Esperava-se que, depois de aprovada a reforma do sistema de aposentadorias, os próximos avanços da sociedade brasileira rumo ao século 21 seriam a faxina e a modernização do sistema tributário nacional. Quem se mete a tocar um negócio no Brasil sabe o que é enfrentar diariamente o verdadeiro cipoal de impostos, taxas e armadilhas fiscais em que se transformou a obrigação de atender ao fisco.
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Votar reforma administrativa para corrigir privilégios é o próximo passoJogo de interesses emperra solução para rombo das contas públicasPor que o Brasil precisa manter as contas equilibradasSeja para corrigir distorções e injustiças, seja para alinhar as condições de produção e comércio do país às de seus concorrentes no mundo civilizado, a urgência e a importância da reforma tributária são indiscutíveis. Ela seria, então, a próxima estrela da agenda de reformas.
Seria, mas, em nosso país, tudo é mais difícil. Ao perceber o ineditismo do povo nas ruas exigindo a reforma da Previdência, lideranças políticas no Congresso Nacional sacaram que o desejo de mudanças é hoje majoritário na sociedade. Demoraram, né? Desde as manifestações de rua de 2013, essa é uma realidade explícita. Por negá-la, muita gente foi surpreendida pelas urnas de outubro de 2018.
Então, decididos a retomar o protagonismo perdido com o fim do toma lá dá cá, deputados e senadores procuraram se antecipar ao governo, abraçando e fazendo tramitar em cada uma das casas legislativas suas próprias propostas de reforma tributária: um texto foi adotado pelo Senado e outro pela Câmara.
“Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”, diz a sabedoria popular. Desacostumados a iniciativas modernizantes, deputados e senadores acabaram se engalfinhando em uma disputa de egos para ver qual projeto vai prevalecer e quem comandará a sua tramitação. Sem acordo, já falam em adiar essa reforma para o ano que vem. Que se danem a urgência e o desejo de quem lhes paga o salário e as vantagens do cargo.
DESVINCULAÇÕES
Enquanto Suas Excelências não calçam as sandálias do bom senso, o governo anuncia a intenção de acelerar a apresentação de outras duas reformas, também urgentes. É que a gaveta de quem foi eleito para fazer reformas que tornem a administração pública mais eficiente e destravem o desenvolvimento do país está cheia.
Uma das reformas é conhecida como Novo Pacto Federativo, já que envolve a gestão eficiente de recursos que afetam todos os níveis do poder público. São medidas de pura racionalidade administrativa, aparentemente distantes do interesse popular, mas têm tudo a ver com o cidadão. Por exemplo: a corrida político-eleitoral dos últimos 20 anos levou à criação de inúmeros mecanismos que obrigam a transferência de recursos do Orçamento para determinados setores.
São os cerca de 280 famigerados fundos setoriais, que pesam no engessamento do Orçamento Geral da União e contribuem para impedir que investimentos no desenvolvimento do país sejam feitos. Não confundir com os fundos de origem e força constitucional, como os direcionados à saúde e à educação. Esses não deverão ser mexidos agora.
Esses fundos recebem bom dinheiro do Tesouro, mas nem sempre conseguem aplicá-lo totalmente. Aí, ocorre uma daquelas excrescências geradas pela máquina política de fazer leis: fica dinheiro sobrando numa conta e faltando em outra, dentro do mesmo âmbito administrativo. A lei que cria fundos geralmente proíbe a realocação dos recursos que sobram neles.
A proposta é desvincular os recursos parados em fundos não constitucionais e destinar essas sobras à conta de investimentos do Orçamento Geral. A mudança terá dois efeitos positivos. O primeiro será aliviar o engessamento orçamentário, que hoje consome 94% de tudo que o governo gasta.
R$ 50 BILHÕES
O segundo e mais importante será proporcionar um reforço de cerca de R$ 50 bilhões por ano na debilitada capacidade de investimento público. É quantia ainda abaixo do que o país precisa para deslanchar obras de infraestrutura (estradas, ferrovias, energia e portos), mas que fará enorme diferença, em relação aos míseros R$ 19 bilhões previstos para 2020.
É mais do que sabido que o investimento público, ainda que modesto, tem sempre o condão de puxar o investimento privado. É disso que o país precisa para retomar pra valer a atividade econômica e os empregos.
As boas notícias vindas da economia nos últimos três meses, como a inflação sob controle, os juros mais baixos da história, a revisão para melhor das previsões do mercado financeiro para o PIB parecem indicar que o país segue no rumo certo das reformas e da austeridade fiscal. A continuação das reformas dependerá de o Legislativo ser capaz de votá-las sem cobrar vantagens inconfessáveis. Poderemos contar com Suas Excelências?
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