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Estado de Minas PEDRO LOBATO

Previdência, mitos e verdades

Uma forma de desonestidade consiste em valorizar, em vez de discutir, pontos polêmicos da reforma para tentar defender a rejeição da proposta como um todo


postado em 26/02/2019 04:00 / atualizado em 25/02/2019 22:17

A democracia – se verdadeira – reconhece a existência dos contrários, dá voz também à minoria e busca o consenso possível, sem perder de vista a vontade da maioria. Por isso mesmo, seu funcionamento requer paciência e, não raro, o ingrato trabalho de separar a crítica oportuna do besteirol repetitivo dos que apenas seguem bordões adrede criados para evitar o sucesso do “inimigo”.
Esse é o quadro que já se percebe no cenário político nacional há menos de uma semana depois da entrega ao Congresso Nacional da proposta de reforma da Previdência pelo chefe (democraticamente eleito) do Executivo.
Velhos defensores de seus próprios privilégios – gente encastelada nos escaninhos dourados do serviço público, que se aposenta com ganhos de três e até 10 vezes o teto de R$ 5.531 dos trabalhadores comuns – já começam a mostrar dentes afiados contra a ousadia da reforma. Mas isso é só mais um sinal de que a maior parte dos tiros previstos no texto foram disparados na direção certa. É, mais uma vez, a maioria que paga as contas enfrentando uma minoria privilegiada.
O que preocupa é que a mentira em nosso país é permitida fora dos processos judiciais e tem sido usada para convencer os incautos, por meio de narrativas distorcidas, de que o errado é que está certo. É, então, que se lançam mitos e que prosperam falsas ameaças. Para os interessados em manter privilégios, é fácil dizer aos mais humildes que a reforma, além de desnecessária, vai prejudicar o pobre em benefício do rico.

Pontos polêmicos
Uma forma de desonestidade consiste em valorizar – em vez de discutir – pontos polêmicos da reforma para tentar defender a rejeição da proposta como um todo. Por exemplo: “basta cobrar a dívida das empresas com a Previdência e tudo se resolve”. É mito. Qualquer estagiário de economia sabe que o problema do sistema não é de estoque e, sim, de fluxo. Ou seja, mesmo que fosse possível receber todos os R$ 488 bilhões da dívida (maior parte gerada por empresas falidas ou em processo judicial), essa quantia daria para cobrir apenas dois anos do déficit. Em seguida, o problema voltaria ainda pior, pois, sem a reforma, o déficit do sistema continuará crescendo.
Não passa de meia verdade a afirmação de que o governo quer pagar aposentadorias abaixo do salário mínimo. É mais uma narrativa incompleta de uma proposta de alteração do programa de Benefícios de Pagamento Continuado (BPC). Não se trata de aposentadoria e, sim, de assistência social a idosos carentes com mais de 65 anos e a deficientes incapazes de ter renda própria.
A proposta é ruim, não por desvincular o benefício do salário mínimo, mas por fixar uma quantia muito baixa (R$ 400 reais por mês), ainda que reduza de 65 para 60 anos a idade para ser concedida. O BPC custa anualmente R$ 60 bilhões ao Tesouro Nacional, mas a mudança proposta é politicamente insustentável por ser uma indiscutível transferência de renda para os mais pobres que deve ser mantida.
Outro ponto frágil e que deverá ser alterado pelo Congresso é o que trata da aposentadoria rural. Esse é o benefício que tem em seu histórico o maior número de fraudes contra a Previdência. Em muitos municípios há mais aposentados rurais do que moradores no campo e seu custo é alto: cerca de R$ 120 bilhões por ano.
A reforma propõe uma maneira de comprovar a atividade rural, aumenta o tempo contribuição de 15 para 20 anos, além de igualar a idade mínima da mulher (hoje, 55 anos) à do homem, 60 anos. A demagogia fácil gosta do tema e deita falação, tentando contaminar a integridade da proposta, mas o que tende a prevalecer é o bom-senso de que as fraudes devem ser combatidas por legislação mais eficaz e por fiscalização mais atuante. A alteração proposta corre o risco de cometer injustiças.
Oportunidade histórica
Por fim, vale lembrar duas questões de extrema importância para as futuras aposentadorias. A primeira é a desconstitucionalização dos detalhes – não dos direitos – que regem o sistema. Será um salto para longe do atraso institucional que prende o país a circunstâncias vencidas pela realidade. Basta lembrar as mudanças no nosso perfil demográfico e nas relações de trabalho no mundo moderno.
A segunda trata da substituição do atual modelo de repartição pelo de capitalização. Por hora, haverá apenas a autorização para introduzir essa novidade como futura opção dos novos trabalhadores. Uma lei complementar tratará democraticamente dos detalhes que mais convêm ao Brasil (sem os erros cometidos, por exemplo, no Chile).
Nossos representantes têm, portanto, a oportunidade histórica de demonstrar que seu compromisso com o país está acima de partidos e de grupos de interesse. Eles serão cobrados por seus filhos e netos pelas decisões que vão tomar nos próximos meses. É bom que não se esqueçam nas costas de quem estarão colocando o peso das distorções que deixarem de corrigir agora.

 

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