Agora que o povo foi às ruas para dizer claramente que quer a reforma da Previdência sem muitos cortes, o pacote anticrime do Moro, a votação urgente da MP 870 e do crédito suplementar solicitado pelo governo, e que não quer o contingenciamento de verbas da Educação, o Congresso Nacional e o governo já sabem o que têm de fazer. Sem fazer de conta que está discutindo seriamente os projetos (apenas para ganhar tempo e forçar negociações) cabe ao Legislativo votar as pautas. Deve o Executivo fazer os contingenciamentos necessários, mas com justificativas claras e sem provocações inúteis.
Ou seja, não há mais motivo aceitável para não se concluir, até o fim do próximo mês, essa etapa das reformas. Elas não são delírios de última hora, mas itens de uma plataforma eleitoral que saiu fartamente vitoriosa das urnas. Não vale a pena testar a paciência do eleitorado. Não se brinca impunemente com a voz das ruas quando elas se manifestam sem outro incentivo que não o da convicção de suas escolhas, seja qual for a cor das bandeiras.
É hora, portanto, de darmos os próximos passos na consolidação do processo de reformas, do qual a voz das ruas não admite volta ou mesmo retardo. A democracia permite à maioria cidadã promover as correções de rumo necessárias ao futuro do país, sem que haja sangue no presente. Tudo deve ser e será feito dentro da lei, pois acima dela só há violência e corrupção.
Pode se considerar um grande avanço o indiscutível envolvimento da maioria da população no debate da reforma da Previdência, antes tida como impopular.
Tarefa espinhosa
Mas nem por isso são menos importantes ou serão mais fáceis as próximas reformas a serem enfrentadas ainda neste semestre, a começar da primeira da fila, a tributária. Matéria técnica, assunto maçante, essa reforma, que já tem projeto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, costuma ser considerada um vespeiro político, tal o seu nível de complexidade e de polêmica.
Aparentemente distante do comum dos mortais, é matéria com potencial para muito bate-boca envolvendo senadores e deputados, prefeitos e vereadores e, principalmente, governadores. A expectativa, talvez otimista demais, é de que os embates na tramitação da reforma Previdência tenham preparado nossos representantes no Congresso Nacional para debates mais maduros, mais proveitosos e, se possível, mais educados.
A reforma em questão trata de simplificar o nosso sistema de tributos, verdadeira barafunda que, além de abrigar injustiças, encarece a operação das empresas e chega a desestimular a abertura de negócios que poderiam gerar empregos. A maioria das empresas brasileiras gastam tempo e muito dinheiro apenas para cumprir suas obrigações com o fisco.
Não é sem razão que a primeira fase da reforma propõe a unificação em um só imposto federal de vários tributos que incidem sobre o consumo de mercadorias e serviços. Desaparecem o PIS/Cofins e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que são federais, além do ICMS, estadual, e o ISS, cobrado pelos municípios. Eles serão substituídos pelo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).
A arrecadação seria centralizada em um Comitê Gestor, que se encarregaria de distribuir à União, aos estados e municípios os recursos que cabem a cada um conforme critérios a serem definidos. É óbvio o propósito simplificador.
Buscar o consenso
Hoje, o ICMS dessa operação interestadual é cobrado de modo a garantir que a maior parte da arrecadação fique no estado produtor e a menor com o consumidor. Isso explica o empenho dos estados em atrair indústrias para seus territórios, além, é claro da geração de empregos e renda. A mudança é boa para Minas ou para o Tocantins?
O governo encampou essa proposta e passou a cuidar de outros aspectos da reforma tributária, como alterações no Imposto de Renda, a complicada desoneração da folha de pessoal e o tremendo abacaxi da distribuição do bolo tributário, hoje muito concentrado na União.
Os mais otimistas estimam que a reforma tributária terá efeitos benéficos sobre o ambiente de negócios no Brasil, hoje, um dos menos favoráveis do mundo. Não podemos mais adiar essas mudanças e não temos como fazê-las sem a participação de todas as lideranças políticas do país. Tenhamos a grandeza de enfrentar agora o desafio ou nos preparemos para ser cobrados pelas próximas gerações..