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Emenda impositivas: políticos querem sempre mais

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Deputados e senadores podem dar fim hoje a uma barulhenta e pouco construtiva batalha por um naco do Orçamento Geral da União. Trata-se de mais um capítulo da novela a que a sociedade vem assistindo perplexa há mais de um ano, e que tem como enredo o fim da prática do toma lá dá cá, muito em voga nas relações do governo com o Congresso Nacional nos últimos 20 anos.


 
Essa prática garantia ao chefe do Executivo a aprovação de seus projetos pelo Parlamento, mediante a liberação de verbas propostas pelos congressistas e da farta distribuição de cargos na administração pública e em empresas estatais fe- derais. Além de representar uma grave distorção do processo democrático – deputados e senadores não foram eleitos para vender apoio a projetos do Executivo –, essa prática leva quase sempre a uma outra bem pior: a do desvio do dinheiro público.

Mas, acostumados a esse tipo de “articulação”, os políticos com assento no Congresso Nacional, certos de que o governo cumpriria sua promessa eleitoral de rigidez administrativa, trataram de assegurar pelo menos o acesso às verbas, já que não indicariam afilhados para os cargos.
 
Eles já tinham sido derrotados pela opinião pública, que pressionou pela redução do fundo eleitoral. Queriam R$ 3,8 bilhões, levaram R$ 2 bilhões e ainda acharam pouco. Acabaram buscando uma outra solução, dessa vez muito mais avassaladora e perigosa para as contas públicas. Avançaram sem dó sobre uma lei de 2015, que havia tornado obrigatória a liberação de verbas para as emendas parlamentares individuais e de bancadas.


 
Tal lei manda que 1,2% das Receitas Correntes Líquidas da União sejam destinadas às emendas parlamentares. Para as individuais, a previsão original era de R$ 5,9 bilhões e R$ 9,4 bilhões para as de bancadas. Mas, numa manobra de última hora, criaram uma nova modalidade: emendas do relator da matéria, no valor de nada menos do que R$ 30,1 bilhões.


GARFADA DE BILHÕES


Esse dinheiro, que equivale a um ano inteiro do Programa Bolsa-Família, será distribuído pelo relator do Orçamento aos deputados e senadores, para que possam implantar projetos em suas bases eleitorais, justamente em ano de eleições municipais. É uma mordida gigante no Orçamento Geral da União, que pode comprometer todo o esforço de contenção de gastos do governo em busca da correção do enorme rombo fiscal herdado desde 2015.
 
 O direcionamento das verbas orçamentárias pelo Poder Legislativo não é um mal em si. Pelo contrário, muito se tem insistido que cabe aos representantes do povo no Parlamento o papel de decidir, em nome da sociedade, onde e quanto se vai aplicar do dinheiro do povo. Na prática, isso já vem sendo feito e até com um certo exagero. Hoje, 94% do Orçamento federal está carimbado.


Porém, em períodos de recessão e recuperação lenta da economia e dos empregos, esse nível de engessamento das verbas públicas é contraindicado. O governo fica sem condições de realizar investimentos, seja em estradas e energia, seja em inovação, pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
 
No caso do Orçamento para 2020, que é de R$ 3,7 trilhões, esse engessamento resulta em que o total das verbas chamadas discricionárias – que podem ser direcionadas conforme os projetos do governo ou em emergências – mal passam de R$ 126 bilhões. Com a nova mordida dos R$ 30,1 bilhões, essa rubrica cairia para R$ 96 bilhões.
 
Os reflexos no funcionamento da máquina pública serão danosos e não se afasta o risco de o governo ser obrigado a fechar ou reduzir o funcionamento de órgãos e repartições que atendem milhões de pessoas. Tanto transtorno apenas para que os políticos possam garantir boa votação em seus candidatos nas eleições deste ano.


PARECE ARMADILHA


Tem mais um detalhe que deve preocupar o go- verno. A Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê um déficit fiscal em 2020 de R$ 124,9 bilhões. Essa meta já era difícil de ser alcançada, apesar de todos os cortes e contingenciamentos que a administração terá de fazer ao longo do ano. Agora, com a garfada de R$ 30,1 bilhões, será quase impossível.
 
Ou seja, é muito provável que, no segundo semestre, o governo tenha que pedir ao Congresso que aprove a elevação do déficit fiscal. Sem essa autorização, o presidente corre o risco de cometer crime de responsabilidade, sujeitando-se ao impeachment. Ninguém vai confessar que foi esse o propósito da emenda bilionária. Mas é difícil negar que ela se parece com uma armadilha.
 
Não foi, portanto, sem motivo que o presidente da República vetou essa alteração no texto original da LOA 2020. Ocorre que, ante as ameaças de políticos do Centrão que querem derrubar o veto, uma movimentação intensa tomou conta das redes sociais na internet contra a tal emenda bilionária.
Nestes tempos de fake news, é difícil separar o fato do boato, mas já se fala num acordo para “meiar” esse caroço. Será que essa “rachadinha” vai acalmar a revolta popular contra certas manobras parlamentares? Provavelmente, não.