dos preços, essa inversão da política de juros terá o efeito de transformar a atual desaceleração da economia americana em recessão.





O pior é que, enquanto a alta dos juros não fizer efeito sobre o consumo (geralmente, leva de quatro a seis meses), a maior economia do mundo tende a passar por estagflação, isto é, estagnação com inflação. Esse cenário, em que a maioria dos negócios perde tração e muitas empresas passam a ter baixa lucratividade será, na visão do mercado financeiro, tão mais corrosivo quanto mais forte e duradouro for o aperto monetário.

Nos países emergentes, como o Brasil, a preocupação naquela quarta-feira não era menor, principalmente quanto à necessidade de o FED continuar acelerando o aumento das taxas de juros pagos pelos títulos americanos. Além de a desaceleração provocar a redução das importações americanas, as altas taxas de juros nos Estados Unidos motivam a fuga dos capitais aqui aplicados em direção ao mercado do país emissor do dólar.

Contudo, menos de 24 horas depois, os investidores e operadores do mercado financeiro dos Estados Unidos se surpreenderam com a informação de que o Produto Interno Bruto (PIB) do país havia fechado o segundo trimestre de 2022 com desempenho negativo de 0,9%.




Ocorre que, no trimestre anterior, o desempenho do PIB tinha sido ainda pior: perda de 1,6%. Para boa parte dos economistas, dois trimestres seguidos de queda no desempenho do PIB configuram recessão técnica, ou seja, o país está a um passo da recessão econômica.

EUFORIA


Mas, em vez de tristeza pela má notícia, o que houve foi festa nos Estados Unidos. As bolsas do lado de cá do Atlântico acompanharam a euforia e também fecharam a quinta-feira em alta, depois de conviver vários dias com desânimo e perdas. A euforia chegou até a nossa B3, que fechou a quinta-feira em alta de 1,14%.

A lógica por trás dessa alta das bolsas é a de que, se a economia dos EUA já está em recessão, não há mais razão para continuar aumentando a taxa dos juros. Ou seja, para o mercado financeiro, passou a ser razoável esperar que, na próxima reunião, marcada para os dias 20 e 21 de setembro, o comitê de mercado aberto do FED desacelere a inversão de sua política monetária.





Em resumo, o mercado financeiro parece ter aceitado a troca do atual aperto monetário pelo risco de que a desaceleração nos EUA se transforme num quadro de estagflação de imprevisíveis profundidade e duração.

A coisa não parece ser assim tão simples. O problema é que, de quem cabe responder se vale a pena correr tamanho risco, ou seja, do comando do FED, não se ouviu ainda uma orientação clara e isso não deixa de ser preocupante. Depois de ter retardado o combate à inflação, a autoridade monetária dos Estados Unidos não pode agora titubear em manter seu propósito de trazer a inflação para o mais perto possível da meta anual de 2%.

BANCO CENTRAL

Pode parecer exagerada, mas tem boa dose de razão a posição recentemente manifestada pelo respeitado economista brasileiro José Afonso Pastore, ex-presidente do nosso Banco Central, de que os bancos centrais têm de ser independentes não apenas dos governos, mas também dos mercados.





A propósito, o nosso Comitê de Política Monetária (Copom do Banco Central) começa hoje mais uma reunião e deve anunciar amanhã à tarde sua decisão de política monetária. Na ata da última decisão de elevar a Selic para 13,25% (tomada em junho), o comitê antecipou a possibilidade de repetir a dose (0,5 ponto percentual de aumento) ou adotar taxa menor.

É verdade que o Brasil vive um momento de baixa da inflação – por enquanto localizada em alguns segmentos beneficiados por redução de impostos. O que se espera é uma posição prudente de reconhecer a atual queda dos preços, sem correr o risco de julgá-la uma tendência. Nesse ponto, estamos bem melhor do que o FED.